“Eucaristia, memória do Coração de Cristo”

Homilia de D. José Policarpo na Solenidade do SS.mo Corpo e Sangue de Cristo Lisboa, 10 de Junho de 2004 1. A Igreja celebra a Eucaristia como memorial da Páscoa; e pode fazê-lo porque no seu coração de esposa, ela guarda viva a memória do coração de Cristo, seu Esposo e Senhor. E sabe que essa memória foi desejo d’Ele, no momento decisivo do Seu amor pela Humanidade: “Fazei isto sempre em memória de Mim”. A Eucaristia encerra o segredo da relação amorosa de Cristo com a Igreja e revela o mistério mais profundo da Igreja. Fazer memória significa penetrar no insondável segredo do coração de Cristo, no momento em que Ele se oferece totalmente por amor, a Deus Pai e aos homens que Deus ama. A Eucaristia é o momento em que a Igreja se deixa devorar por esse amor infinito e o actualiza, dando densidade presente ao drama da salvação. Só a esposa penetra nos segredos do coração do Esposo e se abandona, renovando a sua identidade e a sua união com Ele, em cada Eucaristia que celebra. Ela é, verdadeiramente, o banquete das núpcias do Cordeiro. 2. A Eucaristia é, antes de mais, um memorial de bênção; nela, Deus continua a abençoar o Seu Povo. A bênção exprime a bondade e a solicitude com que Deus ama o Seu Povo. O Seu amor é uma expressão de ternura. Nela, Deus exprime todo o Seu desejo de vida, harmonia e felicidade para os homens que trata como filhos. Em toda a bênção se manifesta o enlevo de um coração de Pai. A bênção consola, protege, fortalece, encoraja a descobrir os caminhos da vida. Foi assim que Melquisedec abençoou Abraão, Samuel abençoou David, Gabriel abençoou Maria. Cristo é a bênção com que Deus envolve continuamente os homens, com a Sua solicitude de Pai. A bênção de Deus é eficaz, realiza maravilhas. Sentir-se abençoado é sentir-se enviado, capaz de percorrer caminhos novos, que só o amor revela e torna possíveis. Cristo eleva os olhos ao Céu e pronuncia a bênção sobre o pão e o peixe, e eles multiplicam-se na medida justa do Seu amor por aquela multidão. Se o pão é um sinal de bênção, este tem de chegar a todos e para todos. “Isto é o meu Corpo, que é para vós”. E se era para todos, ele tinha de chegar a todos e para todos, para que cada um sentisse e acolhesse o dom de amor do próprio Cristo. Na Eucaristia, a Igreja abençoa e é abençoada. Ela abençoa, porque revive a atitude de bênção do próprio Cristo. Pela sua palavra e pelo seu gesto é o próprio Cristo que abençoa e multiplica o pão, que é o Seu corpo, como sinal de bênção para todos. É abençoada porque ao receber o Corpo do Senhor, ela sente-se a amada de Deus, tal como na noite de Páscoa. A Humanidade do nosso tempo precisa, urgentemente, de se sentir abençoada por Deus. Nos seus dramas, na solidão e na tristeza, no desânimo e na tentação, só a bênção de Deus lhe pode restituir a confiança, a coragem e a alegria de viver. E para isso basta acorrer ao banquete, onde o pão da bênção é distribuído e chega para todos, sinal da bênção amorosa de Deus. A Eucaristia é fonte de esperança e sacramento da vida reencontrada. Na Eucaristia, a Igreja é abençoada e abençoa. 3. Mas fazer memória do coração de Cristo é penetrar no ardor salvífico que O envolve, naquele momento de oferta pascal. Já com o Apóstolo Paulo a Igreja penetrou nesse aspecto da memória do coração de Cristo: “Sempre que comerdes este pão e beberdes esta taça, anunciareis a morte do Senhor, até que Ele venha”. Pão de bênção, a Eucaristia abre o coração da Igreja para a urgência da salvação. Ela é, em si mesma, o anúncio da radicalidade dessa inquietação do coração de Cristo durante todo o tempo da peregrinação da Igreja, no tempo e na história, até que o Senhor venha. O ardor missionário da Igreja brota da Eucaristia, porque nela a Igreja penetra na urgência da salvação que atravessa o coração de Cristo. Só a Eucaristia revela à Igreja que a sua missão evangelizadora é participação na missão de Cristo, porque só aí ela perscruta o ardor salvífico do coração do Senhor. Na Eucaristia a Igreja escuta de novo a Palavra do Senhor que a envia e percebe que a urgência da salvação é a urgência do amor, do próprio amor de Deus em Jesus Cristo. O Corpo do Senhor é sacramento de comunhão total com Cristo: no Seu amor, na Sua fidelidade, na Sua radicalidade, na Sua obediência ao Pai. Nunca, como na Eucaristia, a Igreja capta o apelo à santidade, o que fará com que a missão seja testemunho de vida e de desejo e não apenas uma doutrina aprendida e repetida. Igreja de Lisboa! Num momento em que nos preparamos para uma experiência intensa de evangelização, já teremos percebido que só na Eucaristia somos enviados, nos sentimos amados e salvos, de modo a não podermos deixar de proclamar aos outros essa nossa alegria, como boa nova de salvação? Nós queremos anunciar Jesus Cristo, a Sua morte e ressurreição e a maneira mais profunda de o fazer é celebrar a Eucaristia, mergulhar no seu mistério, porque nela anunciamos a morte do Senhor, até que Ele venha. É da Eucaristia que se parte em missão; é para a Eucaristia que convergem os missionários, louvando o Senhor e confrontando com a fonte do amor o amor que anunciaram. Durante este ano de preparação intensa para a “missão na Cidade”, descobrir a Eucaristia, amar a Eucaristia e na Eucaristia, é preparar-se para a missão. Que as pessoas, as Comunidades e Movimentos que se sentem chamados a participar na missão, vivam intensamente, durante este ano, o amor à Eucaristia. Só aí nos reconheceremos como Igreja enviada, que perscrutou e experimentou o insondável amor de Jesus Cristo, de que é o sacramento. A Eucaristia é, para a Igreja de Lisboa, o caminho da preparação para o Congresso e para a Missão. 4. Fazer memória de Jesus, na Eucaristia, é redescobrir a presença perene de Cristo vivo na Sua Igreja. E a primeira atitude que essa certeza da presença real de Cristo no meio do Seu Povo suscita em nós é a adoração, e esta é sempre um êxtase de amor. Ela é a expressão da nossa gratidão pelo Seu amor por nós; e a gratidão de amor é a melhor expressão de Lhe prestar a glorificação que Ele merece como Deus. Ao adorá-l’O, a Igreja glorifica-O e descobre a fonte da confiança e da esperança. A forma eucarística da presença de Cristo ressuscitado, tem a discrição de Deus, que propõe uma intimidade, mas não a impõe, renovando-nos toda a alegria de O procurar e de O encontrar. Mas na sua discrição silenciosa, a Eucaristia encerra o segredo da salvação do mundo. Partimos em missão porque o Senhor nos envia, com a mesma urgência com que o fez há dois mil anos, em cada encontro de amor com Ele, na adoração eucarística. Esta será a força dinamizadora da missão. Tenho a alegria de vos anunciar que durante este ano de preparação para o Congresso, iniciaremos, no próximo mês de Janeiro, na Igreja de São Nicolau, a adoração contínua e ininterrupta de Jesus na Eucaristia. Espero vivamente que ao grupo que está a lançar esta iniciativa, se juntem muitos outros, constituindo uma cadeia ininterrupta de adoração; e peço a esses que sintam que representam aí toda a Igreja de Lisboa, que vai continuamente ao encontro do Seu Senhor, sabendo que só com Ele poderá ser uma Igreja viva e missionária. Seja essa densidade de amor e de louvor que nos fará hoje percorrer as ruas da nossa Cidade, seguindo o Senhor como discípulos. † JOSÉ, Cardeal-Patriarca

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