Escutismo, uma história com futuro

João Armando Gonçalves é o primeiro dirigente português a integrar a liderança do Comité Mundial do Escutismo

João Armando Gonçalves foi eleito em janeiro de 2011 para o Comité Mundial da Organização Mundial do Movimento Escutista (OMME), tonando-se o primeiro dirigente português a integrar esta liderança. Em entrevista à Agência ECCLESIA, fala do presente e do futuro do Escutismo, com janelas abertas sobre a realidade nacional

 

Agência ECCLESIA – Após este ano e meio de contacto com outras realidades, como é que a proposta do Escutismo se continua a impor e a manter relevância no mundo de hoje?

João Armando Gonçalves – A principal causa para isso acontecer tem a ver com a flexibilidade, digamos assim: apesar de haver alguns elementos que são mais identificativos daquilo que é o Movimento, há sempre um espaço para que o Escutismo possa ser ajustado às necessidades que vão ocorrendo por este mundo fora, a nível nacional, às vezes mesmo a nível local. Esta adaptabilidade às condições locais tem permitido que o Movimento continue a ter o sucesso que tem, com mais de 30 milhões de membros em 161 países e territórios, à escala global.

O Escutismo continua a responder à sede que os jovens têm de aventura, de encontrar outras pessoas, de se sentirem úteis e importantes. É um bocadinho essa resposta que continua a ser dada, mesmo depois de 100 anos.

 

AE – Este é um Movimento essencialmente juvenil. Qual a mensagem de transformação da realidade que se procura transmitir às novas gerações?

JAG – A ideia de poder transformar o mundo através da educação, que pode parecer algo ambiciosa. Lia recentemente uma frase do Nelson Mandela, a dizer que a educação é uma das armas mais potentes do ponto de vista de transformação do mundo.

O Escutismo, afirmando-se como um movimento de educação não-formal, quer de alguma maneira contribuir para transformar o mundo, nas pequenas coisas. Não é mudar radicalmente, não é uma visão romântica, mas é a mudança que se faz em cada dia, nas atitudes de cada pessoa, nas ações que cada um pode ter nas próprias comunidades. É uma mudança quase incremental, porque cada pessoa tem um papel pequenino na sua escola, no seu trabalho, por aí fora.

No fundo, o Escutismo começou por ser fundado com esta perspetiva de melhorar a vida dos jovens e continua hoje a ter esse grande desígnio, numa visão de futuro, isto é, podermos contribuir de alguma maneira para que os cidadãos, quando adultos – porque os jovens também são cidadãos – tenham um perfil, uma atitude, uma postura deste ponto de vista construtivo, que possa fazer a diferença nas sociedades em que estão a viver.

 

AE – Pode dizer-se que a proposta formativa do Escutismo, com um esforço de construção ética do indivíduo, tem um conjunto de elementos que transmitem uma espiritualidade?

JAG – Sim. A espiritualidade é um aspeto intrínseco à própria formação do indivíduo. Na abordagem que se faz na educação não-formal de que falava antes, há uma série de dimensões que são tidas em conta, quer do ponto de vista físico – o contacto com a natureza, com uma componente de desafio permanente -, quer do ponto de vista intelectual. Uma delas é, naturalmente, a dimensão espiritual, absolutamente inerente à formação humana.

Há aqui essa vertente individual, que é importante, e depois os próprios elementos constitutivos do Escutismo, desde o seu início, cria aquilo a que nós chamamos a ‘mística da vivência’, um certo espírito entre as pessoas que são ou foram escuteiras. Tive essa experiência, há pouco tempo, com um grupo de antigos escuteiros do meu agrupamento, que se voltou a juntar passados 30-40 anos e que continua a ter um espírito muito especial, próprio, diferente. O ambiente onde as coisas são vividas também é especial e tudo isso contribui para uma vivência espiritual, do ponto de vista individual.

 

AE – A crescente urbanização traz desafios ao Escutismo, tão ligado ao contacto com a natureza?

JAG – Este é de facto um dos desafios mais importantes, porque cada vez mais pessoas vivem nas cidades e há todo um estilo de vida urbano ao qual o Movimento se tem de adaptar, não tenho dúvidas. Penso, aliás, que um dos desafios maiores que o Escutismo vai atravessando é encontrar o equilíbrio entre aquilo que é a sua matriz original e as rápidas mudanças que experimentamos hoje em dia, mormente ao nível da juventude.

É necessário manter alguns elementos que são distintivos do Movimento e adaptar-se às novas formas de as pessoas se relacionarem, comunicarem, às próprias relações de hierarquia, de poder, que mudaram. Há uma série de tendências a que temos de estar atentos, com equilíbrio entre a mudança e os elementos que nos acompanham há mais de 100 anos.

 

AE – Em Portugal, existe uma implantação já histórica do Escutismo. Existe o risco de as pessoas se acomodarem nesta situação?

JAG – Não há dúvida de que o Escutismo em Portugal tem uma importância muito grande e corresponde totalmente ao perfil educativo e de marcar a vida das pessoas. Costumo dizer que um dos sinais reveladores de quanto as pessoas valorizam a ação que fazemos é quando temos muitos pais a insistir para levar os seus filhos para os escuteiros. Desta forma, reconhecem que aquilo que fizeram antes foi importante para as suas próprias vidas.

Há uma ideia, que me parece correta, de que aquilo que se vai fazendo no país, em termos de Escutismo, tem impacto. São coisas que se vivem em momentos muito curtos, mas com grande intensidade, que marcam para a vida.

Não digo que não pudéssemos trabalhar em termos de imagem, porque ainda há algumas pessoas com uma visão distorcida do que fazemos. Comunicar é, hoje em dia, algo essencial, quase como respirar. Ainda assim, sobretudo a nível local, há um enraizamento grande nas comunidades, nas paróquias, e sabe-se bem o que os escuteiros fazem, há uma noção muito vivida, pessoal.

Penso que esta ação tem uma importância muitíssimo grande na formação das pessoas.

Em termos de adaptação aos dias de hoje, não podemos esquecer as tendências das pessoas, o facto de sabermos que o Interior do país tem cada vez menos gente. Naturalmente, isso tem impacto nos agrupamentos, há tendências nacionais que temos de ter em conta e encontrar soluções para que o Escutismo possa continuar a existir.

OC

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