Entrevista: «A proximidade é uma maneira de ser bispo» – D- Nuno Brás

Um ano após a nomeação, o bispo do Funchal fala do acolhimento na Madeira, da regionalização em Portugal e do lançamento de jornal na diocese

Entrevista conduzida por Paulo Rocha

Foto: Duarte Gomes

Há um ano, dizia que bastaram poucos dias para se sentir madeirense… Foram convicções que se confirmaram ao longo deste ano?

Sim, as pessoas são muito acolhedoras! Faz parte do ser madeirense acolher! De facto, nas paróquias, nas ruas do Funchal, as pessoas param para me cumprimentar, para perguntar se me estou a sentir bem… Neste momento sinto-me perfeitamente madeirense.

 

A proximidade foi uma marca que o caraterizou, desde a sua chegada à madeira. Como a cultivou?

Não se trata de cultivar. Faz parte da maneira de ser bispo, creio eu. Um bispo tem de estar onde estão as pessoas, é para toda a gente e tem de estar próximo das pessoas. É mais o modo como eu entendo o que é o ser bispo do que propriamente o cultivar alguma coisa ou fazer um grande esforço para isso. Sai naturalmente e creio que é, de facto, a perceção daquilo tem de ser, hoje, um bispo

 

Uma outra caraterística que emergiu foi a decisão sobre assuntos que perduravam no tempo. Já os conhecia ou o que o esteve na origem de resolução de questões que estavam paradas há algum tempo?

Creio que a entrada de um novo bispo é sempre uma oportunidade para resolver alguns problemas. O facto de ter havido a mudança de bispo é uma janela de abertura para tomada de algumas decisões

 

É como uma mudança de treinador?

Um bocadinho… Não sei se se pode dizer assim, mas a mudança faz bem. Conhecia o caso, já de ouvir falar. Concretamente o caso do padre Martins Júnior, foi também da parte dele querer resolver o problema e manifestar-se muito aberto à solução do problema. Devo dizer também que, por parte dos vários conselhos que foram consultados, gerou-se uma grande unanimidade e a solução surgiu com uma certa facilidade.

 

E também aqui, foi determinante a proximidade, o atender ao caso concreto?

Foi o atender ao caso concreto, seja da pessoa do padre Martins Júnior, seja da paróquia da Ribeira Seca, que já há bastante tempo desejava uma solução como esta. Creio que foi do agrado de toda a gente.

 

Pessoas em situação de sem-abrigo

Falemos de diferentes setores da pastoral, na Diocese do Funchal, desde logo o social: que respostas estão a ser pensadas na região a respeito das pessoas em situação de sem-abrigo?

Já existia um projeto para, no centro da cidade e em associação com os Irmãos de São João de Deus, um centro acolhimentos aos sem-abrigo no “Recolhimento do Bom Jesus”, onde possam encontrar uma casa para pernoitar.

A Diocese do Funchal é muito devedora às ordens religiosas, de uma forma muito concreta às Irmãs Vitorianas e aos Irmãos de São João de Deus, no século XX, concretamente no campo da assistência social, da educação e da saúde. Elas criaram uma série de instituições (e a diocese também foi criando, concretamente o senhor D. Teodoro) para o acolhimento, nomeadamente de jovens, que são uma feliz realidade para acudir a casos urgentes, graves.

 

Mas a respeito das pessoas em situação de sem abrigo tem algum projeto em curso?

Tem esse projeto do ‘Recolhimento do Bom Jesus’, em parceria com os Irmãos de São João de Deus e com a ajuda da Câmara Municipal do Funchal. É um projeto que está planeado, mas ainda não foi lançado por causa de impedimentos de ordem burocrática que não têm permitido que o projeto seja inaugurado.

 

 

E esta é a resposta da Diocese do Funchal à estratégia nacional para retirar as pessoas da rua até 2023, que assim o queiram?

É a resposta da Diocese do Funchal, claramente, e espero que seja uma realidade, dentro de alguns meses. Como implica um imóvel, que tem uma marca histórica, é óbvio que isso traz problemas de outra ordem, que estão a ser ultrapassados.

 

Qual a dimensão do problema dos sem abrigo?

No Funchal é um problema bastante grave, em termos relativos, de qualquer forma.

A Madeira é uma Ilha onde as pessoas não vivem com as regalias e luxos, mas onde as pessoas vivem de uma forma feliz e muito melhor do que há algumas dezenas de anos. A autonomia trouxe consigo o crescimento de um nível e de qualidade de vida das populações madeirenses, por aquilo que me tenho apercebido.

Os sem-abrigo existem como existem nas grandes cidades. É tristemente uma das marcas das grandes cidades, mas nós não nos podemos contentar com isso, com essa “normalidade”. Um sem-abrigo é sempre uma anormalidade porque se trata de alguém que tem dignidade de ser humano e não tem uma casa, seja porque não quer seja porque não tem possibilidade de a ter.

 

A regionalização

A respeito da regionalização, qual a sua opinião sobre organização para Portugal, a partir do exemplo da Madeira?

Eu creio que, no caso da Madeira de uma forma muito concreta, a regionalização é claramente um bem. Foi a forma que os madeirenses encontraram para reivindicar diante do governo nacional um aumento do seu nível de vida, um conjunto de benfeitorias que de outra forma seria sempre difícil. Apesar de tudo, a distância faria sempre com que o governo central olhasse para a Madeira como qualquer coisa de distante, onde as medidas poderiam ser tomadas depois do resto do continente. A regionalização, no caso concreto da Madeira, fez com que houvesse desenvolvimento, melhoria de vida, com que os madeirenses tomassem consciência da sua própria identidade – com algum orgulho, devo dizer – da sua especificidade e daquilo que eles podem dar ao todo de Portugal.

 

É uma medida a incluir no todo nacional?

Eu fui decididamente contrário à regionalização, quando foi o referendo. Neste momento interrogo-me se a regionalização não seria a oportunidade que as regiões do interior do continente poderiam agarrar para um desenvolvimento e para a resolução de problemas que objetivamente têm. Poderá ser um caminho. Neste momento ponho claramente essa possibilidade

 

É a forma do interior não permanecer esquecido?

Sim. Porque, no fundo, a população concentra-se de tal modo no litoral e no litoral norte que o interior acaba sempre por ser descartável, em termos de voto e de realidade humana. Havendo um conjunto de poderes que reivindicam para a sua região um conjunto de possibilidades e a possibilidade de um desenvolvimento coerente, creio que poderia ser um caminho para uma solução.

 

 

Novo jornal em estudo

Voltemos aos setores da pastoral, nomeadamente a comunicação e o turismo. Primeiro a questão da comunicação, não para nos voltarmos para o passado e para projetos que o marcaram, positiva ou negativamente, mas para olhar para o futuro: como equaciona o envolvimento diocesano em projetos de comunicação?

A comunicação é uma realidade muito importante na Ilha. Neste momento, temos um canal de televisão, a RTP Madeira; várias rádios e algumas delas de âmbito regional, para além de todas as rádios de âmbito nacional que se fazem ouvir também aqui; temos dois jornais diários em suporte papel e alguns jornais online. A comunicação é, portanto, qualquer coisa de muito importante, que marca a vida da sociedade madeirense. Por isso, a atenção à comunicação é central na vida da diocese.

Neste momento a diocese tem um jornal online, diário, que publica notícias essencialmente da Igreja, em termos internacionais e nacionais e regionais, e é um jornal que é bastante lido, que faz notícia quando apresenta alguma novidade. Tem havido da parte da diocese, de uma forma muito particular do Gabinete de Informação, a preocupação de fornecer a notícia da diocese aos vários órgãos de comunicação e há uma boa relação com todos eles, mesmo os que são habitualmente mais críticos da vida da diocese. Portanto, há uma presença bastante grande!

Em termos de pastoral da comunicação, poderia dizer que, neste momento, é essencialmente de relação pessoal, de conhecimento de pessoas e de boa relação institucional, da parte da diocese com os órgãos de comunicação. Eu visitei logo no início os grandes meios que existem na Madeira e fui por todos muito bem acolhido. Não só não tenho razões de queixa mas tenho uma perceção muito agradável e muito simpática.

 

Que necessidades tem a diocese, neste âmbito?

Necessita de duas coisas: por um lado de um pequeno jornal, em suporte papel, porque grande parte da ilhas, sobretudo a pessoas mais idosas, não têm acesso à internet e têm direito a saber as notícias do bispo diocesano. Isso está já pensado, aprovado pelo Conselho Presbiteral e falta pô-lo em prática. Tratar-se-á de uma folha, com quatro ou oito páginas, que apresente as notícias da diocese, da Igreja em Portugal e no mundo, que será distribuída online aos párocos e se encarregam depois de reproduzir e colocar à disposição dos paroquianos. A tiragem vai, por isso, variar consoante os paroquianos forem muitos ou poucos e estiverem interessados.

Um segundo ponto tem a ver com a atenção ao turismo. Aqui será necessário desbravar caminho, primeiro no sentido do acolhimento. Creio que isso se pode fazer com alguma imaginação e trabalho, no sentido dos turistas, quando chegarem a uma igreja, terem duas coisas: primeiro um breve guia descritivo da igreja, com apontamentos sobre a arte e mais interessante acerca do tempo, e depois a possibilidade de poderem descarregar a liturgia do dia, na sua própria língua, para puderem participar na Eucaristia, o que já muitos fazem, de forma menos confortável por não terem a liturgia na sua própria língua.

 

A publicação de que falou seria semanal?

Semanal, sim. Não será necessário fazer um grande investimento em termos diocesanos, que será depois compensado com as ofertas que os fiéis derem, nas paróquias, para a manutenção do boletim informativo.

 

 

A respeito do turismo, que respostas a diocese pensa para turistas que, em muitos casos, passam apenas algumas horas na região?

Sim, sobretudo os que vêm nos barcos, que estão 24 horas e não têm base nos hotéis… Aí falta desbravar muito terreno. No turismo em geral falta desbravar muito terreno para criar, por exemplo, bilhetes integrados, com convites à visita nos monumentos que são centrais, no Funchal, e podem ser visitáveis pelos turistas que cá passam 24 horas e deveriam ser integrados nos circuitos turísticos propostos para a visita da cidade

 

Cardeal madeirense

O cardeal D. José Tolentino Mendonça é uma das personalidades ilustres da região. Que importância tem o facto de pertencer, agora, no colégio cardinalício?

O senhor D. José Tolentino é obviamente um filho da Madeira, foi membro do presbitério do Funchal até há um ano e pouco (quando foi para Roma é que deixou de ser membro do presbitério do Funchal), membro ilustre, que iniciou aqui a sua vida sacerdotal e deixou aqui muitos admiradores. As pessoas olham para ele como alguém que saiu da Ilha e neste momento tem e deixa uma marca na cultura universal.

 

Que relevância teve a homenagem da Assembleia Regional da Madeira?

Creio que é uma homenagem que toda a gente sentia que era devida. A Assembleia Legislativa Regional reconheceu essa realidade, logo após a nomeação, e o mesmo se diga a respeito de Machico, a terra onde nasceu, onde o município sentiu a obrigação de homenagear um filho ilustre da terra.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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