Homilia de D. António Couto na Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, e 53.º Dia Mundial da Paz
1. Amados irmãos e irmãs. Aqui estamos, oito dias depois do Natal do Senhor e ainda alumiados por aquela Luz intensa e aquecidos por aquele Lume novo, a celebrar a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, a quem dedicamos o Primeiro Dia do Novo Ano Civil de 2020. Este luminoso Dia, primeiro de janeiro e do ano inteiro, que dedicamos a Santa Maria, Mãe de Deus, é também o tradicional Dia de «Ano Bom», a que anda associado, desde 1968, o Dia Mundial da Paz.
2. Portanto, contas acertadas, este é já o 53.º Dia Mundial da Paz, e a figura que enche este Dia, e que é a causa da nossa Alegria, é a figura de Maria, na sua fisionomia mais alta, a de Mãe de Deus, como foi solenemente proclamada no Concílio de Éfeso, no ano 431, mas já assim luminosamente desenhada nas páginas do Novo Testamento.
3. É assim que a encontramos no Lecionário de hoje. Desde logo naquela menção sóbria com que Paulo se refere à Mãe de Jesus, escrevendo aos Gálatas: «Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher, nascido sujeito à Lei» (4,4). Nesta linha breve e densa aparece compendiado o mistério da Encarnação, ao mesmo tempo que se sente já pulsar o coração da Mariologia: Maria não é grande em si mesma; é, na verdade, uma «mulher», verdadeiramente nossa irmã na sua condição de humana criatura. Não é grande em si mesma, mas é grande por ser a Mãe do Filho de Deus, e é aqui que ela nos ultrapassa, imaculada por graça, bem-aventurada e bem-aventurança, nossa mãe na fé e na esperança. Maria não é grande em si mesma; vem-lhe de Deus essa grandeza.
4. Sim, amados irmãos e irmãs, é de Deus que nos vem o Verbo feito carne, e tudo o que a Ele diz respeito, pois foi d’Ele que falaram os Profetas, é d’Ele que falam os pastores, é d’Ele que falam Simeão e Ana e todos os Apóstolos, e tem de ser d’Ele que falamos nós também, a exemplo de Maria, a Senhora deste Dia, que guardava e compunha no seu coração filial e maternal, com extremosa atenção e desvelo, como quem guarda um tesouro ou uma coisa preciosa, como quem compõe um Poema, uma Sinfonia, e se entretém a vida toda a trautear essa melodia, e a conjugar novos acordes de alegria (cf. Lucas 2,16-21).
5. Esta solicitude maternal de Maria, habitada por esta imensa melodia que nos vem de Deus e nos reconcilia e enche de alegria, levou o Santo Papa Paulo VI, a associar, desde 1968, à Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, a celebração do Dia Mundial da Paz. Hoje é já o 53.º Dia Mundial da Paz que se celebra, e o Papa Francisco apôs-lhe o tema «A paz como caminho de esperança: diálogo, reconciliação e conversão ecológica». Que é como quem diz: há sete biliões de rostos belos para amar, mas também há sete biliões de solidões para abraçar, e sete biliões de egoísmos alérgicos para curar! E que fazemos nós? Assobiamos para o ar, dizemos mal uns dos outros, andamos por aí sem saber o que fazer, e sem nos importarmos nada com isso. E o nosso planeta azul, a Terra, que é a casa que Deus nos deu para habitar, com as suas árvores, plantas, peixes, pássaros, como a tratamos? Continuamos a explorá-la e a maltratá-la, e é por isso que a vemos cada vez mais triste, doente, cansada e, por vezes, zangada! Neste Dia Mundial da Paz, é bom que nos sentemos a considerar quanto diálogo é preciso, quanta reconciliação, quanta conversão! Claro que se impõe uma conversão radical do nosso coração. Claro que é necessária uma sociedade nova, em que cada um de nós saiba acariciar e embalar com desvelo e carinho os seus irmãos. Claro que é preciso um novo Céu e uma nova Terra, que nem precisamos de construir. Precisamos apenas de os receber da mão de Deus. Precisamos, portanto, de Deus, há tanto tempo exilado desta sociedade!
6. Em vez de recebermos da mão de Deus a Paz que corre como um rio (Isaías 48,18), vamo-nos entretendo nas nossas pequenas ou grandes guerras. Na verdade, nem reparamos que é um contrassenso combater pela Paz, e quando nos sentamos a fazer acordos de Paz, é porque já antes perdemos a razão. A paz é primeira. É um Dom de Deus para todo o ser humano que vem a este mundo. A Paz é Jesus: é Ele a nossa Paz (Efésios 2,14). Portanto, a Paz não se conquista com as nossas armas e artimanhas. A Paz reza-se; a Paz pede-se e recebe-se; recebe-se e partilha-se. É assim que se multiplica.
7. De Deus vem sempre um mundo novo, belo, maravilhoso. Tão novo, belo e maravilhoso, que nos cega, a nós que vamos arrastando os olhos cansados pela lama. Que o nosso Deus faça chegar até nós tempo e modo para ouvir outra vez a extraordinária bênção sacerdotal, que o Livro dos Números guarda na sua forma tripartida: «O Senhor te abençoe e te guarde./ O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável./ O Senhor dirija para ti o seu olhar e te conceda a paz» (Números 6,24-26).
8. Mãe de Deus, Senhora da Alegria, Mãe igual ao Dia, Maria. A primeira página do ano é toda tua, Mulher do sol, das estrelas e da lua, Rainha da Paz, Aurora de Luz, Estrela matutina, Mãe de Jesus e também minha, Senhora de janeiro, do Dia primeiro e do Ano inteiro. Acaricia-nos, Mãe. Senta-nos em casa ao redor do amor, do coração. Somos tão modernos e tão cheios de coisas estes teus filhos de hoje! Tão cheios de coisas e tão vazios de nós mesmos e de humanidade e divindade! Temos tudo. Mas falta-nos, se calhar, o essencial: a tua simplicidade e alegria. Faz-nos sentir, Mãe, o calor da tua mão no nosso rosto frio, insensível, enrugado, e faz-nos correr, com alegria, ao encontro dos pobres e necessitados, dos migrantes e refugiados, dos descartados.
9. Que seja, e pode ser, Deus o quer, e nós também podemos querer, um Ano Bom, cheio de Paz, de Pão e de Amor, para todos os irmãos que Deus nos deu! E que Santa Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, nos abençoe também.
Que Deus nos abençoe e nos guarde,
Que nos acompanhe, nos acorde e nos incomode,
Que os nossos pés calcorreiem as montanhas,
Cheios de amor, de paz e de alegria,
Que a tua Palavra nos arda nas entranhas,
E nos ponha no caminho de Maria.
O amor verdadeiro está lá sempre primeiro.
O fiat que disseste, Maria, é de quem se fia
Num amor maior do que um letreiro.
Vela por nós, Maria, em cada dia
Deste ano inteiro,
Para que levemos a cada enfermaria,
A cada periferia,
Um amor como o teu, primeiro e verdadeiro.
Igreja Catedral de Lamego, 01 de Janeiro de 2020, Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, e 53.º Dia Mundial da Paz.
+ António, vosso bispo e irmão