Eucaristizar a vida

Festa do Santíssimo Corpo e Sangue de Jesus No dia 22 de Fevereiro o Papa Bento XVI deu-nos um tesouro doutrinal e pastoral sobre a Eucaristia, a Exortação Post-Sinodal Sacramentum Caritatis. Corre o risco de passar sem deixar marcas de renovação. Neste primeiro Corpo de Deus, depois da sua publicação, quero deixar algumas pistas que estimulem a leitura, colocando os seus conteúdos nas vidas pessoais e das comunidades. 1 – O Mistério Santíssimo da Eucaristia, em todas as suas dimensões, deve ser «verdadeiramente acreditado». É o dom da presença de Cristo que não se compreende só com a luz da razão. A fé deve ser revigorada. Só assim poderemos descobrir a pérola aí contida e que merece a venda de muitas coisas para a possuir. Por outro lado, deve ser «devotamente celebrado». Não nos poderemos resignar a uma mera presença. Todos, sacerdotes e leigos, deveríamos investir para uma concentração celebrativa que envolve todas as nossas faculdades e capacidades. Celebrar devotamente não permite rotinas ou hábitos. Só a entrega do que se é e tem. Mais, ainda, «intensamente vivido». Não é uma pausa ou interrupção da vida. É momento vital a envolver com intensidade o concreto da nossa existência. Aí está o encontro com Cristo Vida a permear a vida toda com um dinamismo de novidade e confronto com os valores do eterno. 2 – Nesta atitude de acreditar, celebrar, viver – por todos -, e não de qualquer maneira, descobrimos um itinerário para o quotidiano que o papa resume: – «A oferta da nossa vida». Quando Cristo, que comungamos, se ofe-rece, não existe outra hipótese. Quem se alimenta da Eucaristia é uma pessoa oferecida, ou que, oferece o que tem e é. – «A comunhão com a comunidade inteira dos crentes». Aí está Cristo fisicamente mas também dum modo total. O crente, alimentado da Eucaristia, não teme a comunhão com todos e com tudo. Há realidades desagradáveis e pessoas menos positivas ou atraentes. Com Cristo a comunhão torna-se extensiva e envolvente. – «A solidariedade com todo o ser humano». Se a comunhão é exten-siva à criação e a todos os seres humanos, a maneira de a tornar visível é a solidariedade activa como compromisso sério com todos. Ninguém nos é indiferente. O mundo, e particularmente o mundo dos mais próximos, é a minha casa de comunhão e solidariedade. Dou-me por inteiro pois Cristo é o pão oferecido para todos. 3 – Esta doutrina maravilhosa deve passar para o quotidiano de todos conforme a sua vocação. A solicitude do Papa chega ao pormenor de querer deixar uma interpelação para todos. 3.1 – Aos presbíteros e diáconos lembra que o serviço da Eucaristia deve ser «realizado com solicitude e constante preparação», para que se torne «força e estímulo para o seu caminho pessoal e comunitário de santificação». A Eucaristia não se improvisa. Merece preparação próxima na atitude de oração e contemplação e remota na responsabilidade de não descurar nenhum elemento da celebração. Assim a Eucaristia será força e estímulo para a Santidade pessoal e para a transformação comunitária O segredo da vida autenticamente cristã e sacerdotal, está no modo de celebrar e viver a eucaristia. Assim a saibamos entender. 3.2 Aos leigos, e às famílias em particular, para que «encontrem no Sacramento do Amor de Cristo a energia de que precisam para transformar a própria vida num sinal autêntico da presença do Senhor ressuscitado». – As exigências dum discipulado que se assume em todos os momentos e perante todas as interpelações necessitam, e todos o sentem, duma força especial para que a fidelidade aconteça em todos os momentos. Só desta maneira Cristo passará pelos diversos ambientes que caracterizam a vocação laical. O mundo do trabalho, da política, da economia, do desporto… necessitam desta presença do Ressuscitado. Sem um amor à Eucaristia nunca acontecerá. 3.3 – Aos consagrados e consagradas para que manifestem, «com a própria existência eucarística, o esplendor e a beleza de pertencer totalmente ao Senhor». O mundo necessita de sinais da beleza de Deus. Quem pertence ao Senhor tem esta responsabilidade e só uma vida eucaristizada, como acolhimento do dom, em vivência profunda, e comunicação alegre da- quilo que nos é dado saborear, consegue, talvez no silêncio duma vida escondida, assegurar que Deus é Bom. 4 – Com todas estas interpelações, o Santo Papa recorda que somos acompanhados por aqueles e aquelas que mostraram este amor à Eucaristia – «Sine dominico non possumus («sem o domingo não podemos viver», igual, a sem Eucaristia não podemos viver», – testemunho sincero dos mártires da Abitinia no séc. IV) e neste fazer estrada com muitos, teremos de mostrar o valor que a Eucaristia encerra para nós. 4.1 – Só que – e isto é o que pretendia sublinhar este ano em que vivemos o lema de Família Solidária – não é suficiente a celebração e a participação. Teremos de chegar ao «iuxta dominicam viventes, isto é traduzir na vida o que celebramos no dia do Senhor». «Porquê maravilhar-se quando desejamos que cada dia seja vivido segundo a novidade introduzida por Cristo com o mistério da Eucaristia?» 4.2 – Eis o apelo que – com o Santo Padre – gostaria de deixar neste dia do Corpo de Deus. Necessitamos de verificar que os nossos cristãos não conseguem viver sem a Eucaristia. Precisamos de celebrações participadas e vividas por sacerdotes e leigos. Mas, o fundamental está na novidade de vida que Cristo quer introduzir em nós e entre nós, com a Eucaristia. Quando afirmo que talvez tenhamos Eucaristia a mais e Eucaristia a menos é este o sentido. Se hoje levamos Cristo pelas ruas das nossas cidades, coloquemo-Lo nas nossas vidas mostrando que a Eucaristia marca o ritmo do nosso quotidiano. Ousemos acreditar mais e viver este dom precioso. Sé Catedral – 07/06/2007 + D. Jorge Ortiga, Arcebispo Primaz

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