Autobiografia foi lançada numa centena de países, incluindo Portugal
Cidade do Vaticano, 14 jan 2025 (Ecclesia) – O Papa apresenta memórias inéditas do conclave em que foi eleito, em março de 2013, numa biografia inédita, recordando a curiosidade dos cardeais e a surpresa perante a sua decisão.
“Dizer que não esperava nada do género, nunca na vida e muito menos no início daquele conclave, é certamente dizer pouco”, escreve Francisco na obra intitulada ‘Spera’ (Esperança), a autobiografia que chegou hoje às bancas.
O cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, então com 76 anos, entrou para o conclave de 2013, a 12 de março, e foi eleito no dia seguinte como sucessor de Bento XVI, assumindo o inédito nome de Francisco.
O Papa assinala que, como dizem os vaticanistas, poderia ser um “kingmaker”, entre os eleitores do sucessor de Bento XVI, na sua condição de cardeal latino-americano, capaz de “endereçar um número de votos sobre este ou aquele candidato”.
“Eu não contava, os candidatos fortes que os jornalistas indicavam e procuravam naqueles dias de março de 2013, eram outros: o arcebispo de Milão, Angelo Scola; o cardeal de Boston, Sean O’Malley; o arcebispo de São Paulo, Odilo Scherer; e Marc Ouellet, o cardeal canadiano que é hoje presidente emérito da Comissão Pontifícia para a América Latina”, recorda.
Nas congregações gerais, as reuniões preparatórias do Colégio dos Cardeais, Jorge Mario Bergoglio apresentou um discurso que tinha “despertado interesse, atenção”.
“Um cardeal aproximou-se de mim e disse-me: «Pois, gostaríamos mesmo de uma pessoa que fizesse essas coisas…». «Sim, mas onde a encontras?», respondi-lhe. E ele: «Tu.» Comecei a rir: «Ah, ah, ah, sim, está bem, cumprimentos lá em casa»”, escreve.
A 12 de março, início do conclave, o futuro Papa apresentou-se na Casa de Santa Marta com a mala em que carregava “poucas coisas”.
“Tinha deixado tudo em Buenos Aires, os livros que começara a ler, as homilias que tinha preparado para o Domingo de Ramos e para a Quinta-feira Santa, e também um pouco de desordem. E já comprara o bilhete de regresso para o sábado, 23”, revela.
Francisco recorda ter dito, dias antes, a outro arcebispo, que “neste momento da Igreja, nenhum cardeal pode dizer que não”.
A primeira votação encontrou o arcebispo de Buenos Aires “absolutamente tranquilo”, embora os votos se fossem repetindo no segundo e terceiro escrutínios.
Francisco diz que foi sendo questionado por vários cardeais e que apenas quando lhe perguntaram sobre a suposta falta de um pulmão – foi operado em 1957 para a retirada de um lobo superior, onde estavam três quistos – percebeu a possibilidade de ser eleito.
“Compreendi pelo menos que havia o risco”, assinala.
O Papa diz que nunca preencheu o boletim que é oferecido para contar os votos em cada cardeal, afirmando que “o escrutínio é uma coisa mesmo aborrecida de seguir, parece um canto gregoriano, mas com muito menos harmonia”.
A maioria de dois terços dos votantes chegaria no quinto escrutínio, em que se repetiu a votação devido a um cartão em branco a mais.
“Enquanto os cardeais ainda aplaudiam e o escrutínio continuava, o cardeal Hummes, que tinha estudado no seminário franciscano de Taquari, no Rio Grande do Sul, levantou-se e veio abraçar-me: «Não te esqueças dos pobres», disse-me ele. A sua frase marcou-me, senti-a na carne. Foi então que surgiu o nome Francisco”, recorda.
O Papa relata que, na sacristia, colocou o anel da ordenação episcopal e rejeitou a cruz em ouro e os sapatos vermelhos.
“Não foi nada de preparado. Era simplesmente o que sentia, com espontaneidade. Tal como não quis a capa de veludo nem o carretel de linho”, explica.
Saí e fui de imediato ter com o cardeal Ivan Dias, que estava numa cadeira de rodas e, talvez por ainda não ter confiança com as novas vestes, tropecei num degrau. O meu primeiro ato de Papa… foi um tropeção. Mas não caí”.
Francisco admite que encontrou paz, após a eleição, e que gosta de estar com as pessoas, recordando a opção por residir em Santa Marta, resposta à necessidade de viver “junto dos outros”, numa opção que provocou surpresa e algum desconforto, junto de responsáveis do Vaticano.
Quanto à morte, o Papa diz ter uma “atitude muito pragmática”.
“Quando acontecer, não serei sepultado em São Pedro, mas em Santa Maria Maior: o Vaticano é a casa do meu último serviço, não a da eternidade. Irei para o espaço onde agora guardam os candelabros, próximo da Rainha da Paz a quem sempre pedi ajuda e pela qual, no decurso do pontificado, fui abraçado mais de cem vezes. Confirmaram-me que está tudo pronto”, escreve.
Nós, cristãos, devemos saber que a esperança não ilude nem desilude: tudo nasce para florir numa eterna primavera. No final, diremos apenas: não recordo nada em que Tu não estejas”.
‘Spera’, editado pela Mondadori, é publicado em mais de cem países, incluindo Portugal (Nascente), e foi escrito com Carlo Musso, ex-diretor editorial de não-ficção da Piemme e da Sperling & Kupfer.
Ao longo de mais de 25 capítulos e 300 páginas, Francisco reflete sobre temas como os conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente, as migrações, a crise ambiental, a política social, a condição da mulher, a sexualidade, o desenvolvimento tecnológico, o futuro da Igreja e o diálogo entre religiões.
A obra conta com algumas fotos privadas e inéditas, provenientes do arquivo pessoal do pontífice.
OC