Em 2020, as celebrações pascais foram reinventadas e permanecem na memória dos seus autores
Lisboa 19 abr 2025 (Ecclesia) – A Páscoa não foi celebrada em comunidade, há cinco anos, por causa da insegurança provocada por um vírus desconhecido que forçou a uma alteração de hábitos e a um confinamento prolongado, que não colocou em quarentena a celebração da ressurreição.
Teletrabalho, máscaras, álcool gel, distanciamento, reuniões no computador e, no final do dia, uma salva de palmas na varanda.
As igrejas ficaram vazias, mas as comunidades reinventaram-se, os párocos adquiriram, em poucos dias, competências nos meios digitais e muniram-se de uma criatividade que tornou possível o trabalho pastoral.


Na Ericeira, o padre Tiago Fonseca saiu de casa pelas ruas desertas, numa Via Sacra acompanhada apenas à janela.
“A sensação que tínhamos era de que estavam muitas pessoas à janela que acompanhavam e rezavam comigo” recorda o pároco da Ericeira.
O Padre Tiago reconhece que, para muitos, “aquela quarentena e aquela aflição tinham sido um chamamento de Deus para voltar a rezar”.

Mais a norte, o Padre José Augusto Oliveira sentiu-se engripado e os médicos enviaram-no para o hospital com a indicação de que era para ficar.
“Fui logo diagnosticado com uma pneumonia Covid e acabei em coma induzido ligado à ECMO (Oxigenação por Membrana Extracorpórea) durante uma semana” refere o pároco de Nogueira da Maia.
Na mesma altura, também o seu pai adoeceu com Covid, vindo a falecer por falha cardíaca. Só mais tarde é que o Padre José Augusto se apercebeu da perda do pai.
“Quando acordei, eu não sabia se estava numa situação real ou se estava a sonhar porque eu acordei cheio de tubos”, afirma o sacerdote que confessa só ter tido a noção da gravidade das coisas quando a enfermeira fez uma vídeo chamada para a família.
No contexto pandémico, o bispo do Porto, depois de celebrar a Missa de Páscoa na Igreja de S. Lourenço, desceu até meio da Ponte Luís I para aí abençoar a cidade, num gesto que encheu a atualidade informativa do dia e tocou quem o presenciou à janela.

“Foi um gesto de confiança de que a pandemia iria passar, era necessário criar sinais de esperança. Eles foram notados porque recordo que veio muita gente à janela bater palmas”, lembra D. Manuel Linda.
Na homilia daquele dia de Páscoa, o bispo do Porto falou dos cireneus da atualidade que, naquele enquadramento, eram as forças de segurança e os profissionais de saúde.
D. Manuel Linda reconhece que “o coração do mundo continuou quente” e aqueles profissionais “deram o melhor que há na humanidade”, mas o bispo do Porto recorda também os milhares de funcionários das instituições sociais que, para não contaminarem os idosos, permaneceram afastados das suas famílias sem vir a casa durante dias.
Em Lisboa, D. Manuel Clemente abençoou a cidade à porta da Sé, onde Emília Costa era das poucas pessoas presentes.
A zeladora da Catedral de Lisboa recorda o choque que foi entrar na catedral depois de vários dias fechada.
“Quando entrei e vi as flores todas secas, chorei compulsivamente. Senti uma grande tristeza por observar aquele abandono que nunca tinha presenciado”, recorda.
Mas a experiência de “sepulcro” que a pandemia representou, também possibilitou sinais evidentes de ressurreição.

Marta Jonet, médica, estava por aqueles dias afastada da família por razões de segurança e, apesar da situação limite que os médicos experimentavam, recorda gestos únicos de generosidade.
“Na crise da Covid houve uma união muito grande e trabalhámos todos de uma forma muito unida, foi muito bonito, todos se entreajudavam”, recorda esta médica de Medicina Interna.
Nas redes sociais, o padre Guilherme Peixoto foi sempre presença assídua, marcada pelo humor, mas também pela determinação de unir a comunidade.
Hoje, não tem dúvidas que, por esses dias, “a Igreja soube reinventar-se” e estar próxima, recordando como podia reunir, nas plataformas digitais, quinhentas pessoas numa missa partilhada.
“Naqueles dias a Igreja trouxe esperança e ressurreição, trouxe vida nova a quem estava fechado em casa”, refere o padre Guilherme, também conhecido como o padre DJ.
Apesar da sua experiência de dor, o padre José Augusto repara nas evidências de ressurreição.
“Eu fui internado quando as igrejas fecharam e tive alta quando elas abriram e a primeira missa que eu celebrei foi no dia de S. José e rezei pelo meu pai”, afirma, reconhecendo que lhe foi oferecida uma segunda vida.
“Estou a viver uma vida extra. Se eu já tinha motivos para dar graças pela minha vida, pela minha primeira vida, agora, ainda mais motivos tenho pela minha segunda vida”, refere o pároco de Nogueira da Maia, na Diocese do Porto.
Marta Jonet lembra a possibilidade de “tirar o melhor de situações menos boas” e, a esta distância, afirma que é necessário “recuperar gestos que naquela altura surgiram espontâneos”, como a generosidade e o cuidado com o outro.
Agora, perante uma Páscoa desconfinada e já a uma distância segura desses dias de incerteza, fica o desafio a ler a ressurreição nas atitudes e gestos.
Como diz o bispo do Porto “a euforia pode levar ao esquecimento”, mas a cinco anos de distância, D. Manuel Linda afirma que é importante voltar a pensar naquilo que queremos ser.
“Queremos a nossa autossuficiência e individualismo? Ou estamos dispostos a fazer renascer a bondade que existe dentro de nós?”, questiona.
“Havia alguém que dizia: o que levamos é o que vivemos. Por isso, eu acrescento, temos que viver o que queremos levar”, conclui o padre José Augusto.
Após cinco anos, do confinamento à ressurreição é denominador comum das histórias que são apresentadas no programa 70X7 que vai ser emitido este domingo de Páscoa, na RTP2, pelas 18h10.
HM/PR