Ensinar a pensar

D. José Policarpo, no dia da UCP, referiu que muitos portugueses não procuram o sentido da vida, querem apenas resolver problemas concretos Discurso de D. José Policarpo na Sessão Comemorativa do 40º Aniversário da Universidade Católica Portuguesa Faculdade de Filosofia Braga, 2 de Fevereiro de 2007 1. Quarenta anos depois! Para muitos de nós foram quarenta anos das nossas vidas, dedicadas ao desenvolvimento da Universidade Católica. É dever de justiça e de gratidão que eu, actual Magno Chanceler, evoque neste momento as figuras marcantes dos dois Chanceleres anteriores: o Cardeal D. Manuel Gonçalves Cerejeira que, com a sua persistência, conseguiu transformar a “utopia” em realidade. Grande universitário na primeira parte do Séc. XX, viveu os tempos agitados da Implantação da República e do choque cultural por ela provocado. Era sua preocupação garantir, na mutação cultural, a presença do pensamento cristão, garantido e credenciado pela qualidade académica. E o Cardeal D. António Ribeiro, que embora nunca tendo sido um académico, esteve na base do lançamento do Centro de Cultura Católica, verdadeiro percursor da Universidade Católica e que como o seu antecessor viveu o seu ministério episcopal em ambiente social de mudança de regime político, com o choque cultural provocado pela Revolução de Abril. É igualmente forçoso evocar o primeiro Reitor, P. José Bacelar e Oliveira, lutador incansável por esta causa, e que no pragmatismo com que reagia às circunstâncias em tempos agitados da vida social, nunca abandonou a ideia mestra do filósofo, para quem a Universidade valia e se justificava pela qualidade da sua intervenção cultural. Mais do que formar técnicos, a cuja hipótese se foi abrindo por pragmatismo, para ele a função da Universidade era ensinar a pensar, a pensar a fé, o homem, a sociedade. Na sua óptica só se justificava que a Universidade enveredasse pela formação específica de áreas profissionais de intervenção na sociedade, se a todos ensinasse a pensar, a fé, o homem, a sociedade. 2. A maneira como a Universidade se desenvolveu, ao longo destes quarenta anos, não obedeceu, necessariamente, a um projecto programático concreto. Queria ser uma Universidade, por conseguinte aberta à universalidade dos saberes, mas cresceu ao ritmo das possibilidades e das circunstâncias. A única ideia mestra sempre presente, foi a da sua intervenção na cultura, ensinando a pensar. Tê-lo-á conseguido? Os vindouros nos julgarão. Neste quadro reveste-se de força simbólica o facto de a Universidade Católica portuguesa ter nascido nesta casa, instituindo como sua primeira Faculdade a Faculdade de Filosofia da Companhia de Jesus, já nessa altura um dos mais prestigiados centros do pensamento filosófico em Portugal. Com essa opção, a Santa Sé e os fundadores da Universidade Católica Portuguesa quiseram sublinhar o papel da Filosofia na intervenção cultural e na arte de pensar. De facto, como escreveu o Papa João Paulo II, “a Filosofia, cujo contributo específico é colocar a questão do sentido da vida e esboçar a resposta, constituindo uma das tarefas mais nobres da humanidade”1. Seguia-se-lhe a Faculdade de Teologia, cuja função primordial é pensar a fé e compreender o homem e a história à luz da fé. A sua complementaridade com a Filosofia é evidente, porque se a esta compete aprofundar os dinamismos da razão na prossecução da verdade, compete à Teologia mostrar que entre a fé e a razão não há incompatibilidade, porque ao acolher a Palavra revelada, assume a fé que a ela responde, como um dos actos mais nobres da razão. 3. São conturbados os tempos que vivemos em termos de mutação cultural. Ao longo dos séculos foi papel da Filosofia aprofundar o sentido da existência humana, procurando respostas para as questões primordiais que a caracterizam. Trata-se, no dizer de João Paulo II, “das questões que têm a sua fonte comum naquela exigência de sentido que, desde sempre, urge no coração do homem. Da resposta a tais perguntas depende, efectivamente, a orientação que se imprime à existência”2. O debate que, no momento presente, mobiliza a sociedade portuguesa, revela-nos uma deriva cultural preocupante. Muitos dos intervenientes já não se confrontam com essas questões primordiais acerca da vida, da responsabilidade da liberdade, da dimensão ética da cultura. A exigência ética é transposta apenas para a liberdade individual, esquecendo que também é uma componente fundamental da cultura que inspira as leis e rege os comportamentos da comunidade. A progressiva ausência da Filosofia na educação dos portugueses não é alheia a esta mutação cultural. Muitos portugueses já não procuram o sentido da vida, querem apenas resolver problemas concretos. A função cultural desta Universidade é cada vez mais premente. Façamos tudo o que estiver ao nosso alcance, pelos meios que nos são próprios, para ensinar a pensar. Disso dependerá a dignidade da vida e a grandeza da liberdade. D. José Policarpo, Cardeal-Patriarca Magno Chanceler

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