Eucaristia e peregrinação

Homilia do bispo do Porto na Missa da Ceia do Senhor

Nesta celebração aniversária da instituição da Eucaristia e do sacerdócio, para a realizar, chama-me a atenção o pequeno diálogo entre Pedro e Jesus, relatado no Evangelho. Aquele, simples mas respeitador, acha que «fica mal» ao Senhor lavar-lhe os pés; o Salvador, porém, coloca esse gesto como condição de entrada no Reino de Deus: “Pedro insistiu: «Nunca consentirei que me laves os pés». Jesus respondeu-lhe:«Se não tos lavar, não terás parte comigo»”. Vejamos que é que isto nos diz, hoje.

 

Esta primeira Missa celebrada no Cenáculo marca o início de uma especialíssima peregrinação do Senhor em direção ao Calvário e à sua Páscoa. De facto, sabemos pelo Evangelho que, depois desta Ceia, o Senhor e os seus Apóstolos se retiram para o outro lado da Torrente do Cédron, para o jardim das oliveiras, recitando os salmos pascais, como qualquer judeu piedoso gostava de fazer. Foi aí que Judas e os soldados o vieram procurar para o prender e levar a julgamento, quer perante as autoridades judaicas, quer pelas romanas. E inicia-se a «grande peregrinação». Dura e sofrida. Mas uma peregrinação que tem por meta a luz da vida em plenitude, a glória da eternidade e o ingresso no seio amoroso do Pai. Uma peregrinação que passa pelo Calvário, mas termina na Ressurreição.

 

Como sabemos, é-nos proposto, a nós cristãos, que vivamos este ano jubilar em que nos encontramos sob o signo da peregrinação, da atividade, de um caminho a percorrer com os irmãos em ordem a uma meta feliz e grandiosa. Ora, se a Igreja vê na Eucaristia “a fonte e o cume da vida cristã” (LG 11) quer dizer que ela traz consigo um dinamismo inato, um sentido de atividade e caminhada que também se pode designar por peregrinação de natureza espiritual. Eucaristia e peregrinação interligam-se de tal maneira que não é possível separar uma da outra.

 

A verdadeira peregrinação consiste em percorrer a estrada de Jesus e caminhar para Ele e com Ele. Esta é a especificidade cristã: unidos ao Redentor pela fé e pelo Batismo, queremos estar onde Ele está e configurar a nossa vida aos exemplos da sua vida. Mas nem sempre nos é fácil, pois não ignoramos os escolhos do caminho, a dureza da jornada, as vezes em que se faz noite e julgarmos estar sós.

É aqui que entra a Eucaristia. É ela que reúne o povo dos que, poeticamente, se dispõem a esta caminhada, constrói uma comunhão de fé e de sentimentos, fá-lo saborear a beleza de um Deus oferecido para nossa salvação e envia-o novamente ao mundo com o encargo da sua transformação, do seu contínuo aperfeiçoamento e melhoria, quer dando o pão a quem só conhece a penúria e a miséria, quer elevando em valores a cultura da fraternidade e da esperança.

Não sendo fácil esta peregrinação individual do crente e de todo o povo do Senhor, precisamos de uma fonte de especial vigor, de um suplemento de vitalidade. Ora, a este nível da fé, não a encontramos em qualquer outro lugar que não seja na Eucaristia, pois só ela mitiga a fraqueza, concede forças, ajuda a recuperar o ânimo, gera a alegria, faz sentir a reconfortante presença do irmão, acalenta a esperança da chegada à meta. A Eucaristia é, de facto, o alimento de quem está a caminho, de quem viaja, de quem peregrina decididamente no meio das ocorrências e desafios da vida como ela é. Por algum motivo, os mártires de Cartago, no ano 304, pronunciaram aquela célebre frase que viria a ficar na história da nossa fé e nos nossos ouvidos: “Não podemos viver sem o Domingo”, aqui tomado na acessão global de dia da Eucaristia.

 

Irmãs e irmãos, a Eucaristia é o verdadeiro sinal e expressão da peregrinação da nossa vida na fé e na esperança. Nela, fazemos a bela experiência da companhia dos irmãos, mostramos que preferimos a sua presença sempre consoladora à solidão do caminhar sós, aceitamos o alimento para a jornada, fazemos prova de confiança em quem nos orienta o caminho que conduz à casa do Pai e acreditamos resolutamente que, com Jesus e em Jesus, atingiremos a grande meta da vida. Mas é nela e por ela que também aceitamos o amor de Deus e nos dispomos ao serviço dos irmãos, como nos exemplifica o lava-pés, conceito tão presente nesta liturgia.

Celebremos, vivamos e apreciemos este «augustíssimo sacramento» com alegria, O senhor derrotou o pecado e a morte. Há esperança! Há amor, pois Aquele que lavou os pés aos discípulos continua a dedicar-se plenamente a nós! Sim, Ele faz da existência um serviço a cada um de nós. E o maior serviço é o da salvação. Bendito seja Ele. Celebremo-l’O hoje e sempre em Eucaristia.

D. Manuel Linda

Bispo do Porto

 

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