Escolas: iguais, mas diferentes!

Ainda faz sentido uma “educação cristã” na sociedade? São 8h30. Momentos antes, foi a normal azáfama da entrada nas salas, das arrumações do material, dos primeiros cumprimentos matinais de professores, pais, alunos e funcionários. Agora, reina o silêncio nos corredores. Pelos altifalantes, uma voz serena convida a escutar uma mensagem para o dia e a rezar num breve silêncio. Se alguém faz anos, é referido o seu nome e pede-se uma oração em comunhão com aquele que está de parabéns naquele dia. A oração é acompanhada por todos, em cada canto do edifício (até no parque de estacionamento, onde alguns pais aguardam dentro dos carros aquela palavra matinal). Começa assim o dia de aulas no Colégio Conciliar de Maria Imaculada (CCMI), mais conhecido, simplesmente, por Colégio da Cruz da Areia, situado às portas de Leiria. À hora do intervalo, ouve-se uma música breve, pois foram abolidas as campainhas estridentes. Soltam-se então as vozes das crianças e jovens que enchem os amplos espaços de recreio com as suas brincadeiras e conversas. Hoje ficaram um pouco mais de tempo, pois os professores quiseram mostrar aos meninos o eclipse anelar do sol, um momento raro da astronomia, só observável novamente em 2028. Sente-se então o ambiente tão característico que nos recorda estarmos numa escola. Uma escola igual a tantas outras, mas diferente… Não muito diferente é o ambiente e o começo de dia de aulas no Colégio de São Miguel (CSM), em Fátima. Alunos e professores rezam em conjunto o início do dia e encaram o seu trabalho com um espírito de dedicação e de comunidade. Não o fazem pelos altifalantes, mas em cada sala de aulas, o ritual repete-se diariamente e sabe-se que é comum em todas as turmas. Também aqui, é possível observar um ambiente de descontracção e alegria, próprio da juventude, mas, ao mesmo tempo, de ordem, disciplina e aprumo, próprio da uma casa que tem os seus princípios e onde todos os assumem como normais. No fundo, uma escola como tantas outras boas escolas, mas também diferente… Semelhanças e diferenças Foi, precisamente, para falar dessas “semelhanças e diferenças” que «O Mensageiro» se deslocou a estes dois estabelecimentos de ensino. Para a Irmã Maria Aurora, directora pedagógica do CCMI, a principal diferença reside no próprio estatuto da escola, que se assume como “escola católica” e onde “o projecto educativo se centra na pessoa a mensagem de Cristo e a principal pedagogia é o amor”. A partir daí, tudo decorre na concretização do objectivo que deveria ser o de qualquer escola: “a educação integral da pessoa”. Também Virgílio Mota, director pedagógico do CSM, considera que o carácter confessional da escola é a principal característica da sua especificidade. Há um projecto pedagógico muito próprio, que é assumido pelos pais e alunos no momento da matrícula e pelos professores no dia da sua admissão ao serviço. Mas não deixa de ser, antes de mais, uma instituição de ensino, “com todas as responsabilidades inerentes a essa nobre missão de educar”. O currículo é o mesmo do ensino oficial, cumprido à risca e com bons resultados. Basta referir que, dos 80 alunos que fizeram exame do 9º ano no CCMI, apenas três tiveram negativa a português e só 30 “chumbaram” na matemática, bem longe das negras médias nacionais. E dos 460 alunos dos 2º e 3º ciclos apenas sete reprovaram. No CSM, nos exames do 9º ano, houve 90% de positivas a português e 50% a matemática. A taxa de aproveitamento escolar no colégio cifra-se nos 90%. Mas estas escolas não se ficam por aqui. Para além das aulas, os alunos ocupam os tempos livres nas salas de estudo e na biblioteca, onde, segundo a directora pedagógica do CCMI, “se procura incutir hábitos de trabalho nos alunos”, criando espaços onde seja possível desenvolverem essa metodologia. O mesmo pode ser feito optando pelas diversas actividades complementares que os colégios desenvolvem, em “clubes” temáticos de ambiente, ciência, astronomia, jornalismo, saúde, teatro, dança, música, informática, etc., e nas diversas modalidades desportivas promovidas além da aula de educação física. Modalidades onde, aliás, alguns se destacam a nível nacional, como é o caso do CSM, campeão nacional de Corta-Mato Escolar, na última época. E há complementos que chegam muito antes do ensino oficial, como é o caso do Inglês que se ministra desde o pré-escolar e em todos os anos do 1º ciclo no CCMI. Também as novas tecnologias estão bem presentes. Sempre houve por parte de ambas as escolas uma procura de actualização e de utilização das tecnologias que contribuem para a aprendizagem mais fácil e motivação dos alunos. No CCMI, um bom empurrão foi dado com a atribuição do primeiro prémio de um concurso da PT, em que participaram 1200 escolas e mais de 30 mil alunos e que foi amplamente noticiado a nível nacional e também neste jornal. O prémio é o total equipamento da escola com as mais modernas tecnologias informáticas, como quadros digitais inteligentes, projectores multimédia, um servidor em cada sala, um computador portátil por cada aluno, etc. Resumindo, no fim de completamente instalado, este sistema fará desta escola a mais bem apetrechada da Europa, incluindo as ligações a casa dos professores e alunos e um portal de utilização comum entre toda a comunidade educativa. Mas também o CSM adquiriu a expensas próprias muitos destes modernos equipamentos, como sejam os quadros inteligentes, as ligações de banda larga à Internet e até uma parceria de formação em redes CISCO, uma área de alta especialização informática. A grande diferença Até aqui, poderemos ainda dizer que há boas escolas da rede pública que oferecem estas possibilidades e outras mais. Daí a questão: haverá alguma coisa que seja apenas possível encontrar nestas escolas e que justifique a sua escolha em especial? Há. Só aqui, e noutras escolas católicas do género, se encara a educação como processo de formação para os valores e se diz claramente que o Evangelho é a fonte de todos esses valores, não só cristãos, mas sobretudo humanos. “É um direito dos pais católicos pedir essa formação para os seus filhos, como é um direito outras religiões e ideologias pedirem uma educação de acordo com a sua orientação religiosa”, afirma Virgílio Mota. O papel das instituições, neste caso da Igreja católica, é oferecer os meios que a tornem possível. “Esta é uma importante presença da Igreja na sociedade, desempenhando o seu papel de formadora”, reforça a Irmã Maria Aurora. “Eu sinto que a minha vocação e missão é ser educadora, sinto que é nesta àrea que a Igreja pode fazer melhor o seu papel de construtora de uma sociedade mais justa e mais humana, porque é na escola que encontramos a matéria-prima da humanidade de amanhã”. A Irmã Maria Aurora adianta: “Aqui, para além do projecto pedagógico, há um projecto pastoral”. E é também por isso que os pais a desejam para os seus filhos. Porque a dimensão religiosa também faz parte da pessoa humana e deve ser formada e amadurecida. A missão que assume é a de “formar cidadãos na verdade, exigência, liberdade, amizade e solidariedade”, um lema que em cada ano se concretiza num tema específico. Para o corrente ano lectivo, a meta é fazer do colégio “uma escola para o desenvolvimento do Bem, da Verdade e do Belo”, tendo sempre Jesus Cristo como centro. No CSM, o lema deste ano é: “De mãos dadas, conduzidos pelo Espírito, chegamos mais além”. Não podia ser mais explícita a dimensão cristã desta proposta, que os alunos, professores, pais e toda a comunidade educativa são convidados assumir. A esta, junta-se a proposta do Projecto Pastoral Diocesano, que este ano consagra o “Acolhimento” como grande preocupação das comunidades e serviços. Também no CCMI esse tema estará presente. Por aqui se unem à pastoral comum da Diocese e se mantêm em comum com toda a comunidade eclesial de Leiria-Fátima. Esta confissão religiosa católica assume-se, não só no papel, mas na prática. A começar pelo ambiente que se respira na relação entre todos, pelas mensagens que se espalham pelos vários expositores, pela dedicação extraordinária dos professores à sua missão. “Aqui não é preciso o Estado exigir mais horas de trabalho aos professores, eles já o fazem voluntariamente, há muito tempo”, referem ambos os directores pedagógicos. Só assim é possível o sucesso da educação, “com professores dedicados, competentes e dinâmicos, que assumem o desafio que lhes é feito e põem a sua criatividade e capacidades ao serviço dos alunos”. Os projectos pastorais das escolas passam, depois, pela vivência especial dos principais tempos litúrgicos, como o Advento, o Natal, a Quaresma, a Páscoa e alguns dias especiais. A formação integral dos alunos agrupa, assim, as dimensões pessoal, social e religiosa. E nela são envolvidos, não apenas os alunos, mas também os pais, os professores e outros funcionários, que têm acções de formação próprias, e são convidados a colaborar em iniciativas comuns, dentro do programa lectivo. Privado/Público A relação das escolas católicas e demais instituições do ensino particular com o ensino oficial do Estado não tem sido pacífica. Em causa, afirmam os responsáveis dos colégios, está a livre escolha do tipo de ensino e formação que os pais querem para os seus filhos, um direito que está consagrado na Constituição da República Portuguesa, mas que não é respeitado. O director pedagógico do CSM aponta o dedo à “máquina pesada” que o Estado criou, neste como noutros sectores, e que agora “é preciso alimentar”. Com o decréscimo da população jovem e o excesso de pessoal e de instalações, “a via mais fácil é retirar alunos às escolas privadas, obrigando-os a ir para onde não querem”. De facto, embora não se proíba a acção das escolas particulares, o facto é que se vai aos poucos esvaziando a sua actividade. A Irmã Maria Aurora dá como exemplo as duas turmas que o Ministério da Educação “vetou” este ano ao CCMI. “Como é Ministério que controla o número de turmas e a sua constituição, ficamos condicionados ao que nos permitem fazer. Isso levou a que este ano, por exemplo, tivéssemos de recusar alunos que davam para constituir mais duas turmas, porque não nos deixaram recebê-los”, lamenta. Esta directora pedagógica aponta este facto como sinal claro de que o direito de escolha não é permitido aos pais: “Houve muitos pais que queriam uma formação católica para os seus filhos, nós tínhamos condições para lha proporcionar, mas o Estado cortou-lhes essa possibilidade e obrigou-os a frequentar o ensino público”. Virgílio Mota refere, ainda, que “há uma tendência dos Governos para a padronização do ensino, com fortes influências ideológicas que procuram afirmar-se dissimuladamente; se isso se vier a verificar, será muito grave para a sociedade de amanhã. A educação neutra é uma coisa que não existe, pois o ensino é sempre feito segundo uma determinada ideologia; se apenas uma for aceite, então caminharemos para uma sociedade de pensamento único, como o foram alguns projectos sociais europeus recentemente falidos ou em fase de colapso, que tantos males causaram a tantos milhares de pessoas”. E nem sequer se põe a questão da economia de recursos, já que existem alguns estudos que apontam para uma poupança de 50 a 112 por cento em cada aluno, quando a educação é paga às escolas privadas, em relação ao que gasta uma escola pública. Que futuro? “A única coisa a temer no futuro é que o Estado nos tire os alunos, chamando a si o monopólio da formação das crianças e adolescentes do nosso País e não deixando aos pais qualquer hipótese de escolha”. A afirmação foi ouvida quase nas mesmas palavras pelos directores pedagógicos de ambos os colégios. Em comum, também, a constatação de que a procura dos pais tem sido crescente de ano para ano, o interesse dos encarregados de educação em acompanhar os educandos é notório e a integração dos alunos nos projectos educativos que lhes são propostos é muito satisfatória. “Uma das maiores compensações para o nosso esforço é ver que todos os anos os alunos voltam com saudades, cheios de alegria por voltar à escola”, refere a Irmã do CCMI. O nível de exigência que se pratica não intimida nem afasta os alunos, antes pelo contrário, motiva-os a um uso consciente da sua liberdade: “A nossa pedagogia é o amor e a exigência é aplicada com carinho, com compreensão, com amizade; as crianças entendem isso e andam felizes”. “Nós não vamos cruzar os braços, temos um projecto sério, dinâmico e actual; só precisamos que nos deixem desenvolvê-lo junto dos que nos pedem essa missão social”, remata. Virgílio Mota confessa a sua esperança em que “prevaleça o bom-senso” e caminhemos para modelos de liberdade de escolha, como os que se praticam nos países mais desenvolvidos do Norte da Europa, onde o Estado interfere minimamente no processo educativo. Isso depende, segundo este responsável, do modelo de sociedade que se desejar construir: “Se quisermos uma sociedade pluralista, não só formalmente, mas na prática, então temos de permitir aos pais exercer uma cidadania plena, deixando-lhe a opção pela educação que querem para os filhos, inclusivamente na pluralidade religiosa”. Finalmente, colocámos a questão: poderemos chegar a um quadro em que os pais que quiserem uma educação católica para os seus filhos terão de pagar do seu bolso essa educação? Nenhum dos dois colégios pondera caminhar para aí, pois isso seria o desvirtuar da sua missão. Para a Irmã Maria Aurora, isso está fora de questão, pois significaria que só os ricos teriam acesso a essa educação. E não faz qualquer sentido a Igreja financiar uma missão que é do Estado – educar os seus cidadãos – pois “não estamos a falar de formação religiosa, mas sim da educação integral das crianças e jovens”. Virgílio Mota reitera a sua convicção na pluralidade de opções educativas e remata: “Será uma tragédia para o meu País quando os pais tiverem de comprar os seus direitos”. Colégio de S. Miguel O Colégio de S. Miguel foi fundado na década de 60, pelo bispo diocesano D. João Pereira Venâncio, no contexto do Concílio Vaticano II, assumindo-se como “espaço privilegiado de educação cristã”. Na sequência do “Externato Paroquial de Fátima”, fundado para garantir às família mais humildes o acesso ao ensino secundário, então só possível em Leiria, Tomar ou Santarém, este colégio assume-se, desde logo, como uma escola diferente. O seu director, padre Joaquim Ventura, traz do curso de pedagogia feito em França um projecto que rompe com os métodos escolares da época. O próprio edifício é desenhado tendo em conta essa nova dinâmica de ensino. Trata-se de uma pedagogia centrada no aluno e não no professor, como era usual. Na base de toda a educação, está uma visão antropológica bem definida, que encara a pessoa humana como um todo e, ao mesmo tempo, cada pessoa na sua individualidade diferenciada. Assim, é “um ensino dinâmico e baseado na relação aprofundada do saber com a acção”. Neste ano lectivo, o colégio tem 280 alunos no 2º ciclo, 430 no 3º ciclo e 560 no ensino secundário. Tem 95 professores, 30% dos quais são ex-alunos da própria escola. Colégio Conciliar de Maria Imaculada O Colégio Conciliar de Maria Imaculada nasceu em 1941 como resposta a uma necessidade de alargar a educação primária às classes sociais mais desfavorecidas, a chamada “educação social”. “Queria ser uma porta aberta às meninas pobres, abrindo-se depois às meninas ricas, para que estas pagassem os custos do ensino daquelas”, refere a Irmã Maria Aurora, da Congregação das Irmãs Hospitaleiras da Imaculada Conceição, entidade proprietária da instituição. Essa função social é assumida ainda hoje, no jardim-de-infância e no 1º ciclo, onde há quem pague mensalidade e quem receba, anonimamente, o apoio gratuito do colégio. Quanto ao 2º e ao 3º ciclo, o Contrato de Associação celebrado com o Ministério da Educação, garante o livre acesso a todos, como em qualquer escola pública. A escola recebe, neste ano lectivo, 117 alunos no jardim-de-infância, 244 no 1º ciclo, 167 no 2º ciclo e 262 no 3º ciclo. Tem 54 professores, dos quais seis são irmãs da congregação. Luís Miguel Ferraz, “O Mensageiro” – semanário da Diocese de Leiria-Fátima

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