Erradicar a pobreza e radicar a justiça – das palavras à acção

Manuela Silva

Incluo na lista dos factos positivos, que ficarão a marcar a história do século XX, o consenso político a nível mundial formalizado na Declaração dos Direitos Humanos e o progressivo entendimento que os mesmos foram merecendo por parte da consciência colectiva e das instâncias políticas de vários países e organismos internacionais.

Nesse aprofundamento, há de incluir-se o reconhecimento de que a pobreza material involuntária constitui uma violação de direitos humanos, tanto mais que, no actual estádio de desenvolvimento económico, a produção mundialmente alcançada é suficiente para permitir a satisfação das necessidades básicas de toda a população do Globo. Se tal não acontece, isso fica a dever-se à grande desigualdade que caracteriza a repartição do rendimento e do progresso material e às demais disfunções do funcionamento do sistema económico actual. Que dizer, por exemplo, da constatação estatística de que os 20% mais ricos se apropriam de 82% do produto global enquanto aos 20% mais pobres não chega mais de 2%?

Constitui também um avanço histórico considerável o conhecimento científico e empírico entretanto acumulados acerca do fenómeno da pobreza – as suas várias expressões, causas e efeitos. Já não faz vencimento a ideia, ainda que persista em certos meios, de que a pobreza é uma fatalidade ou as interpretações preconceituosas acerca da origem da pobreza (a preguiça, o esbanjamento, os múltiplos vícios e dependências). Tão pouco se pode aceitar como razão da pobreza massiva, que atinge países inteiros e vastas regiões do Globo, o argumento da falta de recursos naturais, quando é certo que, em muitas situações, o que se verificou foi uma desestruturação de economias locais provocada por interesses económicos exteriores (exploração mineira, monoculturas extensivas, especulação fundiária, resorts turísticos, etc).

A União Europeia, ao decidir consagrar o presente ano de 2010 à erradicação da pobreza, vem colocar esta problemática na agenda política dos governos e das instâncias comunitárias, mobilizando esforços no sentido de que se aperfeiçoem as estratégias e políticas de prevenção e de eliminação desta chaga social. Tem, porém, um outro objectivo, não menos importante: o de envolver os cidadãos e cidadãs na causa comum de pôr termo a esta forma de violação de direitos humanos, no entendimento de que, sem uma efectiva inclusão social, a democracia não é sequer sustentável.

As organizações da sociedade civil são chamadas a um envolvimento particularmente activo neste combate, numa tríplice frente:

Dar a conhecer a magnitude da situação e a complexidade que a envolve; apresentar propostas que não se limitem a multiplicar os meios paliativos (por mais indispensáveis que estes sejam nos casos mais urgentes e graves), mas que actuem sobre os mecanismos geradores de pobreza, nomeadamente os que se referem ao emprego e condições de trabalho, aos níveis de remuneração praticados, à concentração e acumulação da riqueza, ao modelo de empresa capitalista; servirem de amplificador da voz dos pobres, dando a conhecer as suas necessidades, aspirações e direitos nas instâncias com poder de decisão política, tanto a nível nacional como comunitário e mundial.

O combate à pobreza, nos dias de hoje, sem descurar o reforço da solidariedade, passa, incontornavelmente, pela prática da justiça nas relações sociais e no funcionamento da economia.

É a hora de radicar a justiça e passar da palavra à acção.

Manuela Silva

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