Entre a Páscoa e o Pentecostes

O tempo da grande alegria Os cristãos e os neófitos baptizados na vigília pascal viviam estes cinquenta dias num clima de grande alegria e festa que se manifestava exteriormente: não se ajoelhavam na liturgia, nem permitiam que as preocupações quotidianas dominassem os seus espíritos, de forma a não dar ocasião a que o demónio os distraísse. Cinquenta dias unem a Páscoa ao Pentecostes. 1. Desde os primeiros séculos a Igreja sentiu a necessidade de um tempo litúrgico longo para aprofundar e viver aquele acontecimento que se tornou o centro da sua fé – o mistério pascal. O grande escritor leigo, Tertuliano, escreveu no século III que este tempo é «um espaço de grande alegria», «laetissimum spatium» um grande domingo que se prolonga durante sete semanas para meditar na ressurreição do crucificado, a sua subida ao Céu e o dom do Espírito Santo. Os cristãos e os neófitos baptizados na vigília pascal viviam estes cinquenta dias num clima de grande alegria e festa que se manifestava exteriormente: não se ajoelhavam na liturgia, nem permitiam que as preocupações quotidianas dominassem os seus espíritos, de forma a não dar ocasião a que o demónio os distraísse. A liturgia reformada do Concílio Vaticano II retoma este mesmo espírito e orienta a comunidade cristã a prosseguir na meditação da Palavra de Deus, na participação da Eucaristia e na caridade cristã. Este é um tempo de treino para os atletas do espírito, através de uma experiência sacramental e eclesial. Tempo do Espírito 2 – O tempo pascal oferece aos cristãos a possibilidade de meditar os aspectos centrais da sua fé, mostrando como o Senhor Jesus, mediante o Espírito Santo, está presente e indica o caminho à sua Igreja. As leituras bíblicas, escolhidas para este tempo, procuram formar a comunidade num estilo de vida fraterno e amigável, de forma a criar um ambiente de paz e abrir os corações à caridade. O tempo pascal não espera pela festa do Pentecostes para apresentar a acção do Espírito Santo na comunidade cristã. No próprio domingo de Páscoa Cristo ressuscitado sopra sobre os apóstolos, dizendo-lhes: «Recebei o Espírito Santo (Jo. 20,23). S. Paulo exprime esta mesma realidade escrevendo na carta aos Romanos (8, 11) que Jesus Cristo com a sua ressurreição, tornou-se Espírito que dá a vida. No prefácio do Pentecostes a comunidade cristã dá graças a Deus porque «hoje manifestastes a plenitude do mistério pascal». A Igreja lê neste tempo o livro dos Actos dos Apóstolos considerado o evangelho do Espírito Santo. O seu autor, São Lucas, quer mostrar-nos como a Igreja é conduzida pelo Espírito Santo como uma nave, cujas velas são impelidas pelo vento do Espírito de Deus. Toda a cinquentena pascal é uma ocasião para mostrar a experiência da nova condição cristã com o fruto da Páscoa que é o dom do Espírito Santo. No dizer do Papa João Paulo II, o domingo, «Páscoa da semana», torna-se de alguma forma «Pentecostes da semana». Tempo da Igreja 3 – «Onde está o Espírito de Deus, aí está a Igreja, e todas as graças» escreveu S. Ireneu bispo de Leão. A Igreja é o templo de Deus onde habita o Espírito Santo, porque nasceu do Espírito que lhe foi efundido por Jesus Cristo na Cruz (Jo. 19, 30) no dia de Pentecostes. O Espírito Santo faz com que a Igreja exista, viva, opere e cresça na caridade. Nalgumas dioceses, e principalmente entre nós, os sete domingos da Páscoa, são conhecidos pelas visitas das insígnias do Espírito Santo que são levadas religiosamente por homens a visitar as casas dos fiéis. É um dos momentos mais alegres do ano cristão que, na sua simplicidade, nos aproxima da alegria dos inícios da Igreja, e ao mesmo tempo possibilita os fiéis de participarem na caridade para com os pobres e necessidades da paróquia. A tradição das ofertas para os pobres ampliou-se depois para outras finalidades, como as estruturas da paróquia, de tal forma que este óbulo constitui hoje um dos principais recursos para a pastoral na paróquia. Tudo é feito na maior liberdade e generosidade. A visita do Espírito Santo, nalgumas paróquias, reveste-se de tal solenidade, com a presença de músicos, «saloias» e irmãos que exige depois uma despesa não indiferente. O normal é a gratuidade, os participantes não recebem pagamento nem ofertas, tudo é dom de si mesmo, como o Espírito Santo é dom do Pai. Do mesmo modo vai contra a tradição e espírito destas visitas, gastar somas exageradas, por vezes todo o produto recolhido numa festa com arraial, desvirtuando a razão de ser da simpática tradição pascal madeirense. Alguns abusos do passado felizmente terminaram. Hoje, de uma forma geral, as visitas do Espírito Santo são um sinal da Igreja viva e gaudiosa. É conveniente que as famílias não forcem os visitantes com as insígnias, a ingerir bebidas ou comidas que depois vão dificultar a sua missão e até causar reparos das populações. O tempo pascal, ontem como hoje, é luz que alumia e orienta no caminho da vida, força que robustece nas dificuldades, convite a seguir o Espírito de Deus que nos dá a paz, e leva a construir a casa comum onde se vive com alegria – «laetissimum spatium». Funchal, 4 de Junho de 2006 † Teodoro de Faria, Bispo do Funchal

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