Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
“A Element Software tem orgulho de apresentar o primeiro “programa” com inteligência artificial. Uma entidade intuitiva que te escuta, que te entende e te conhece. Não é só um “programa”. … uma consciência. Apresentando: OS1.”
Este é um excerto do filme visionário “Her”, sobre um homem solitário que tem como profissão escrever cartas emotivas para outras pessoas como um serviço existente no futuro. A um dado momento este decide adquirir o último sistema operativo que tem na sua base uma inteligência artificial. Escolhendo a voz de uma mulher, como fazemos actualmente para sistemas como o Siri no iPhone, este homem começa um relacionamento com… Samantha, uma inteligência artificial que comunica com ele – como se fosse uma voz autenticamente humana – através de um auricular.
A tecnologia de audição tem evoluído muito nos últimos tempos e pouco sabemos sobre isso. A empresa americana Starkey está a desenvolver aparelhos auditivos que terão a capacidade de medir a pressão sanguínea, temperatura do corpo, batimento cardíaco e até sinais típicos de um electro-encefalograma. Se uma pessoa cair e não se conseguir levantar, estes aparelhos poderão enviar um alerta para um familiar próximo. Há quem tenha estudado que, se a sua cor se assemelhar à do cabelo, nem se nota que usamos estes aparelhos. A maior parte do aparelhos existentes já possui circuitos que cancelam sons de feedback que perturbam o nosso equilíbrio. Tudo isto através do ouvido que passa a ser mais do que uma parte do nosso corpo que escuta apenas som, mas abre a porta ao conhecimento de outras partes essenciais à nossa saúde.
Com os diversos estudos feitos sobre como os nossos smartphones podem ser fontes de distracção (na estrada, no trabalho, em família, etc.), há quem coloque em aparelhos auditivos a esperança de um dia – como no filme “Her” – termos, literalmente, um computador no nosso ouvido. Algo que nos ajudaria com orientações para chegar ao nosso destino, ler-nos as mensagens que recebemos, tocar música e, talvez o mais importante, manter-nos a par do nosso estado de saúde. Num artigo que li na Scientific American sobre o assunto chega-se mesmo a afirmar que podemos estar no alvor de uma nova era. Só me questiono a que “era” nos referimos e se essa é, ou não, boa para nós.
Nos últimos tempos tenho estado atento ao que se passa à minha volta em locais de culto e oração e testemunhado como é frequente ver as pessoas distraídas com os seus dispositivos electrónicos, em vez que aproveitaram esses momentos para fazer uma pausa, silêncio, fechar os olhos, e criar o ambiente necessário à abertura do coração para deixar Deus falar. Deus fala-nos sempre, mas se estamos distraídos, será cada vez mais difícil escutá-Lo.
Como se não chegasse o efeito que a tecnologia tem em absorver a nossa atenção, a solução parece que passa por não entrar apenas pelos olhos, mas também pelos ouvidos. E se os nossos ouvidos passam a ser também um alvo da tecnologia, haverá ainda espaço para escutar Aquela Voz… Deus?
Escutar Deus, hoje, é o quê? A experiência de quem escuta é mais do que simplesmente ouvir. É deixar-se transformar pela palavras, pensamentos e gestos que nos levam a experimentar uma paz inesperada que associamos à presença de Deus. As palavras podem ser pronunciada por outros, os pensamentos formulam-se na mente, e damo-nos conta dos gestos se estivermos atentos. Tudo isso (e talvez mais) faz parte do acto de escuta daquilo que Deus nos quer dizer em cada momento presente.
Mas será que existe ainda em nós a vontade de ser transformados por Ele? Escutar Aquela Voz faz ainda parte do nosso quotidiano? Cabe a cada um esse exame de consciência e vale a pena estar atento ao que parecem ser inovações tecnológicas, mas se essas se tornam armas de distração massiva do nosso relacionamento com Deus, cabe também a cada um estabelecer esse limite e testemunhar uma alternativa. Fica o desafio.