«Em Cristo, tudo é novo»

Homilia de D. Augusto César, na peregrinação de 13 de Março, em Fátima. Em Cristo, tudo é novo O Apóstolo Paulo acaba de usar uma expressão com ressonâncias apocalípticas: ‘nova criatura’! E isto para pôr em contraste o ‘mundo velho’ (com tudo o que tem de apego à letra da lei e a uma certa ambição terrena)… e o ‘mundo novo’ onde o espírito enche o caminho de luz e de confiança. E onde se encontra a razão desta mudança? Na intervenção prodigiosa de Deus, que afecta a existência humana no que ela tem de mais profundo, em vez de ficar pelas alterações exteriores do cosmos. Pois, a grande mudança dá-se nas pessoas e não nas coisas. E será esse o caminho que Jesus Cristo vai trilhar? É, com certeza, uma vez que n’Ele se realiza a ‘reconciliação’ do homem com Deus. E, para sublinhar esta ideia, Paulo insiste dez vezes na expressão, cinco das quais nesta passagem da carta. E depois de denunciar alguns falsos irmãos que vieram, como intrusos, para provocar um certo distanciamento entre os coríntios e ele, Paulo afirma claramente que o caminho da reconciliação passa primeiramente por Deus. Daí, a advertência aos coríntios, embora repassada de afecto, e que vale para os cristãos de todos os tempos. Na realidade, a paz que os homens desejam construir entre si, resulta duma experiência feita primeiramente com Deus. Daí, o lugar da conversão, na mensagem de Nossa Senhora de Fátima e o lugar do confessionário neste Santuário. Tudo isto, porque Jesus Cristo, sendo o verdadeiro agente da reconciliação, mediante a Sua morte e ressurreição, confiou à Igreja o dom da mediação e a graça dos Sacramentos. E, assim, falamos da solidariedade de Jesus Cristo com a humanidade e falamos do homem novo, a partir da experiência do baptismo. É também neste sentido que o mesmo Apóstolo diz em Gálatas: “Cristo livrou-nos da maldição da lei, tornando-se maldição por nós”. Ou seja: aceitou voluntariamente as consequências do pecado, apesar da Sua total inocência. E, assim, nós somos fruto da Sua doação gratuita e da misericórdia de Deus n’Ele expressa. Poderemos, então, regatear os sacramentos, como dom do Seu amor ou substituir a Eucaristia por alguma promessa, cumprida mesmo com sacrifício? Não deixemos que o laicismo nos dê lições de fé e se queira transformar em religião de ‘estado’. A laicidade é diferente, se respeitar a fé e os seus valores espirituais. Mas a tentação põe à prova o nosso testemunho e gostaria, até, que nos esquecêssemos de perguntar, a cada momento: Pai, qual é a Tua vontade? Ora, esta era a norma da Sagrada Família de Nazaré e deve ser a dos cristãos. Com Maria, o caminho inspira confiança Nesta hora, porém, somos convidados a voltar os olhos para o Calvário, de acordo com a leitura do Evangelho. Jesus acaba de exalar o último suspiro, entregando ao Pai o Seu ‘projecto’: “Nas Tuas mãos, ó Pai, entrego o Meu espírito”. E inclinando a cabeça, balbuciou: “Tudo está consumado”! Ora, nesta forma de ser e de viver, não há lugar para o ‘acaso’ nem para o ‘capricho’. Mas, sim, uma complacência diante do que é bom e do homem feito à imagem e semelhança de Deus! Por isso, os argumentos que se usam para privar alguém de ser ou para justificar o morrer, traduzem o cinismo do tempo e caçoam da verdadeira liberdade. Deixai-me lembrar o exemplo do Papa João Paulo lI, na fase final da sua vida e na manifestação crente, diante da sua morte: foi a melhor resposta à nossa sociedade economicista, que rejeita os velhos e os doentes, à conta da máquina de calcular. E discursos destes, ouvimo-los todos os dias! Mas vamos olhar, de novo, para o Calvário: os soldados entretêm-se a repartir as vestes… as santas mulheres a colocar as ligaduras… e Maria, mãe de Jesus (mencionada seis vezes no texto), ocupa o lugar central, uma vez que alia o sofrimento à fidelidade, em ordem ao ‘novo parto’ donde nasce a Igreja e o homem novo. Daí, a advertência ao discípulo amado, como referência a cada um de nós (“eis aí o teu filho”) e a Maria, como ‘mulher’ bíblica, que ocupa a história, com o nome de ‘nova Eva’. Quer dizer: chegou a ‘hora’ de Jesus, e, com ela, a hora de Maria e da Igreja que Ela simboliza. E assim, o discípulo amado recebe em sua casa a Mãe de Jesus, como sua mãe, isto é, como algo que lhe pertence e a que não pode renunciar. Pois, a verdadeira herança do discípulo é a fé. E, assim, esta cena representa, em síntese, a obra que Jesus vinha realizar. Ou seja: nascendo a Igreja, Ele pode morrer, pois é esta que prolonga a Sua acção – a salvação do homem! Portanto, a missão do discípulo amado nasce da Cruz; e da Cruz nasce também a dupla missão de Maria: isto é, enquanto mãe de Jesus, merece que os crentes lhe dediquem todo o respeito e veneração; e enquanto mãe e símbolo da Igreja, deve ser acolhida com gratidão e sem desistência. Pois, cada um de nós está implicado nesta ‘hora’, tão singular como cheia de plenitude. Será que acreditamos nisto com a vida e renovamos neste Santuário o nosso acto de fé? Então, regressemos como discípulos amados e demos testemunho do que somos, diante do mundo que teima em ser órfão e descrente, – embora sinta necessidade da nossa fé. E talvez nos seja útil guardar silêncio, à sombra desta Capelinha das Aparições. Pois, foi neste lugar que Nossa Senhora revelou aos Pastorinhos o encanto do céu e os atraiu com afecto maternal. “Ai que Senhora tão linda”, dizia a Jacinta!. . E a seguir à visão do inferno: “Nós, não havemos de ofender, nunca, Nosso Senhor, pois está muito ofendido”! E será assim? Olhai as guerras… as crianças maltratadas, antes e depois de nascer… os avós distantes dos netos e, muitas vezes, sem visitas da família… uma autonomia agressiva (vazia de valores) que os Media denunciam e, logo a seguir, julgam na praça pública, como se fossem juízes… e, no meio disto tudo e por causa disto, Jesus crucificado em todos os que sofrem injustamente! Afinal, o Calvário de Jesus não é só d’Ele e de Sua Mãe; pois, a Igreja passa pelos caminhos do mundo, carregando com a cruz e pedindo aos ‘cireneus’ que têm coração, que pousem a enxada dos afazeres e ajudem os que sofrem. Isto, é ser cristão e ser peregrino de Fátima. E Nossa Senhora pediu aos Pastorinhos… para que outros entendessem a mensagem e fossem à frente. Podemos ser nós, mas temos de vencer o egoísmo e abrir o coração a um ideal que saiba sorrir e exercer a caridade, deixando para trás a mediocridade e os discursos inchados. A vida, na intenção de Deus, quanto mais se dá, mais se lucra. E os pais devem ser mestres, fazendo juntamente com os filhos, uma escola de amor circular, que não desiste da virtude, nem mesmo nas dificuldades. Faz-nos bem olhar para Maria, junto à Cruz, e em muitas outras circunstâncias provadas de carências materiais e de sofrimento indizível, diante do filho rejeitado e condenado. Mas, se a lei do amor é não desistir, o amor de mãe é grande como a fidelidade. E sem julgar as famílias, sofremos com as que sofrem e rezamos por todas elas, mormente quando a provação põe em risco o amor e faz alternar os filhos ao fim de semana. Oxalá que pelo mundo além se oiça cantar o “Ave” de Fátima, com sabor aos apelos do céu… e que o murmúrio do Rosário seja a oração de muita gente, como Nossa Senhora pediu. Fátima, 13 de Março de 2007 D. Augusto César

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