Na homilia da missa do Corpo de Deus, Bento XVI salientou que o sofrimento de Cristo resultou da obediência à vontade de Deus Pai e é a origem da comunhão eucarística
Bento XVI considera que o carácter profético de Jesus e o sofrimento que resultou da obediência ao plano de Deus Pai estão na origem do sacramento da Eucaristia e fizeram dele o único sacerdote que pode oferecer a salvação à humanidade.
Na homilia da missa do Corpo de Deus, celebrada esta Quinta-feira na Basílica de São João de Latrão, em Roma, o Papa começou por referir que os textos do Antigo Testamento já aludiam ao sacerdócio como intermediação entre Deus e os homens.
A vida de Jesus, no entanto, não se inseriu no sacerdócio tradicional judaico, enquadrando-se antes numa perspectiva profética, o que lhe permitiu distanciar-se “de uma concepção ritual da religião, criticando as imposições que valorizavam os preceitos humanos e legais relativos à pureza ritual, mais do que a observância dos mandamentos de Deus, ou seja, ao amor por Deus e pelo próximo”.
O facto de não descender de uma família sacerdotal, a expulsão dos vendedores que faziam negócio no templo de Jerusalém e a própria morte por crucificação, “a mais infame”, são alguns exemplos apontados pelo Papa para defender que Jesus privilegiou o profetismo e desconsiderou a herança sacerdotal.
Em que sentido se deve então entender que Jesus é sacerdote?, perguntou Bento XVI. A resposta está na oferta do pão e do vinho, já convertidos no seu próprio Corpo e Sangue, que ocorreu pela primeira vez na última ceia e que a Igreja actualiza em todas as missas através do gesto de consagração feito por padres e bispos.
Na Bíblia, a paixão de Cristo – a agonia física, psicológica e espiritual que ele enfrentou até morrer – é apresentada “como uma oração e como uma oferta”, disse o Papa.
“Jesus afronta a sua ‘hora’, que o conduz à morte de cruz, imerso numa profunda oração, que consiste na união da sua própria vontade com a do Pai. Esta dúplice e única vontade é uma vontade de amor”, sublinhou Bento XVI.
No entender do Papa, a oração de Cristo foi ouvida porque o desígnio de amor do Pai “cumpriu-se perfeitamente em Jesus, que, tendo obedecido até ao extremo da morte na cruz, tornou-se ‘causa de salvação’ para todos aqueles que lhe obedecem”.
O sacerdócio que o Pai conferiu a Cristo na “passagem da sua morte e ressurreição” superou o entendimento judaico fixado nas leis do Antigo Testamento e tornou-se dependente “da sua singular relação com Deus”, disse ainda Bento XVI.
Outra das dimensões do sacerdócio de Cristo é o sofrimento: “Jesus sofreu verdadeiramente e fê-lo por nós. Ele era o Filho e não tinha necessidade de aprender a obediência, mas nós sim, tivemos e temos sempre necessidade”.
A paixão de Jesus foi “uma consagração sacerdotal” que passou ao lado dos aspectos rituais e se baseou numa experiência pessoal: “Ele não era sacerdote segundo a Lei, mas tornou-se sacerdote de maneira existencial na sua Páscoa de paixão, morte e ressurreição”, pelo que o Pai o “constituiu Mediador universal de salvação”, referiu o Papa.
A transformação do pão e do vinho no Corpo e Sangue de Cristo que ocorre nas missas celebradas em todos os tempos e lugares tem origem no mesmo amor com que Jesus, na última ceia, fez pela primeira vez essa conversão.
Esse amor, acrescentou Bento XVI, “não é outro senão o Espírito Santo, o Espírito do Pai e do Filho, que consagra o pão e o vinho e muda a sua substância no Corpo e no Sangue do Senhor”.
É “esta força divina, a mesma que realizou a Incarnação do Verbo [Jesus], a transformar a extrema violência e a extrema injustiça [da crucificação] em acto supremo de amor e de justiça. Esta é a obra do sacerdócio de Cristo, que a Igreja herdou e prolonga na história, na dúplice forma de sacerdócio comum dos baptizados e do ministério ordenado, para transformar o mundo com o amor de Deus”.
Foto: Bento XVI na celebração do Corpo de Deus, Basílica de São João de Latrão, Roma, 3.6.2010