Jesuíta e novo coordenador do Serviço Nacional da Pastoral do Ensino Superior quer eliminar «comportamentos estanques» na vida, encontrar os muitos jovens que participam nas bênçãos de pastas e ajudar a «formar pessoas livres, conscientes, compassivas e crentes»
Évora, 27 set 2024 (Ecclesia) – O padre Miguel Gonçalves Ferreira, jesuíta e nomeado novo coordenador Serviço Nacional da Pastoral do Ensino Superior, indicou a importância de criar espaços onde os jovens se encontrem, se escutem, se sintam acompanhados e possam fazer perguntas.
“As pessoas sentem, muitas vezes, que em espaços de Igreja ou não se pode fazer perguntas, porque se vai escandalizar ou porque o senhor padre não vai gostar. Esta capacidade de fazer perguntas e, depois, escutar respostas e esta capacidade de estar com as pessoas nas dificuldades que realmente têm, de, no diálogo que se estabelece, haver alguma consistência, profundidade, algo que nos faz ir mais além, que não é apenas uma resposta pré-formatada que não chega a um jovem. Se, na verdade, eu não posso pôr perguntas, tenho medo de as colocar ou medo da reação às perguntas, ou se as respostas que me são dadas são fórmulas feitas, vazias e apenas às quais temos que aderir sem perceber, nem isso é verdadeiramente cristão, não é?”, indica o novo responsável à Agência ECCLESIA.
Reconhecendo que o tempo universitário é uma fase de perguntas, que tantas vezes não são feitas antes, no percurso catequético e antes da celebração do Crisma, o padre Miguel Ferreira, que tem acompanhado a pastoral nos centros universitários ligados à Companhia de Jesus, sublinha a importância de uma presença próxima e humanizadora.
“Os jovens encontram tantas vezes um sítio que é frio, que é distante. Há uma grande distância com os professores, com os processos burocráticos, com os processos pedagógicos, e os alunos sentem-se perdidos, num local onde também não têm assim tanta liberdade, entre críticas e ‘personas’ que se criam”, reconhece.
O novo responsável acredita em espaços de pastoral universitária onde a vida acontece, com uma presença “não teórica” e onde o caminho espiritual se vive com naturalidade, ajudando a que “o caminho espiritual, tenha equivalência ao percurso pessoal e intelectual”.
“O problema é que a fé ficou no elementar da Primeira Comunhão, dos que a fizeram, ou do crisma, muitas vezes feito tão cedo e ainda antes das perguntas vitais. O tempo da Universidade cruza-se com as perguntas vitais sobre a vocação, sobre o que é que Deus chama a ser, sobre a identidade. É um tempo vital onde se faz amigos essenciais que estruturam a vida, tantas vezes é o lugar onde as pessoas encontram alguém com quem irão constituir família. O tempo da Universidade é o tempo de chegar à idade adulta, com todas as capacidades, mas também com toda a liberdade e queremos ajudar a formar pessoas livres, conscientes, compassivas, pessoas crentes”, sublinha.
O padre Miguel Gonçalves Ferreira, que tem acompanhado pessoas e grupos nos centros universitários dos Jesuítas em Lisboa, no Porto, em Coimbra e, atualmente, em Évora, onde reside e participa do Casarão, olha para eventos que assinalam a presença da Igreja católica em espaços universitários e perspetiva a integração da vida contrariando os “compartimentos estanques”.
“Nas celebrações de bênçãos dos finalistas em que participo, e em Lisboa é uma experiência massiva, pergunto onde é que estão estes jovens durante o tempo da sua universidade? Ali estarão pessoas com muito, pouca e nenhuma pertença espiritual. Poderá ser uma questão de linguagem, é também uma questão de espaços de encontro e de disponibilidade. O grande desafio é, exatamente, não fazer da fé, da vida profissional e da vida académica compartimentos estanques que não têm nada a ver uns com os outros”, traduz.
Experiências vividas pelos jovens na Missão País, uma proposta realizada de jovens para jovens que se traduz em semanas missionárias em localidades isoladas do interior do país, podem ser propostas onde se partilham “ritmos, interrogações”, podem ser eventos “transformadores” mas o responsável alerta para a importância de haver um seguimento.
“É um evento transformador, porque é uma semana, porque é um tempo que envolve preparação, porque mobiliza, mas o grande desafio para a pastoral universitária é que possa ter um seguimento, possa continuar, e em muitos sítios isso acontece”, reconhece.
Desafiado a olhar para o que a Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023 poderá ter provocado nos jovens, também em âmbito universitário, o coordenador fala num período de “ressaca que deveria estar a acabar”.
“Não há dúvida que foi um acontecimento extraordinário, que não podemos relegar para o baú das memórias ou até do esquecimento. Sinto que tem ainda muito potencial para ser redescoberto. Foi uma forma muito eloquente de demonstrar o ser cristão e acho que devemos dedicar-nos a tirar do tesouro que foi, coisas novas e velhas, e a perceber as sementes que foram deixadas – não tenho dúvida que foram muitas. Devemos saber encontrá-las e saber dar-lhes bom terreno”, finaliza.
A conversa com o padre Miguel Gonçalves Ferreira pode ser acompanhada no programa Ecclesia a emitir este sábado, na Antena 1, pelas 06h00.
LS