O historiador António de Jesus Ramos apresenta a figura de um dos bispos mais polémicos do período da I República
António de Jesus Ramos, da Diocese de Coimbra, estudou na faculdade de história eclesiástica da Universidade Gregoriana, onde obteve o grau de licenciatura em Junho de 1979. Elaborou uma tese de doutoramento sobre o bispo de Coimbra D. Manuel Correia de Bastos Pina (1830-1913), que defendeu, na mesma Universidade Gregoriana, em Junho de 1993. É sócio efectivo do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica.
D. Manuel Bastos de Pina, que estudou de perto, é apresentado como um monárquico, mas, em simultâneo, um dos grandes defensores da política papal em Portugal.
Agência ECCLESIA (AE) – Com a implantação da República (5 de Outubro de 2010), as expressões «hostilidade» e «ódio» contra a Igreja tornaram-se predominantes.
Pe. Jesus Ramos (JR) – São conceitos diferentes. No entanto, podemos dizer que por parte de alguns mentores do regime republicano houve mesmo uma atitude de ódio à Igreja. Ódio este que vinha sendo alimentado pela imprensa anticlerical, e aparecia igualmente em muitos autores do republicanismo do final do século XIX. A hostilidade pode não estar baseada no ódio, mas em conceitos diferentes de organização social. De facto, ao contrário do que se pensa, com a implantação da República, a relação entre a Igreja e o Estado acabou por ser fortalecida. Digamos que a República pretendendo acabar com a Igreja ou, pelo menos, molestá-la gravemente, acabou por libertá-la do regalismo que a sufocou durante todo o século XIX
AE – Neste contexto surge a célebre afirmação de Afonso Costa: «Em duas/três gerações acabaria com o sentimento religioso do povo português».
JR – Não sabemos, exactamente, se é verdadeira essa afirmação, nem sabemos se foi Afonso Costa quem a proferiu. Já encontrei alusões de atribuição da autoria da expressão a Magalhães Lima, Grão-Mestre da maçonaria.
AE – Num dos discursos parlamentares, Afonso Costa diz que nunca proferiu tal afirmação. No entanto, alguns investigadores defendem que essa expressão foi proferida numa «loja» maçónica.
JR – Uns dizem que foi numa sessão da maçonaria e outros defendem que foi, em Braga, num comício de Afonso Costa. Todavia, isso correspondia, de algum modo, ao pensar de alguns dos mentores da implantação da República. Neste ponto, não tenho dúvidas. Uma das intenções dos corifeus do novo regime passava pelo travar da preponderância que a Igreja tinha sobre o tecido social de Portugal.
AE – Era evidente o sentimento «anti-clerical» nos primeiros tempos da República. Tal como o «ódio de estimação» aos elementos da Companhia de Jesus?
JR – Pode falar-se de anti-clericalismo e, como uma alínea deste anti-clericalismo, de «anti-jesuitismo». Pelo menos desde o tempo do Marquês de Pombal, os jesuítas eram sempre os primeiros a ser molestados quando havia uma perseguição à Igreja. Os jesuítas eram, entre as várias ordens religiosas, os que tinham uma de maior influência entre os crentes, sobretudo depois da organização do movimento do «Apostolado da Oração», que tinha muitos milhares de associados em todas as dioceses de Portugal.
AE – Sem esquecer também o papel dos franciscanos e a Revista «O Mensageiro de Santo António». Existia uma certa «rivalidade» entre jesuítas e franciscanos?
JR – O assunto ainda não está suficientemente esclarecido. No entanto, quando a «Voz de Santo António» (revista dos padres franciscanos de Montariol, Braga) foi suspensa, em 1907, com a acusação de modernismo, poderá ter havido alguma influência dos jesuítas nessa questão. Pelo menos era voz corrente que o Patriarca de Lisboa, cardeal José Sebastião Neto, que era franciscano, se empenhou nesse assunto e, não obtendo sucesso, pediu e foi-lhe concedida a resignação do Patriarcado.
AE – Onde se situava a formação política e teológica do episcopado português do século XIX?
JR – O episcopado português do século XIX era bastante deficiente a todos os níveis. Os bispos da época liberal eram, na sua grande maioria, afectos ao partido que os apresentava. Além disso, muitos deles exerciam funções políticas (ministros, deputados, etc.) e eram absentistas (não estavam presentes nas suas dioceses). É o caso dos bispos de Beja e de Bragança, e de outras dioceses com maiores dificuldades de acesso. Passavam anos inteiros sem irem aos seus bispados, limitando-se a receber o benefício. Mas, a partir da década de 70, foram nomeados alguns bispos que apresentavam maior pendor pastoral, embora continuem a existir os que faziam do episcopado apenas uma carreira. A alguns se deve o meritório trabalho de organização das suas dioceses. É o caso do bispo do Porto, D. Américo Ferreira dos Santos Silva, do bispo de Coimbra, D. Manuel Correia Bastos de Pina, e de D. Augusto Eduardo Nunes, arcebispo de Évora.
AE – D. Manuel Bastos de Pina era filo-monárquico?
JR – Sim. Por formação e por convicção. Ele foi, possivelmente, o bispo que maiores relações criou com a Casa Real. Era muito amigo da rainha D. Amélia, confessor dos príncipes e padrinho do rei D. Manuel II. Havia uma troca frequente de correspondência com a Rainha. Estruturalmente, D. Manuel Bastos Pina era pois um monárquico, mas não era um regalista, pois colocava sempre os direitos da Igreja acima dos direitos do Estado, embora fosse um defensor de uma íntima ligação trono-altar. Para ele, tudo o que viesse de Roma era para pôr em prática. Chego a pensar que o bispo de Coimbra tinha um certo orgulho pessoal em ser imitador de Leão XIII.
AE – Todas as directrizes que vinham de Leão XII eram assimiladas e aplicadas na diocese de Coimbra?
JR – Eram assimiladas, divulgadas e colocadas em prática.
AE – A «Academia Tomista» é um exemplo desse “seguidismo”…
JR – A Academia de S. Tomás e muitas outras iniciativas, com a conhecida peregrinação do Rosário, proposta pelo Papa. Era o primeiro bispo, em Portugal, a colocar em prática as directrizes da Santa Sé.
AE – A sua nomeação para Coimbra foi morosa e difícil?
JR – Foi difícil porque havia algumas suspeitas, aliás infundadas, quanto à sua pessoa. De facto, quando o jovem Bastos Pina veio estudar Direito para Coimbra, instalou-se na casa do professor José Manuel de Lemos, vice-reitor da Universidade e maçon assumido. José Manuel de Lemos era um dos eclesiásticos afectos ao liberalismo. A sua fidelidade ao regime foi recompensada com a apresentação, em 1853, na diocese Bragança. Como o seu comensal (Manuel Bastos de Pina), por quem nutria paternal admiração, tinha terminado o curso de Direito e estava a tentar abrir escritório de advogado no seu concelho natal (Oliveira de Azeméis), José Manuel de Lemos perguntou-lhe se queria acompanhá-lo como seu secretário. Depois de algumas dúvidas, acabou por aceitar o convite… E o neo-bispo de Bragança ordenou-o padre (tinha 24 anos) e nomeou-o vigário geral daquela diocese. Na ausência do bispo, quem assumia as funções era Bastos Pina. Passados dois anos, D. José Manuel de Lemos consegue vir para mais perto. Passou de Bragança a Viseu e Bastos Pina veio com ele. Era o seu braço direito…
AE – A estadia em Viseu é diminuta porque, passados dois anos (1858), D. José Lemos foi transferido para a diocese de Coimbra?
JR – Era o sonho de D. José Manuel de Lemos. Mas Bastos Pina não veio com ele de imediato. Como a Sé de Viseu ficava vaga, Bastos Pina foi insinuado pelo Governo e eleito pelo Cabido como vigário capitular. E, depois da morte de D. José Xavier Cerveira de Sousa, que ali foi bispo entre 1859 e 1863, Bastos Pina foi nomeado, novamente, para vigário capitular. Nessa altura levantam-se alguns problemas entre ele e o Cabido de Viseu. Terminada esta “comissão de serviço”, regressa definitivamente a Coimbra, onde D. José Manuel de Lemos o faz vigário geral e governador do Bispado. Nos últimos anos de episcopado de D. José de Lemos quem, de facto, governou a diocese foi Bastos Pina, que aqui permaneceu, com poder ordinário, durante mais de meio século. É uma vida!
AE – D. Manuel de Lemos chegou a pedir para que Bastos de Pina fosse nomeado seu bispo auxiliar ou bispo coadjutor?
JR – Sim, mas faleceu antes de chegar nomeação. O Governo apresentou-o, depois, bispo residencial. Mas alguns dos seus detractores quiseram levantar obstáculos e chegaram mesmo a insinuar que ele poderia ter sido da maçonaria. Se o seu padrinho foi…
AE – D. Manuel Bastos Pina chegou a pertencer à maçonaria?
JR – Não! D. Manuel Bastos Pina nunca foi maçon. Mas D. José Manuel de Lemos foi um dos oito bispos do século XIX que pertenceram à maçonaria, o mais célebre dos quais é o conhecido D. António Aires de Gouveia.
AE – Pelos menos, sabe-se que D. ManuelBastos Pina escreveu pastorais contra a maçonaria?
JR – Sim. Na sequência das encíclicas de Leão XIII. Se existissem algumas dúvidas sobre a possibilidade de ele tinha sido ou não maçon, elas ficariam dissipadas com todos os escritos sobre este tema.
AE – A formação de D. Manuel Bastos Pina era jurídico-canónica. Tinha pouca experiência pastoral para assumir as rédeas de uma diocese?
JR – Nunca teve uma aula de Teologia. Frequentou apenas do curso de Direito na Universidade de Coimbra. No entanto, conhecia muito bem o Direito Eclesiástico e era um lídimo defensor dos direitos da Igreja. Nos anos anteriores, de todos os bispos do reino, apenas D. João de França, prelado do Porto, se insurgira contra as intromissões do Governo na esfera eclesiástica. Ora Bastos Pina, embora seja um monárquico e queira estar de bem com todos os governantes, defende sempre os interesses da Igreja, e em várias ocasiões denuncia a legislação liberal eivada de regalismo.
AE – Apesar da diminuta formação teológica-pastoral, o bispo de Coimbra foi arrojado e inovador na área pastoral. Quando tomou posse, uma das primeiras apostas foi a visita pastoral a todas as paróquias?
JR – Como era jovem, a primeira coisa que pretendeu foi visitar toda a diocese, a começar pelas paróquias mais afastadas. Nessa altura, a diocese de Coimbra não tinha a mesma geografia que tem actualmente. Ainda não tinha sido feita a revisão e reestruturação das dioceses de 1882. As paróquias da Serra da Estrela faziam então parte da diocese de Coimbra. Foi por esses territórios serranos – existem descrições belíssimas – que D. Manuel Bastos Pina começou as visitas pastorais. Após a realização destas, o bispo enviava relatórios ao Secretário de Estado dos Cultos e da Justiça e ao Núncio Apostólico.
AE – Verdadeiros documentos explicativos da sociedade portuguesa no século XIX?
JR – Chegavam a dar sugestões para o progresso. Recordo que quando ele foi a Castanheira de Pêra, onde existia um grande desenvolvimento na área dos lanifícios, D. Bastos de Pina escreveu que «estava admirado como se conseguiu – sem estradas nenhumas – transportar para aquele local todas aquelas máquinas».
AE – A vertente social também esteve presente no seu múnus episcopal. Criou o primeiro bairro operário do país em Coimbra?
JR – Verdade. O primeiro bairro operário do país foi mandado construir por D. Manuel Bastos de Pina aquando dos 25 anos do seu episcopado. Em 1897, quando celebrou as bodas de prata episcopais ofereceram-lhe muitas prendas, algumas de grande valor, e ele achou que a melhor forma de «gastar» o dinheiro era construir um bairro deste género. Escolheu um lugar na actual paróquia de Nossa Senhora de Lourdes. Mas a preocupação de Bastos Pina pelos operários não passou apenas por aquela construção. Uma das grandes preocupações do bispo de Coimbra era «dar» trabalho. Aliás, no Seminário de Coimbra existem duas casas de um e outro lado do edifício central que foram mandadas fazer por Bastos Pina. A primeira foi uma «exigência» da Santa Sé, porque o acusavam que os alunos estavam mal instalados, porque, na altura, o Seminário recebia pensionistas (estudantes universitários). Em relação ao segundo edifício, a história é diferente. Como havia trabalhadores desempregados na sua aldeia (Carregosa – Oliveira de Azeméis) contratou-os para fazerem uma casa igual à primeira. Assim não corriam o perigo de emigrar, podendo permanecer mais próximos das suas famílias.
AE – Para além das preocupações laborais, a saúde pública também o inquietava. Chegou mesmo a manifestar-se contra a cultura do arroz porque os pântanos eram focos de doenças.
JR – Foram várias as campanhas feitas pelo Bispo Conde (era assim que eram tratados, desde o século XV, os prelados de Coimbra) a favor da saúde pública. Foi um dos grandes apoiantes da rainha D. Amélia na questão da tuberculose. Em relação à cultura do arroz e à elevada taxa de mortalidade no baixo Mondego, D. Manuel, com o parecer de muitos médicos, pensava que as pessoas morriam porque estavam em contacto com as águas pantanosas. Hoje sabe-se que era devido à picada do mosquito. Ele tentou acabar com a cultura do arroz naquela zona. Escreveu mesmo relatórios onde explicava a taxa de natalidade e taxa de mortalidade em cada paróquia. Chegou à conclusão que no Baixo Mondego morriam mais pessoas do que nasciam. Escreveu também pastorais sobre os hábitos de higiene, nomeadamente dentro das igrejas, e defendeu os enterramentos nos cemitérios.
AE – A formação do clero – tanto do ponto de vista intelectual como humano – também estava no centro das suas preocupações? Tentou até «romanizar» o ensino teológico?
JR – Bastos de Pina procurou que o clero de Coimbra fosse exemplar a nível espiritual e intelectual. Procurou que existissem sempre bons directores espirituais e bons professores no seminário. Neste contexto foi enviado para Roma, Joaquim Santos Abranches – um nome incontornável da cultura em Portugal – que escreveu a «Summa do bullario portuguez». Depois dos estudos feitos teológicos e canónicos feitos em Roma veio para director espiritual do seminário. Depois dele, Bastos Pina enviou também para Roma três jovens padres como capelães de Santo António dos Portugueses, com a recomendação de que deviam estudar e adquirir novos conhecimentos, frequentando alguma das universidades pontifícias. De seguida enviou um aluno novinho (com 16 anos) que tinha feito apenas os estudos preparatórios: João Evangelista Lima Vidal. Formou-se em Filosofia e doutorou-se em Teologia. Foi um dos grandes professores em Coimbra, até 1909, altura em que foi nomeado bispo de Angola e, posteriormente, bispo de Vila Real e de Aveiro. Em seguida, quando, em 1900, foi fundado o Colégio Português, o Bispo Conde enviou para lá o jovem sacerdote António Antunes, que se doutorou em Teologia e seria, depois, reitor do Seminário, bispo coadjutor e residencial de Coimbra.
AE – Pode depreender-se das suas palavras que o Bispo Conde deu uma nova vida ao Seminário de Coimbra.
JR – Pode dizer-se, sem medo de fugir à verdade, que D. Manuel Bastos Pina foi o «segundo fundador» do Seminário de Coimbra porque reorganizou, totalmente, os estudos eclesiásticos, ampliou e valorizou o património construído, e se preocupou com a preparação não apenas intelectual mas também pastoral dos futuros padres. Depois de 1883 – quando se deu o desencontro devido ao regalismo (os professores da Universidade defendiam que o Estado é que devia inspeccionar a Faculdade, mas D. Bastos de Pina defendia que, em matéria espiritual e teológica, devia ser a Santa Sé e o prelado diocesano) – o bispo de Coimbra dispensou os lentes das aulas no Seminário, arranjando um grupo de padres diocesanos com competência para leccionarem o curso teológico. Além disso, quando, na sequência da encíclica «Aeterni Patris», de 4 de Agosto de 1879, fundou a Academia Tomista de Coimbra, pediu ao Papa Leão XIII que lhe enviasse um professor de filosofia com formação romana. Veio Tiago Sinibaldi que brilhou no ensino dessa matéria, e que escreveu um manual de filosofia seguido em todos os cursos dos seminários.
AE – Mudando de assunto. Antes de ser bispo, Bastos de Pina foi acusado de ser «inimigo» dos conventos?
JR – Foi uma acusação que surgiu no final do bispado de D. José Manuel de Lemos. Era uma mentira descarada. Em 1834, os conventos masculinos foram todos extintos. Tal não aconteceu com os conventos das religiosas que ficaram ao abrigo da lei de 5 de Agosto de 1833 que dizia que não podiam receber novas noviças. Portanto, os mosteiros e conventos de religiosas continuariam até à morte da última freira professa. Ora, na diocese de Coimbra, como nas outras, existiam variadíssimos mosteiros e, numa determinada altura, o governo mandou uma carta a todos os governadores das dioceses ou bispos a propor que se reunissem todas as religiosas no mesmo convento. Em Coimbra, propuseram o convento de Santa Clara. Seria ali que seriam instaladas todas as professas, sem se atender à diversidade de regras e de costumes próprios. Logicamente que o que o Governo pretendia era apoderar-se dos bens dos conventos entretanto libertos. Ora, num primeiro momento, a Bastos Pina não lhe terá parecido mal ou, pelo menos, não se opôs devidamente e mandou, inclusivamente, uma carta a todos os conventos, nomeadamente, ao Convento do Carmo de Tentúgal a propor às irmãs a vinda de todas para Santa Clara. Por causa disso, alguns padres começaram a dizer que era o governador do bispado quem pretendia extinguir os conventos. Isso não era verdade. De resto, viu-se depois como foi grande o carinho com que Bastos Pina tratou as religiosas sobreviventes e como tentou salvar o património religioso dos conventos.
AE – Sabe-se que salvaguardou o património destas casas. Deve-se-lhe a criação do Museu de Arte Sacra?
JR – O Museu de Arte Sacra é, precisamente, uma tentativa de Bastos Pina para colocar a salvo muita arte destes conventos e de algumas igrejas. Mandou que algumas das salas do edifício da Sé se destinassem a esse fim. Aliás, em 1910, todo o espólio deste museu diocesano foi incorporado no Museu Machado de Castro. HRecordo que há cerca de dez anos esteve patente ao público uma exposição de ourivesaria no Museu Machado de Castro, com mais de trezentas peças, e apenas três é que não eram do espólio que tinha sido adquirido por Bastos Pina. Ele dizia que o Museu da Sé era, no seu género, o segundo melhor da Europa.
AE – Apesar da ajuda monetária da rainha D. Amélia, o restauro da Sé velha de Coimbra também se lhe deve?
JR – O restauro da Sé velha deve-se, sobretudo, a três pessoas: António Augusto Gonçalves, Bastos Pina e a Rainha D. Amélia.
AE – A proximidade dele com a rainha D. Amélia era conhecida. D. Manuel Bastos Pina chegou mesmo a pedir-lhe para que movesse influências na transferência de D. António Mendes Belo (estava no Algarve) para a diocese do Porto, após a morte do Cardeal D. Américo?
JR – Apesar de ser um eclesiástico de carreira, D. António Mendes Belo era um bispo de provada virtude e com provas dadas na administração diocesana. D. Manuel Bastos de Pina intercedeu – lembrou à rainha – que quem deveria ir para o Porto era Mendes Belo. Foi uma atitude onde entrou, por certo, a amizade pessoal, mas sobretudo o reconhecimento de que os lugares importantes deveriam ser ocupados pelas pessoas mais preparadas. A futura nomeação de Mendes Belo para o Patriarcado veio dar razão a Bastos Pina.
AE – Qual o papel do Bispo Conde no período conturbado da 1ª República?
JR – Em 1906, Bastos Pina teve uma doença grave que o limitou bastante. Ele e o cardeal D. Américo haviam sido o esplendor do Episcopado no final do século XIX. Mas aquando do advento da República, a 5 de Outubro de 1910, tinha quase 80 anos e uma saúde muito debilitada. Mesmo antes, já tinha existido a tentativa por parte do Governo para que ele saísse do paço episcopal, que deveria ser transformado em hospital. O Bispo Conde não aceitou, por lhe parecer que não era do mesmo valor a casa que lhe ofereciam em troca. Acabou, no entanto, por ficar sem nenhuma delas. De facto, quando foi implantada a República Bastos Pina saiu de Coimbra para a casa que mandara construir na sua terra natal, e por lá ficou durante algum tempo. Quando voltou a Coimbra, o paço episcopal tinha sido ocupado, como aconteceu a todos os outros paços episcopais do país. Nestas circunstâncias, viu-se obrigado a aceitar o acolhimento que lhe o seu sobrinho, o poeta Eugénio de Castro.
AE – A célebre pastoral de Novembro 1911 e o pedido de beneplácito para o documento «manchou» a parte final do seu episcopado. Um deslize mal entendido pelo clero diocesano e também pelos bispos?
JR – Era a idade… Já não estava na plenitude das suas faculdades. Depois pediu desculpa ao clero e membros do episcopado.
AE – Pediu mesmo a resignação.
JR – Mas a Santa Sé não aceitou. No entanto, ele nomeou um governador para o bispado, o Cónego Alves Matos, e foi viver para a sua terra, ali vindo a falecer a 19 de Novembro de 1913, no dia em que completava 83 anos de idade.
AE – Após a sua morte, como é que a diocese viveu estes momentos de turbulência?
JR – Quando faleceu Bastos Pina, D. José Alves Matoso era o governador do bispado, mas estava desterrado no Luso. Após a morte do bispo, o Cabido em vez de o escolher a ele para vigário capitular, elegeu o Cónego José Duarte Dias Andrade, o que levantou algumas suspeitas de irregularidade canónica. Mas tudo se recompôs com a nomeação, no último dia do ano de 1914, do Dr. Manuel Luís Coelho da Silva (governador da diocese do Porto quando D. António Barroso foi desterrado) para bispo diocesano
AE – Este seu sucessor era muito diferente?
JR – Todos os bispos são diferentes. Este era um homem muito corajoso e dotado de uma vontade férrea. Formado em Direito por Coimbra, D. Manuel Luis Coelho da Silva era o autor do manual de «Direito Paroquial». Dominava, como poucos, a área da organização eclesiástica. A ele se deve a reestruturação dos serviços diocesanos e o relançamento de uma intensa actividade pastoral. Mas isso dava para outra longa conversa…