Abel Dias, Diocese de Viseu
A educação cristã dos filhos é, antes de mais, uma responsabilidade primária dos pais, com o apoio da Igreja. Como nos recorda o Catecismo da Igreja Católica, os pais são os primeiros responsáveis pela educação dos seus filhos (CIC 2223). Isso implica não apenas ensinamentos teóricos, mas também o exemplo prático de uma vida cristã vivida no quotidiano. São eles os principais transmissores dos ensinamentos e valores cristãos no seio familiar. É através do exemplo dos pais que os filhos aprendem a importância da fé e como a podem viver nas suas próprias vidas.
Como afirmam os bispos portugueses, a família é o “espaço privilegiado de encontro com o amor, o primeiro lugar onde os filhos aprendem e interiorizam os valores perenes. É na família que, confrontados com o amor fiel e comprometido dos pais, descobrem o significado do dom generoso da própria vida, da partilha, do serviço, do diálogo, do perdão, da tolerância, da compreensão; é no ambiente familiar que, educados pela sensibilidade dos pais, aprendem a escutar e a interiorizar a Palavra de Deus e a responder com generosidade aos desafios de Deus; é na ‘Igreja doméstica’ que, educados pela piedade dos pais, aprendem a importância da oração e da confiança incondicional no amor providente de Deus; é no enquadramento familiar que, despertados pela fé e pelo compromisso eclesial dos pais, tomam consciência da sua fé, do seu batismo, da sua pertença à Igreja e da sua missão no mundo” (CEP, Carta Catequese II: As famílias à luz da Palavra de Deus).
Nos tempos que vivemos, abriu-se uma rutura entre família e Igreja: o pacto educativo foi interrompido e, assim, a aliança educativa da família com a Igreja entrou em crise, por ter sido minada a confiança mútua. Nos ambientes eclesiais, e particularmente na catequese, por vezes vive-se num constante estado de lamentações, que facilmente resvala para a tentação de julgar os pais pela sua ausência, desinteresse ou falta de prática religiosa. Contudo, esta atitude crítica constante, para além de criar barreiras emocionais e espirituais, coloca pais e catequistas “em lados opostos” e impede o diálogo e uma verdadeira evangelização que promova vínculos e envolvimento. Criticar é mais fácil do que compreender, mas não educa, nem aproxima. Envolver mais os pais na catequese dos filhos é um dos grandes desafios (e oportunidades!) da pastoral atual.
DA CRÍTICA AO ENVOLVIMENTO
É comum, no meio catequético e pastoral, ouvirem-se frases como: “Os pais não colaboram”, “as crianças vêm à catequese, mas os pais não vão à missa”, “os pais não dão o exemplo”, “em casa não se reza”. Estas observações, muitas vezes verdadeiras, podem tornar-se queixas recorrentes dos agentes pastorais que, inadvertidamente, criam distância entre a paróquia, os catequistas e as famílias. Será a crítica o caminho mais eficaz para envolver os pais na educação cristã dos filhos? Ou seremos chamados a um novo olhar e a uma nova atitude?
Estou convencido de que é necessário, em vez de ver os pais apenas como “obstáculo” ou “ausentes”, reconhecê-los como parceiros insubstituíveis e fundamentais na missão de transmitir a fé.
Importa ter presente que é muito difícil para os pais educar os filhos quando, por exemplo, só estão com eles à noite, já cansados após um dia de trabalho. Ser pai nos dias de hoje não é tarefa fácil e muitos pais das crianças da catequese não receberam uma formação cristã sólida. Vivem sob pressões sociais e económicas intensas e sentem-se inseguros na sua fé. Não estão afastados por maldade ou desinteresse, mas, frequentemente, por desconhecimento, cansaço ou até vergonha.
A realidade atual, marcada por contrastes e mudanças rápidas, modas, crises de valores e paradigmas, afeta diretamente a estrutura familiar. A Igreja doméstica, que outrora teve um papel fundamental na transmissão da fé, encontra-se hoje profundamente abalada, e os seus membros estão, na sua maioria, perplexos diante das dificuldades, sem saber como agir ou como enfrentar o desafio de educar os filhos na fé e, assim, serem fiéis ao compromisso assumido no matrimónio.
As comunidades paroquiais e os verdadeiros agentes pastorais devem ter um novo olhar sobre a realidade e as dificuldades das famílias atuais. Antes de criticar os pais, o agente pastoral deve perguntar: “Como posso ajudar esta família a reencontrar a alegria de viver a fé?” Todos sabemos que a crítica fecha portas, enquanto o convite abre horizontes. Quando os pais se sentem julgados ou acusados, tendem a afastar-se ainda mais. Mas quando são acolhidos com escuta, empatia e paciência, começam a abrir-se, a confiar, a participar.
O nosso papel não é apontar o dedo, mas estender a mão. Jesus não começou por corrigir Zaqueu, a samaritana ou os discípulos medrosos. Pelo contrário, começou por olhar com amor e chamar para perto.
DO ENVOLVIMENTO À COLABORAÇÃO
Embora os Bispos portugueses reconheçam que, em muitas comunidades, existe já a preocupação de envolver os pais na educação cristã dos filhos, há ainda que “aprofundar e alargar essa participação: aprofundá-la no campo espiritual, para que também os pais saboreiem o encontro pessoal com Jesus Cristo; e alargá-la, tanto quanto possível, aos encontros de catequese, informando os pais dos conteúdos doutrinais aí transmitidos e, principalmente, incentivando-os a viver, com os filhos, de acordo com esses conteúdos” (Carta Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa: Catequese: A alegria do encontro com Jesus Cristo, n.º 35).
Assim, ao catequista não basta ensinar as crianças; é preciso envolver os pais. Isso não significa sobrecarregá-los com tarefas, mas convidá-los a viver pequenos gestos de fé em casa, como rezar antes das refeições, contar histórias de Jesus, visitar uma igreja em família.
Mais eficaz do que dizer aos pais o que devem fazer, é mostrar. Um catequista que acolhe, escuta e caminha com ternura toca o coração das famílias mais do que qualquer palestra. O testemunho não julga, mas contagia. Educar na fé não se faz com pressa nem com receitas prontas. É um trabalho de formação contínua, com paciência e esperança.
Promover formações simples, encontros para pais, momentos de oração em família e celebrações com a participação dos adultos são sementes que, um dia, darão fruto. Criticar é fácil. Envolver dá trabalho, exige escuta, criatividade e perseverança. Mas é esse o verdadeiro caminho da evangelização: ajudar os pais a descobrir que educar os filhos na fé é uma missão bela e possível, e que a Igreja está com eles, e não contra eles.
DA COLABORAÇÃO AO COMPROMISSO
É urgente passar do julgamento ao acolhimento das famílias dos nossos catequizandos. É preciso acolher sem julgar, sem comparar, sem pôr em causa. Tal como Jesus fez com os discípulos confusos ou com Zaqueu, devemos começar pela proximidade, e não pela correção. Privilegiar a escuta em detrimento do controlo. Em vez de esperar que os pais “façam tudo bem”, devemos começar por escutá-los: como foi a sua própria educação na fé? Que gostariam de transmitir aos seus filhos?
A escuta provoca sempre empatia, e a empatia gera compromisso. Fazendo isto, passamos do confronto ao convite. Esta mudança exige evitar o tom moralista nos diálogos com os pais. Em vez de dizer “devem vir à missa”, podemos dizer: “Gostaríamos muito de poder contar convosco na celebração dominical.” O convite é sempre mais fecundo do que a imposição.
É necessária uma mudança na atitude pastoral que privilegie a colaboração. Muitas das reuniões de pais são meramente informativas, sem espaço para a partilha. É fundamental que passem a ser encontros colaborativos, com momentos de reflexão, espiritualidade e escuta. Devem ser criados espaços para os pais se conhecerem, criarem vínculos de pertença e se envolverem.
Pensar a catequese com atividades em família, com pequenas propostas para viver a fé em casa – orações simples, desafios semanais – é uma forma eficaz de reforçar laços. Valorizar a catequese familiar, onde se encontram pais e filhos, e envolver os pais nas celebrações com tarefas simples – leituras, cânticos, ofertório – ajuda a construir comunidade. Sempre que possível, oferecer acompanhamento personalizado: uma conversa, um gesto, um telefonema, uma mensagem podem fazer toda a diferença e mostrar que nos importamos com a sua caminhada de fé, mesmo que por vezes haja tropeços.
Esta dinâmica de colaboração visa dar protagonismo aos pais na educação cristã dos filhos. Criar oportunidades para darem o seu testemunho, organizarem encontros ou integrarem uma equipa de apoio à catequese promove o envolvimento natural. Para isso, são precisos catequistas com humildade e esperança. O catequista deve ter consciência de que não é “melhor” nem “mais crente” do que os pais. Está simplesmente a servir num caminho comum de fé.
A humildade para reconhecer as dificuldades e a esperança na ação do Espírito Santo são essenciais. Não mudamos os pais com críticas, mas com vínculos. A missão da catequese hoje exige misericórdia pastoral, diálogo e criatividade. Pais e catequistas não são adversários – são companheiros no mesmo barco, com o mesmo desejo: que os filhos cresçam com fé, amor e esperança. Em vez de apontar falhas, construamos pontes.
Abel Dias, diretor do Secretariado Diocesano da Educação Cristã