A Agência ECCLESIA convidou uma especialista em «psicologia positiva» e um teólogo a responderem às mesmas questões sobre o tema da esperança
A Agência ECCLESIA convidou uma especialista em “psicologia positiva” e um teólogo a responderem às mesmas questões sobre o tema da esperança. Duas visões diferentes, numa espécie de provocação, apresentadas por Helena Marujo, do professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas da Universidade Técnica de Lisboa, e por João Duque, professor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa-Braga.
Agência ECCLESIA (AE) – O que é a esperança?
Helena Marujo (HM) – A esperança é um atributo psicológico, entendido como uma virtude, composta por 3 elementos: ter metas/objetivos; ter o componente motivacional de desejar atingi-los e acreditar que se consegue (the will); e a capacidade de desenhar caminhos para chegar a essas metas (the way). Só na integração de todos é possível ter esperança.
João Duque (JD) – É a capacidade de acreditar que é possível uma condição da nossa existência que supere aquilo que, no presente, nos faz sofrer. Essa capacidade é-nos dada, se formos capazes de a acolher. O sofrimento mais profundo é provocado pelo denominado mal moral, ou seja, pelo mal que os humanos exercem uns sobre os outros. O mais profundo cerne da esperança será, portanto, a esperança de que a injustiça não tenha a última palavra sobre as relações humanas.
AE – Neste tempo, que relevo deve ser dado à esperança?
HM – O que se faz sem horizontes para fazer caminhos? Como se caminha se não soubermos para onde nem de que forma chegamos? Como vivemos sem acreditar e ter vontade em perseguir, sabendo para onde se vai? Como se vê, a vida sem esperança é um deserto árido ou um deambular perdido e sonâmbulo.
JD – Poderemos considerar que o maior problema do ser humano, em situação de sofrimento, é a incapacidade de esperar algo diferente. Se uma situação de sofrimento – sobretudo a que é provocada pela injustiça – já é suficientemente destrutora, o desespero completo significa a irremediável destruição. Se atravessamos um tempo em que sentimos os efeitos da injustiça – pessoal e social – de modo especialmente premente, então o que pode salvar esse tempo é, antes de tudo, a esperança. Caso contrário, não haveria saída.
AE – Que afinidade existe entre crise e esperança?
HM – A crise deixa-nos duas escolhas possíveis: deixar de acreditar na capacidade de criar novas formas de vida, de que nos orgulhemos mais e mais nos sirvam como humanidade coletivamente consciente do que queremos manter e do que queremos mudar; ou reformular os horizontes que nos impõem, decidir mais e pensar mais profundamente, construirmos juntos novos caminhos a trilhar, determinadamente tudo fazer para acabar com a condição de escravos (em todas as áreas da vida, desde a politica ao social, da educação ao emprego, fazendo-o com suporte na virtuosidade pessoal e relacional e na reconstrução de um sentido de comunidade e de bem-comum. Aí reside, na urgência da consciência critica, a esperança de hoje.
JD – A crise tem a vantagem, antes de tudo, de colocar em causa as seguranças presentes. Ao mesmo tempo, torna mais evidentes as estruturas e as relações injustas. Tudo isso provoca de modo mais forte a esperança, pois faz crescer o desejo de alteração da situação presente. É claro que a crise só terá esse efeito benéfico se, de facto, estiver ligada à esperança. No caso do desespero, a crise pode ser destrutora para o ser humano. É por isso que, nessas situações, se revela de modo mais claro que é pela esperança que somos salvos.
AE – Que afinidade existe entre Natal e esperança?
HM – É como um sino que toca. É como um sinal de luz: um aviso, um acordar. É como um retorno ao brilho de quem repensa e luta por renascer, por manter viva a confiança numa humanidade com um futuro que inspire.
Estrelas cadentes, raras mas memoráveis, deixam-nos um rasto que nos lembra que a vida foi sempre dura, mas sempre bela; que sempre houve trevas, mas também sempre luz. Que oscilamos entre a ferida e a bênção. E que é a essa dinâmica que vamos buscar a energia para novas e mais esperançadas caminhadas.
Porque o Natal é também isso: Um piscar de olhos para voltar a ver com nitidez. E este Natal, mas do que nunca na nossa história recente, tem que ir para além da fogosidade e superficialidade que a todos já cansa. Precisamos escavar mais fundo nas nossas vontades, picar-nos nas nossas dormências, e olhar para nós com um olhar límpido. Mas temos, cada vez mais, que olhar bem para o lado, atentamente, combinar as metas e fazer um caminho juntos.
JD – O Natal, como acontecimento da presença especial de Deus connosco, fazendo-se humano como nós, para nos libertar de tudo o que nos faz sofrer profundamente e que perverte as nossas relações, é a realização de uma esperança milenar, que aparece configurada ao longo da história de Israel e nos é acessível pelos seus textos. A situação de sofrimento que originou essa esperança – e que rememoramos no advento – não terminou, contudo. Por isso, podemos dizer que o Natal seja a celebração de uma antecipação, que está ainda por realizar em plenitude: a antecipação de um reino em que, de facto, se supere o que nos oprime, pessoal e comunitariamente. O Reino de Deus que celebramos no Natal, veio, está a vir e está para vir. Assim o esperamos.