Variando de género e, sobretudo, de formato, o realizador argentino Juan José Campa-nella teve em “O Filho da Noiva” (2001) o seu primeiro filme distribuído em Portugal.
Nove anos depois, Campanella e o seu actor de eleição, Ricardo Darín, regressam: de novo com um protagonista de meia idade que tenta deter a voragem do tempo, mas desta feita num contexto totalmente diferente: onde Rafael Belvedere, de há nove anos atrás, evitava questionar tudo o que, no íntimo, o incomodava – da sombra perfeccionista do Pai à desatenção para com a Mãe viúva, passando pela omissão relativamente à filha -, o Bejamín Esposito de agora procura incessantemente respostas a uma quantidade de perguntas que há anos o perseguem.
O filme começa com a narração de uma despedida numa estação, numa dor expressa apenas por um olhar, perdido e contido, num tempo incerto. Sabemos depois que o escritor que a narra é um ex-agente federal da justiça argentina que quer regressar ao Palácio da Justiça para, dos arquivos, ressuscitar pela sua mão, o caso Morales, um caso de homicídio (um crime hediondo de contornos passionais) que esteve vinte anos antes sob sua alçada e lhe escapou das mãos por um estranho e precoce arquivamento.
No caminho que percorre para recuperar o rasto, as memórias e as sombras deixadas pelo caso Morales, Benjamín – e nós com ele – apercebe-se de que há muito mais do que um convicto sentido de justiça e de dever profissional a movê-lo: há uma profundíssima compreensão do significado do amor e da amizade e, por essa mesma, um desassossegado sentimento de dívida para consigo e para os seus que Benjamín não pode deixar de saldar. Num magnífico registo que mistura delicada, eficaz e certeiramente a melhor tradição do policial americano com o bom tom do cinema argentino de qualidade, há em “O Segredo dos seus Olhos”, vencedor do Oscar para Melhor Filme Estrangeiro, um pouco de quase tudo: romance, crime, drama, suspense e um toque do finíssimo, genuíno e muito humano humor próprio da cinematografia latino americana. Além do filme recomenda-se vivamente a leitura do romance de Eduardo Sacheri que o originou, “La Pregunta de sus Ojos”!
Margarida Ataíde