Entrevista ao irmão Matthew, prior de Taizé: Os jovens, a sinodalidade e a esperança

Esperança e sinodalidade, jovens e juventude, comunidade e fraternidade são palavras que marcam o dia a dia dos monges ecuménicos de Taizé, e da Igreja. Após a tradicional passagem de ano num encontro comunhão entre os povos, numa cidade europeia, os monges fecharam o acolhimento para encontrarem-se entre si.

Em dezembro de 2024, ainda antes do Natal, um jovem recebeu o hábito de oração de Taizé, e Portugal tem um novo irmão nesta comunidade. Tudo isto motivou a primeira entrevista da Agência ECCLESIA ao irmão Matthew, prior desde 2 de dezembro de 2023. Roma e Paris vão ser locais de encontro dos jovens, e destes com os monges, para além da “colina” em Taizé que, esta semana, no contexto do Carnaval e início da Quaresma, recebeu mais de 1200 portugueses.

Entrevista conduzida por Carlos Borges

Depois de um mês com a pousada fechada. As vossas forças estão renovadas para um novo ano de hospitalidade em Taizé?

É uma pergunta muito boa! Não foi muito fácil para nós “fechar a pousada” e isso levantou questões para vários irmãos. Mas penso que muitos de nós compreenderam que era importante poder passar algum tempo entre nós como comunidade, mesmo se há algumas coisas que provavelmente faremos de maneira diferente no futuro. Em janeiro, de qualquer modo, há muito poucos peregrinos que nos visitam. Este período deu-nos a oportunidade de rezarmos entre nós, de partilharmos juntos algumas atividades diferentes e de prepararmos o conselho anual da comunidade. O próximo ano dir-nos-á se as nossas forças foram renovadas por este período!

 

“Esperar para além de toda a esperança”, é o título da ‘Carta 2025’ do irmão Matthew.
– O que é que se pode esperar para além de toda a esperança?

Antes de mais, é Cristo que é a nossa esperança. A sua ressurreição abre-nos um caminho onde podemos confiar com segurança que a morte e o sofrimento nunca terão a última palavra. Vemos como essa fé permitiu que as pessoas se mantivessem firmes na fé e continuassem a viver mesmo nas situações mais difíceis. Quando estava a preparar a Carta, foi muito comovente ouvir jovens de Myanmar, da Ucrânia, do Líbano e de Belém, para quem esta confiança é uma realidade. Ter esperança requer coragem, mas quando ela está enraizada em Cristo ressuscitado, pouco a pouco, torna-se concreta e ultrapassa o domínio de um simples otimismo ou de uma perspetiva positiva, porque nos permite enfrentar a vida tal como ela é e não ficar parados.

 

Estamos a viver um jubileu, o Ano Santo 2025, dedicado à esperança: Que sinal de esperança, uma porta santa “informal”, é Taizé hoje?

Seria preciso perguntar aos jovens que nos visitam para encontrar a resposta a esta pergunta! Mas, de uma forma muito simples, tentamos, como irmãos, viver um sinal de unidade em Cristo, uma unidade que já é dada nele e uma antecipação de algo que virá em plenitude, à medida que todos aqueles que amam Cristo procuram viver a partir da sua oração pelos discípulos em João 17. Ao mesmo tempo, somos de culturas e origens diferentes. Numa sociedade cada vez mais polarizada, onde o populismo e o nacionalismo estão a aumentar, gostaríamos muito que aqueles que passam pelas nossas portas vissem este sinal.

 

Ainda a propósito do Ano Santo, terá lugar o Jubileu dos Jovens, uma espécie de edição internacional da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) “fora de época”, a que alguns chamam “Jubileu Mundial da Juventude”. Como é que a Comunidade de Taizé se está a preparar para participar neste encontro de 28 de julho a 3 de agosto em Roma?

Já há vários grupos que vão passar uma semana, ou alguns dias, em Taizé, a caminho de Roma para o Jubileu dos Jovens, ou no regresso. Temos espaço para todos os que o desejarem!

Durante o Jubileu da Juventude, os nossos irmãos estarão presentes na igreja de Santa Maria in Ara Coeli, perto da Piazza Venezia, e prepararão vários momentos de oração na quarta-feira, 30 de agosto, e na quinta-feira, 31 de agosto, para acolher os jovens peregrinos que desejem rezar connosco.

Para muitos serviços de pastoral juvenil, o Encontro Europeu que terá lugar em Paris será uma forma de dar seguimento ao Jubileu da Juventude e de preparar a JMJ da Coreia de agosto de 2027.

 

O encontro de fim de ano (2025-26) regressa à Europa Ocidental. Acontecerá pela sexta vez em França, a quinta em Paris. Qual é a importância deste regresso a uma cidade da Europa Ocidental, nomeadamente Paris?

Tentamos discernir, a partir dos convites recebidos, onde deve ser realizado o encontro europeu e a decisão é tomada por um grupo de irmãos, levando em conta todos os aspetos. É verdade que a última cidade ocidental a acolher o encontro (fora da pandemia) foi Madrid, em 2018, mas a escolha não depende apenas de considerações geográficas. Outros fatores intervêm.

O convite do Arcebispo Laurent Ulrich para que o encontro se realizasse em Paris e Ile de France foi particularmente caloroso e apoiado pelos bispos de toda a província. O Conselho Cristão das Igrejas de França, do qual são copresidentes o Metropolita Demétrios, o Pastor Christian Krieger e o Arcebispo Eric de Moulins-Beaufort, confirmou igualmente o convite. Além disso, o número de jovens franceses que vêm a Taizé está a aumentar. Por isso, o momento parecia oportuno para responder positivamente ao Arcebispo Ulrich.

 

O que é que significa fazer a peregrinação na terra na capital francesa, neste momento histórico que estamos a viver, na Europa e no mundo?

Embora a França seja uma república laica (république laïc), os valores da liberdade, da igualdade e da fraternidade têm as suas raízes na herança cristã da Europa. Neste momento, temos de regressar cada vez mais aos ideais fundamentais que contribuíram para a construção de uma identidade comum. Construir uma Europa aberta e acolhedora para todos, disposta a ajudar os que sofrem, pronta a manter a paz dentro das suas fronteiras e, onde for obrigada a fazê-lo, no mundo, será o cerne do nosso encontro em Paris. Ao mesmo tempo, será uma oportunidade para caminharmos juntos com os cristãos de todas as tradições e procurarmos uma abertura em relação aos crentes de outras religiões e a todas as pessoas de boa vontade.

 

No ano passado, os monges de Taizé, incluindo o seu prior, deslocaram-se a zonas de conflito na Europa, na Ucrânia e no Médio Oriente, incluindo o Líbano. Qual é a importância desta presença, certamente também de esperança, e do conhecimento da realidade para a vossa própria ação, para acompanhar aqueles que vos visitam em Taizé?

Não podemos falar de solidariedade com as pessoas que sofrem em zonas de conflito se não a vivermos nós próprios, mesmo que seja de forma provisória. Neste momento, temos irmãos no Leste da Ucrânia. Perguntaram-me se não é demasiado perigoso ir para lá, mas eu respondi que não é mais perigoso para nós do que para os ucranianos que lá vivem. Se não estivermos dispostos a correr riscos pelo Evangelho, não estaremos a perder alguma coisa?

Seria maravilhoso se os jovens que passam uma semana em Taizé continuassem a dar sinais vivos de solidariedade com os necessitados à sua volta. Não é possível a toda a gente ir para zonas de guerra, mas como podemos estar presentes para os refugiados desses países que procuram abrigo na nossa própria pátria?

 

A comunidade de Taizé criou um jogo de tabuleiro, “Koinobia – ‘Viver em comunidade’, que foi lançado no verão passado. Um jogo de cooperação, onde se procura Deus e se ganha ou perde em conjunto. Que relevância tem este jogo numa sociedade muitas vezes individualista, onde o eu vem antes da comunidade?

Temos alguns irmãos muito criativos que conceberam este jogo, que já é o segundo que eles criam, e devo admitir que foi um desafio para mim jogar, pois gosto sempre de ganhar! Mas, sim, acho que podemos aprender muito com estes jogos de cooperação. Os jogos podem mudar a nossa perspetiva de vida, para melhor ou para pior. Dizemos muitas vezes “é só um jogo”, e é verdade, mas os jogos são muitas vezes uma condensação de situações ou desejos da vida real jogados num espaço que parece ser seguro.

 

Foto Vatican Media

O Sínodo dos Bispos sobre a sinodalidade terminou recentemente e as comunidades da Igreja estão a enfrentar o desafio de a implementar, de a operacionalizar e de a pôr em prática. Taizé participou nas assembleias. Como é que a sinodalidade proposta pelo Papa Francisco desafia a comunidade de Taizé e a vida comunitária dos monges?

O irmão Alois, meu predecessor como prior, foi convidado pelo Papa Francisco a participar nas duas sessões do Sínodo dos Bispos sobre a sinodalidade. Estive envolvido na preparação da vigília de oração ecuménica e do encontro do Povo de Deus “Juntos”, coordenando a participação de diferentes comunidades, Igrejas e movimentos, que teve lugar a 30 de setembro de 2023, imediatamente antes da primeira sessão, e uma outra vigília para os participantes no Sínodo a 11 de outubro de 2024, durante a segunda sessão.  Sentimo-nos muito privilegiados por estarmos envolvidos nestas diferentes formas durante o Sínodo.

Tendo participado na fase continental da preparação do Sínodo em Praga, encontrei a Conversa no Espírito que foi a pedra angular da partilha entre os participantes. Aprender a escutarmo-nos uns aos outros em espírito de oração, dando espaço a cada pessoa e tentando chegar a um consenso quando é necessário tomar decisões ou fazer declarações comuns, causou-me uma grande impressão. Tentámos pôr em prática esta forma de partilhar em conjunto na nossa vida comunitária e especialmente durante o nosso conselho comunitário anual.

Ao mesmo tempo, o Sínodo é também uma aprendizagem da partilha de responsabilidades, da subsidiariedade. Criámos agora diferentes grupos de trabalho para os diferentes domínios da nossa vida, onde quatro ou cinco irmãos se reúnem para partilhar as questões que surgem. Quando chegam a uma decisão, consultam-me, mas muitas vezes as suas conclusões precisam apenas da minha confirmação. Gostaria que todos os irmãos participassem, de uma forma ou de outra, nos processos de tomada de decisão, porque cada voz é importante e merece ser escutada.

É um desafio deixar que o Espírito Santo seja realmente o protagonista e não nos deixarmos limitar pelas nossas considerações humanas. Só assim estaremos prontos a correr os riscos que o Evangelho nos pede hoje!

 

Que mensagem continua a ressoar de Taizé para os jovens de hoje?

O amor de Deus é-nos dado incondicionalmente e manifesta-se em Jesus. Quando reconhecemos esse amor, compreendemos que existe um convite para entrar numa relação em que a vida interior e a solidariedade humana são uma só realidade e não podem ser separadas. O Irmão Roger falava de “luta e contemplação”. Penso que é o mesmo hoje. Se respondermos ao amor de Deus, seremos conduzidos a uma vida de oração que nos abrirá para amar o próximo que Deus nos confiou.

 

Como é que a comunidade está a acompanhar este momento do pontificado de Francisco, nomeadamente a sua saúde?

Temos acompanhado muito de perto o pontificado do Papa Francisco desde o momento da sua eleição. Lembro-me bem desse dia. Estava em Nizhny Novgorod, na Rússia, com um padre católico argentino que tinha sido enviado para esse país pelo Cardeal Bergoglio, pelo que foi um momento muito especial para ele e para mim.

O meu antecessor, o irmão Alois, foi recebido por ele todos os anos, como é tradição desde o pontificado de São João Paulo II, e em março passado fui também recebido em audiência por ele. Durante o Sínodo e a preparação de Together, encontrámo-nos várias vezes com ele. Ele confirmou-nos na nossa vocação de comunidade ecuménica. E agora seguimos a evolução da sua saúde, acompanhando-o pela oração o melhor que podemos.

A comunidade de Taizé, a cerca de 360 quilómetros de Paris, congrega cerca de 80 irmãos, de diferentes origens eclesiais – católicos, anglicanos, protestantes – de quase trinta países, incluindo Portugal, foi fundada a 20 de agosto de 1940, pelo jovem Roger Schutz (1915-2005), pastor protestante suíço, para acolher perseguidos políticos, judeus e, mais tarde, prisioneiros alemães.

A comunidade monástica tem há várias décadas um monge português, o irmão David, natural de Portalegre, no dia 14 de dezembro de 2024 (sábado), um jovem português, o João Pedro, recebeu o hábito de oração, durante a oração comunitária.

“É sempre uma grande alegria acolher novos irmãos na nossa comunidade. Rezo todos os dias para que o Espírito Santo abra os nossos olhos para vermos aqueles que Deus nos envia. E estamos muito gratos por acolher o jovem de Portugal que está agora connosco para o tempo de formação que conduzirá ao seu compromisso de vida, que normalmente vem depois de cinco ou seis anos na comunidade”, salientou o irmão Matthew.

O prior de Taizé recorda que o João Pedro foi voluntário na comunidade, há quatro anos, e, depois, partiu para estudar, “quando terminou os seus estudos, o desejo de se tornar irmão na nossa comunidade continuava a arder dentro dele”, e foi acolhido “com muita gratidão”.

“O João Pedro entrou na nossa Comunidade no final do ano passado. É sempre uma alegria para os irmãos acolher novos irmãos e para mim, como português, a alegria é redobrada. É muito enriquecedor viver numa Comunidade com uma grande diversidade de irmãos, em que a interculturalidade vivida muito concretamente no quotidiano nos obriga constantemente a alargar os horizontes e a ter em conta diferentes perspetivas e formas de ser, mas dou graças a Deus por também poder partilhar este caminho com outro irmão português”, disse o irmão David à Agência ECCLESIA.

Para o irmão Matthew, o facto de ainda existirem jovens, de muitos países, que se preparam para “correr o risco de seguir Cristo”, na vida religiosa, no sacerdócio, na vida familiar ou nas suas escolhas profissionais, “é um sinal maravilhoso de que o Espírito Santo está vivo e em ação”.

“A vocação de todos os batizados foi já sublinhada pelo Concílio Vaticano II, e confirmada pelo Sínodo sobre a sinodalidade. Se, em Taizé, pudermos oferecer um espaço onde os jovens possam compreender como Deus os chama, onde quer que os leve, então só podemos estar gratos”, acrescentou o prior de Taizé.

 

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