Especial/Refugiados: «Permitir que o outro seja, que tenha rosto, que tenha identidade»

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Dia Mundial do Migrante e Refugiado 2018 visto na perspetiva de quem apoia e de quem chegou a Portugal em busca de ajuda

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Lisboa, 11 jan 2018 (Ecclesia) – Este domingo assinala-se o Dia Mundial do Migrante e Refugiado, e a Agência ECCLESIA antecipa a iniciativa com a opinião do diretor do Serviço Jesuíta aos Refugiados – Portugal, André Costa Jorge, e do refugiado iraquiano Ali Bilal.

O diálogo, em destaque na edição desta semana do Programa ECCLESIA, na Antena 1, tem como pano de fundo a mensagem do Papa para o próximo dia 14 de janeiro.

Um texto que sublinha os verbos “acolher, proteger, promover e integrar”, palavras que para Francisco têm de estar claramente no coração de todos os programas de apoio a migrantes e refugiados.

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“O que o Papa nos está a dizer é que é obrigação internacional, dos Estados que têm critérios de proteção de vida humana, é nossa obrigação proteger aqueles que estão em situação vulnerável. E que devemos usar as ferramentas que temos para que estas pessoas encontrem uma oportunidade válida”, realça André Costa Jorge.

O Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS – Jesuit Refugee Service, designação em inglês), é um projeto da Companhia de Jesus, e tem como missão “acompanhar, eervir e defender” pessoas e famílias refugiadas, deslocadas ou emigradas da sua terra natal.

Aquele organismo está presente em cerca de 50 países em todo o mundo, 14 dos quais na Europa, com particular destaque para zonas fortemente atingidas pelo fenómeno das migrações em massa, como Malta, Grécia e Itália, ou países com grande tradição de acolhimento, como Portugal.

No contexto do nosso país, o JRS está também inserido na Plataforma de Apoio aos Refugiados, que reúne dezenas de instituições da sociedade civil, entre as quais da Igreja Católica, na ajuda a quem teve de abandonar o seu país em busca de maior segurança e de uma vida melhor.

Até agora, no âmbito da PAR, Portugal já acolheu cerca de 1500 refugiados, na sua maioria provenientes de países do Médio Oriente, como o Iraque e a Síria.

André Costa Jorge recorda que a esmagadora maioria destas pessoas esteve perante situações de “risco de vida”, devido a contextos de guerra, de perseguição étnica ou religiosa nos seus países, colocados muitas vezes em marcha pelos “próprios Estados” que as deveriam defender.

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Homens, mulheres e crianças, famílias que de um momento para o outro se viram sem “os mínimos” para sobreviver e que chegam “cheias de expetativa” de encontrar uma outra realidade, para melhor.

 

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“Acolher é colocar a bandeira da hospitalidade, que é um valor que nós todos procuramos, a bandeira onde a JRS também se enquadra”, diz André Costa Jorge, que tem a certeza de que quanto mais empenho existir nesta matéria mais o resultado será “compensador no futuro”.

Sinal disso mesmo é o caso do refugiado Ali Bilal, um iraquiano de 46 anos, há 6 em Portugal.

Licenciado em Economia, contabilista de profissão, ele teve de abandonar a sua casa e tudo o que conhecia devido ao conflito no Iraque, e rumar primeiro à Turquia, onde ficou “três meses”, e depois mais para Leste, para a Rússia e finalmente a Ucrânia, onde ficou sete anos, entre 2004 e 2011.

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Na Turquia, Ali não se sentiu acolhido, e por isso decidiu deixar o país, em busca de um espaço onde os “direitos humanos” não fossem só um slogan bonito que se ouve, mas uma realidade concreta.

Haveria de chegar a Portugal em 2011, através da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

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“Os primeiros meses foram um pouco complicados por causa da comunicação e da barreira da língua”, admite Ali Bilal, que no entanto destaca um país “acolhedor, bonito e simpático”, que sente estar “no caminho certo para ajudar e apoiar os refugiados”.

“Portugal é um país seguro, e de direitos. Os refugiados procuram por uma vida melhor, melhorar a sua vida. E eu sinto que aqui vivo no meu país, é isso mesmo”, realça o refugiado iraquiano.

“O ideal da proteção é não sentir a necessidade de ser protegido. Em Portugal isso vive-se com naturalidade, e isso é um sinal muito positivo”, admite André Costa Jorge.

Mas, acrescenta, “é importante que se perceba que a seguir a garantir a proteção, a dimensão do acolhimento e da hospitalidade, o cuidado com a promoção da vida e dos direitos, a integração é um processo contínuo”, que implica esforços de parte a parte.

“Ao acolhermos o outro, somos também nós que nos transformamos. Não é só o outro que tem de se adaptar a nós, somos nós que nos temos de adaptar ao outro, a integração, a interculturalidade, é para todos”, reforça aquele responsável, que destaca “o desafio que o Papa deixa aos decisores políticos”.

Para que nos seus programas “apostem no diálogo intercultural, no encontro entre as pessoas, e na criação de oportunidades para todos”.

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Depois de receber o estatuto de refugiado em Portugal, com o com título de residência por cinco anos, Ali Bilal aprendeu a língua portuguesa, fez vários cursos, de atendimento e formação profissional, entre os quais de tradução.

 

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A sua experiência pessoal, bem como o facto de falar sete línguas – inglês, português, russo, arábico, curdo, farsi e dari – deram-lhe a possibilidade de trabalhar no Serviço Jesuíta aos Refugiados em Portugal.

O diretor do JRS, André Costa Jorge, retoma um outro ideal reforçado pelo Papa Francisco, na sua mensagem para o Dia Mundial do Migrante e Refugiado, de que “não basta olhar para o outro como alguém necessitado dos mínimos”, ou olhar para as pessoas “pela metade”.

Importa trabalhar numa verdadeira promoção humana, “permitir que as pessoas sejam o que são, conhecer aquilo que elas são na sua integralidade, na sua totalidade”.

“Fazer com que a pessoa seja capaz de se manifestar com aquilo que é e com a sua própria história, para dar aquilo que tem e o que é, para dar de si, expressar as suas competências”, salienta aquele responsável, recordando que muitos dos refugiados que chegam têm os seus estudos, as suas formações, e não podem ter apenas no horizonte “trabalhos muitas vezes não qualificados”.

No caso do Ali, “ele trazia a sua história, as suas caraterísticas, capacidades e competências, e aquilo que fizemos foi dar-lhe uma oportunidade, um enquadramento sobre o que é a instituição e o que fazemos. Permitir que ele se possa expressar, encontrar o seu espaço”, apontou.

Para André Costa Jorge, é também este reconhecimento, “mais técnico”, que deve marcar o esforço feito em prol dos refugiados, para que o trabalho não fique confinado apenas a uma dimensão “assistencialista”.

Para isso é preciso envolver cada vez mais “as entidades oficiais, ordens profissionais, universidades”.

“Não bloqueemos a integração destas pessoas por causa de constrangimentos burocráticos, temos de encontrar formas inteligentes e criativas para que estas pessoas possam rapidamente integrar-se na sociedade”, frisou André Costa Jorge.

Ali Bilal tem colaborado por exemplo no acolhimento aos cidadãos curdos que chegam a Portugal, também na tradução e no contacto com instituições dos países de origem e de passagem dos refugiados.

“É um trabalho de que muito gosto, ajudar outros colegas refugiados. Também estes vieram cá para Portugal em busca de uma vida melhor, e este género de instituições dão mais segurança e conforto para eles”, acrescenta o refugiado iraquiano, que frisa a importância do respeito que é preciso ter também pela “tradição, pela cultura” de quem chega.

“É muito importante dar oportunidade para eles mostrarem aquilo que podem fazer”, observou.

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Sobre esta questão, André Costa Jorge conta um episódio que viveu e que serve como exemplo para o muito que os refugiados poderão dar, se a sociedade de acolhimento assim o permitir.
“Recentemente fizemos um encontro numa escola, em que uma das nossas refugiadas que tem os seus filhos na escola fez comida da sua terra.
A diretora da escola abriu a cozinha para que a mãe pudesse fazer a comida, e foi uma festa muito grande, os professores puderam provar a comida, que no caso era da Síria”, recordou.

“Isto só foi possível porque a professora promoveu esse momento, e promover é isto, é dar lugar ao outro, é dizer: avança, mostra o que sabes fazer. Eu estive lá e gostei imenso, foi uma festa, permitir que o outro seja, que o outro tenha rosto, que tenha identidade”, sustentou André Costa Jorge.

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Aproveitando a questão da comida, ficou a pergunta: como é que Ali se tem dado com a gastronomia portuguesa?

 

De acordo com o refugiado iraquiano, a experiência tem sido “um pouco diferente” do que estava habituado, até porque no Médio Oriente a alimentação é muito à base da “carne frita e grelhada”. No entanto, o balanço é positivo e com direito a bónus, pelos pratos que não conhecia e que aprendeu a apreciar. “Na comida portuguesa, o bacalhau é uma coisa nova, já experimentei e gostei”, atesta Ali.

 

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O tema ‘religião’, sobretudo através da ação violenta de vários grupos armados e terroristas, de raiz fundamentalista, como o Estado Islâmico (em países como o Iraque e a Síria), ou o Boko Haram (na Nigéria), tem estado na base de muitas das deslocações de refugiados para a Europa.

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“Há muitas zonas do mundo onde a liberdade religiosa não está garantida, onde o clima social e político é muitas vezes sectário e a violência religiosa está presente todos os dias, e é difícil exercer a opção religiosa de forma livre e aberta”, frisa André Costa Jorge.

Uma realidade “preocupante” e que muitas vezes, aponta o diretor da JRS – Portugal, tem “causas mais profundas que nada têm a ver com questões religiosas, mas com outro tipo de interesses, mais ligados ao poder e ao acesso à riqueza”.

O diálogo com André Costa Jorge e Ali Bilal, um refugiado iraquiano há 6 anos em Portugal, está em destaque na emissão desta semana do Programa ECCLESIA na Antena 1, dedicado ao Dia Mundial do Migrante e Refugiado.

Além da emissão diária na rádio pública, a partir das 22h45, o Programa ECCLESIA está também disponível em podcast na página online da Agência ECCLESIA.

SN/JCP/OC

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