A respeito da nova lei da imigração As sucessivas alterações legislativas vividas na última década têm procurado (re)construir mecanismos jurídicos e legais aptos a “reagir” ao fenómeno crescente e imprevisível da imigração. Todas as leis tem apresentado progressos e regressos e as organizações católicas não têm ficado indiferentes às mudanças de olhar que caracteriza a alternância política dos Governos. Os políticos tem-se debruçado, sobretudo, em intensificar o controle e gestão dos fluxos, defender as fronteiras, combater a imigração ilegal, insistindo numa visão securitária, policial, repleta de cautelas, que enfraqueceu a visão humanitária, solidária e a própria agilização legal da imigração. Desde 1996, ano da 2ª Regularização Extraordinária, assistimos a sucessivas alterações e regulamentações da “lei de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional”, que revelam uma imigração à mercê dos políticos e da administração do Estado, mas também dos traficantes, intermediários fraudulentos e proxenetas, pecando por falta de uma leitura adequada e participada pela sociedade civil à realidade social que é a imigração hodierna. As organizações católicas, às vezes com alguma incompreensão por parte da hierarquia e de alguns movimentos eclesiais, têm ousado apresentar comentários, criticas e propostas, fruto da experiência no terreno, mas alguma desarticulação e individualismo na estratégia, acrescida da inércia de algumas dioceses, não permitiu chegar mais longe na defesa dos direitos dos imigrantes e refugiados, assim como na oferta dum contributo mais eficaz na mudança de olhar das comunidades cristãs, em geral, sobre os imigrantes vencendo alguma resistência ao acolhimento reciproco e incutindo critérios evangélicos e pedagógicos de integração plena. Peregrinos entre a letra e o espírito da lei A Igreja, no seu magistério para a mobilidade humana, mantém o equilíbrio entre a proclamação do direito a emigrar e o reconhecimento do direito a regular os fluxos migratórios por parte dos Estados. Partindo deste princípio da pensamento social cristão, as organizações católicas entendem que as leis no que concerne “assuntos” relacionados, sobretudo, com a admissão, residência, trabalho e expulsão de estrangeiros – e o que está em causa são apenas os oriundos de países externos à União Europeia – em território nacional, podem facilitar ou dificultar a integração, a participação e até a justiça e coesão sociais. A exemplo dos patriarcas e profetas bíblicos e do próprio Cristo, os cristãos são convidados a “ver” nos imigrantes, mensageiros de Deus, e aceitar a revelação do próprio Cisto mendiga acolhimento digno e pronto. Como se sabe, a Igreja não têm nacionalidade: é universal na diversidade; para ela não há “ilegais”, mas apenas pessoas em busca de paz e trabalho; proclama a legalidade e o respeito pelas leis, mas também as “objecta” conscientemente quando são letra morta ou mortal, lesando a vida dos mais vulneráveis, violando a dignidade humana e deixando impunes os prevaricadores e “traficantes de carne humana”, como já denunciava o apostolo dos migrantes em finais do séc. XIX. Á Igreja, que “está no mundo sem ser do mundo”, que “está em Portugal sem ser portuguesa”, dizem respeito todas as dimensões da vida das pessoas. Na verdade, muitas das situações que afectam hoje e aqui os mais vulneráveis, de modo particular, os milhares de irregulares, têm a ver com as medidas “cautelosas” de legalização, o processo infernal da renovação de documentos, as lacunas omitidas voluntariamente pelos reféns de ideologias securitárias, e as consecutivas e desarticuladas mudanças da leis que pelo caminho vão produzindo tantos casos “pendentes”… As leis e a sua rigorosa aplicabilidade são uma condição imprescindível na integração e no acesso aos direitos, ás liberdades e aos deveres humanos. Dignificando as pessoas e famílias Neste momento são várias as preocupações da Igreja: antes de tudo a dignifi-cação do trabalho humano e a justiça na remuneração; a igualdade de tratamento e o combate às discriminações de género, de nacionalidade e de língua; o direito ao reagrupamento familiar e o direito a viver em família; a defesa da identidade e do património cultural, linguístico e religioso; a campanha pela ratificação da Convenção ONU de protecção dos trabalhadores migrantes e membros das suas famílias; os direitos humanos e a protecção da vida dos imigrantes irregulares, assim como das pessoas que colaboram com a justiça na denúncia de traficantes de pessoas e de angariadores violentos de mão-de-obra ilegal; a luta contra a prostituição e o tráfico de pessoas. Estes são alguns dos valores que animam a acção das organizações católicas e que devem estar na base dos critérios de avaliação do actual anteprojecto de lei, mas também na base do surgimento de uma “visão nova” das comunidades cristãs no que concerne a pessoa dos imigrantes, as suas histórias reais, os seus múltiplos problemas familiares e a sua peregrinação na fé. Avaliar a lei à luz do Evangelho Desde o mês de Outubro que o Governo tem vindo a anunciar a alteração da lei. Apesar de tudo se ter mantido no segredo dos deuses, procuramo-nos preparar para este momento de decisiva participação cívica dos católicos pois considerarmos imprescindível a participação da Sociedade Civil, para salvaguardar a lei das ideologias securitárias dos políticos que, a olhar para as alterações anteriores, se obstinaram em medidas que estavam “a leste” da realidade. Em Maio procurámos ouvir as dioceses, através dos seus secretariados diocesanos das migrações, para compreender o que se passa a nível da vida real dos imigrantes e suas comunidades, pois nota-se uma diminuição da acção e da palavra das dioceses, nesta área. Neste momento, aproveitando a oportunidade pública dada pelo Governo, estamos a solicitar às dioceses e movimentos que organizem “audições” com os outros parceiros da Igreja e da Sociedade Civil. Apesar de alguns já terem respondido ao desafio, preocupa-nos o silêncio de outros, que depois são os primeiros a protestar mas sem razão pois não aceitaram participar quando era dada a oportunidade. A esperança anima-nos pois o Fórum de Organizações Católicas para a Imigração (FORCIM) já realizou uma audição no passado dia 7, o Porto vai realizá-la dia 17, Beja no dia próximo dia 23. No dia 29 de Junho será a Audição final a nível nacional, com a presença da Comissão Episcopal da Mobilidade Humana e peritos convidados para formular o nosso parecer jurídico e social. Oxalá outras dioceses e movimentos saibam ler os actuais “sinais dos tempos” que as migrações guardam como um tesouro, e discernir a importância deste “kairós” libertador e reconciliador para a missão profética da Igreja no mundo dos homens e dos povos, aqui e agora! Rui M. da Silva Pedro, director da Obra Católica Portuguesa de Migrações