Estrasburgo: Papa diagnostica doenças da alma europeia

Francisco falou ao Parlamento Europeu do drama da «solidão» e denuncia «tecnicismo burocrático» das instituições comunitárias

Estrasburgo, França, 25 nov 2014 (Ecclesia) – O Papa disse hoje aos deputados do Parlamento Europeu em Estrasburgo que a alma do Velho Continente está ameaçada por “doenças” como a “solidão” e as consequências da crise económica e social.

“Uma das doenças que hoje vejo mais difundida na Europa é a solidão, típica de quem está privado de vínculos. Vemo-la particularmente nos idosos, muitas vezes abandonados à sua sorte, bem como nos jovens privados de pontos de referência e de oportunidades para o futuro”, declarou Francisco, na primeira das duas intervenções previstas durante a visita à cidade francesa.

A este problema, acrescentou, juntam-se estilos de vida “egoístas”, caraterizados por uma “opulência atualmente insustentável e muitas vezes indiferente ao mundo circundante, sobretudo dos mais pobres”, passagem do discurso que mereceu uma salva de palmas dos eurodeputados.

“No centro do debate político, constata-se lamentavelmente a preponderância das questões técnicas e económicas em detrimento de uma autêntica orientação antropológica”, advertiu.

Neste contexto, o Papa condenou o recurso à eutanásia e o aborto, como frutos de uma visão que reduz o ser humano “a mera engrenagem dum mecanismo que o trata como se fosse um bem de consumo a ser utilizado”.

“A vida – como vemos, infelizmente, com muita frequência –, quando deixa de ser funcional para esse mecanismo, é descartada sem muitas delongas, como no caso dos doentes terminais, dos idosos abandonados e sem cuidados, ou das crianças mortas antes de nascer”, precisou.

Para Francisco, é fundamental “cuidar da fragilidade”, o que revela “força e ternura, luta e fecundidade no meio dum modelo funcionalista e individualista que conduz inexoravelmente à «cultura do descarte»”.

Francisco chegou aeroporto de Estrasburgo/Entzheim, deslocando-se de automóvel para o Parlamento Europeu, onde foi recebido pelo presidente da instituição, Martin Schulz, para a execução dos respetivos hinos, antes de se deslocar para a entrada de honra.

O Papa cumprimentou os membros do secretariado do Parlamento e os presidentes dos oito grupos políticos da assembleia, assinando o livro de ouro.

No hemiciclo, perante os deputados eleitos pelos Estados-membros da União Europeia reunido em sessão solene, onde foi recebido por uma salva de palmas, Francisco sublinhou que a crise económica traz ainda “consequências dramáticas do ponto de vista social” e gerou “desconfiança dos cidadãos relativamente às instituições” comunitárias, criticando o “tecnicismo burocrático”.

O primeiro Papa não-europeu a liderar a Igreja Católica desde 741 apresentou-se como um “pastor” que quer dirigir a todos os cidadãos europeus “uma mensagem de esperança e encorajamento”.

“Como fazer para se devolver esperança ao futuro, de modo que, a partir das jovens gerações, se reencontre a confiança para perseguir o grande ideal de uma Europa unida e em paz, criativa e empreendedora, respeitadora dos direitos e consciente dos próprios deveres?”, questionou.

Em resposta, o discurso evocou o fresco de Rafael, que se encontra no Vaticano, representando a chamada ‘Escola de Atenas’, com Platão e Aristóteles a apontarem, respetivamente, para o céu e para a terra, “a a abertura ao transcendente, a Deus” e a “capacidade prática e concreta de enfrentar as situações”.

“Uma Europa que já não seja capaz de se abrir à dimensão transcendente da vida é uma Europa que lentamente corre o risco de perder a sua própria alma”, alertou Francisco.

O último Papa a visitar o Parlamento Europeu tinha sido João Paulo II, a 11 de outubro de 1988.

Francisco referiu, a este respeito, que “muita coisa mudou na Europa” desde então, falando num continente “envelhecido” que tem de saber voltar “à firme convicção dos pais fundadores da União Europeia, que desejavam um futuro assente na capacidade de trabalhar juntos para superar as divisões e promover a paz”.

“No centro deste ambicioso projeto político estava a confiança no homem, não tanto como cidadão ou como sujeito económico, mas no homem como pessoa dotada de uma dignidade transcendente”, observou.

Durante a visita, o Papa cumprimentou a alemã Helma Schmidt, que o acolheu na sua casa, durante dois meses, em 1985.

OC

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Agência ECCLESIA

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