«Já não temos tempo para esperar», alerta Francisco
Foto: Lusa/EPACidade do Vaticano, 14 jan 2025 (Ecclesia) – O Papa apela na sua autobiografia, publicada hoje, que as lições da pandemia ajudem no combate às alterações climáticas, a nível global.
“As catástrofes globais da Covid e das mudanças climáticas gritam-nos com toda a força que já não temos tempo para esperar: o momento é agora. No drama, a pandemia deveria ter-nos ensinado que temos os meios para enfrentar o desafio e que seremos mais resilientes se o fizermos todos juntos”, escreve Francisco na obra intitulada ‘Spera’ (Esperança),.
Francisco recorda que as vítimas estimadas da pandemia de Covid-19 são mais de 20 milhões de pessoas, “uma guerra mundial”.
“Todos tivemos os nossos lutos. Também eu perdi pessoas queridas, na Argentina e em Itália, parentes, amigos. Tais como o professor Fabrizio Soccorsi, que era o meu médico pessoal”, assinala.
Para o Papa, “seguir em frente não significa esquecer” o que aconteceu durante os anos de confinamentos, mas “significa mudar”.
“Quem ousará esquecer as colunas de carros militares que transportavam os caixões para fora das cidades, nas quais já nem havia lugar para os mortos, o sofrimento dos médicos derrotados diante de doentes sem respiração, os rostos deformados pelas máscaras e pelo cansaço, a solidão dolorosa de pais, mães, avós nas casas de repouso e nas estruturas sanitárias?”, questiona.
Francisco pede que a humanidade evite “o caminho que conduz à autodestruição”, ligando a experiência pandémica à destruição da natureza.
“Tudo está em relação, tudo está em conexão. Hoje, mais do que nunca. Este dado, de facto incontestável, está no centro das duas encíclicas sociais do meu pontificado, ‘Laudato si’ e ‘Fratelli tutti’. E a pandemia do coronavírus em que, no início de 2020, todos nós caímos deveria ter-nos ensinado isso uma vez mais”, insiste.
‘Spera’, editado pela Mondadori, é publicado em mais de cem países, incluindo Portugal (Nascente), e foi escrito com Carlo Musso, ex-diretor editorial de não-ficção da Piemme e da Sperling & Kupfer.
Ao longo de mais de 25 capítulos e 300 páginas, Francisco reflete sobre temas como os conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente, as migrações, a crise ambiental, a política social, a condição da mulher, a sexualidade, o desenvolvimento tecnológico, o futuro da Igreja e o diálogo entre religiões.
A obra conta com algumas fotos privadas e inéditas, provenientes do arquivo pessoal do pontífice. Entre as várias curiosidades que o Papa dá a conhecer diz que apendeu a cozinhar aos 12 anos, como irmão mais velho, quando a mãe ficou a recuperar de um parto difícil. O primeiro emprego foi numa fábrica de meias, aos 13 anos, fazendo limpezas, e acabada a escola básica, Jorge Mario Bergoglio pensava ser médico; esteve às portas da morte, em 1957, devido a problemas respiratórios, tendo depois entrado no noviciado dos Jesuítas. O Papa não vê televisão desde 1990, para respeitar um voto que fez à Virgem do Carmo na noite de 15 de julho daquele ano, e a última vez que fez férias “fora de casa” foi há 50 anos, com a comunidade jesuíta, em 1975, na Argentina. Em “Esperança”, Francisco recorda o gosto pelo futebol, apesar dos “dois pés esquerdos” que o levaram, muitas vezes, a ser guarda-redes, e diz que sente falta de “sair para comer pizza”. “A rua diz-me muito, aprendo muito na rua. E gosto da cidade, em cima e em baixo, das ruas, das praças, das tabernas, da pizza comida numa mesinha ao ar livre, que tem um gosto muito diferente em relação àquela que podes levar para casa: sou um citadino na alma”, assume. O Papa diz que se confessa “a cada 15 ou 20 dias”, pela necessidade de sentir “a misericórdia de Deus”. “Tenho uma certeza dogmática: Deus está na vida de todas as pessoas, Deus está na vida de cada um. Mesmo que a vida de uma pessoa tenha sido um desastre, tenha sido destruída pelos vícios, pela droga ou por qualquer outra coisa, Deus está naquela vida”. refere. |
O livro evoca a fundadora das ‘Mães da Praça de Maio’, contra os desaparecimentos durante a ditadura militar argentina (1976-1983), Esther Ballestrino de Careaga.
“Foram anos terríveis, e para mim também de enorme tensão: transportar pessoas às escondidas através dos postos de controlo na zona de Campo de Mayo, ter confiadas as suas vidas, a salvação comum. Ou, do mesmo modo, preparar a fuga de um jovem que me foi confiado por um sacerdote uruguaio, porque no seu país arriscava a vida”, recorda o Papa.
Esther Ballestrino de Careaga era encarregada do laboratório onde Jorge Mario Bergoglio trabalhou na sua juventude; despareceu a 8 de dezembro de 1977 e nunca mais foi vista, mas os seus restos mortais foram encontrados em 2005.
O cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, então com 76 anos, entrou para o conclave de 2013, a 12 de março, e foi eleito no dia seguinte como sucessor de Bento XVI, assumindo o inédito nome de Francisco.
OC
«Esperança»: Papa apresenta memórias inéditas do conclave de 2013