D. Teodoro de Faria, Bispo do Funchal 1. A globalização terminou com as distâncias, apagou as fronteiras, abriu o mundo a todos os homens e mulheres. Os filósofos e políticos têm de repensar como conciliar os problemas actuais da mobilidade humana e da cidadania nacional. Hoje, cada homem, sem renegar a sua pátria, é cidadão do mundo. A doutrina social da Igreja redefine a cidadania. Escreveu o Papa João Paulo II para o Dia Mundial da Paz em 2005: «Pertencer à família humana, confere a cada pessoa uma espécie de cidadania mundial, tornando-a titular de direitos e de deveres, visto os homens estarem unidos por uma comunidade de origem e de supremo destino. Basta que uma criança seja concebida para se tornar titular de direitos, mereça atenção e cuidados e que alguém tenha o dever deles». A condenação do racismo, a tutela das minorias, a assistência aos prófugos e refugiados, a mobilização da sociedade internacional no confronto com todas as necessidades não são outra coisa senão aplicações do princípio da cidadania mundial. Como construir e tornar possível a nossa civilização da convivência humana? O nosso habitat modificou-se, o que era imóvel dinamizou-se, o que estava separado mistura-se, o que estava fossilizado funde-se. Mas nem tudo é tão fácil. Ao lado da mundialização cresceu a balcanização. Os conflitos são tantos que parece estarmos na idade de ferro da era planetária. Aumentou a possibilidade da morte global com a bomba nuclear e a morte ecológica para todo o planeta. Temos de cultivar a nossa própria etnia, o conceito de pátria, a nossa religião, a nossa cultura e tradições, a nossa cidadania terrestre. Pessoas, mas não cidadãos 2 – A Revolução Francesa distinguiu no Direito romano a cidadania e a pessoa, limitou a cidadania e alugou a personalidade a todos os seres humanos. Desta maneira os direitos das pessoas dizem respeito a todos os seres humanos, enquanto os direitos de cidadania dizem respeito só aos cidadãos. Os emigrantes que vivem no nosso país são pessoas mas não são considerados cidadãos. A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em Nice a 7 de Dezembro de 2000, estabelece a centralidade da pessoa que supera os confins nacionais. A cidadania planetária obriga os Estados a profundas transformações de carácter político e institucional. Quanto mais cresce a percepção de vivermos num espaço comum global – a terra – cresce também a percepção da crise dos estados nacionais e da soberania territorial. O Papa João Paulo II indicou que a humanidade hoje «tem necessidade de um grau superior de ordenamento internacional». «A sociedade decente, escreve um douto escritor, A. Margalit é aquela que não humilha os seus cidadãos e não lhes causa vergonha da forma como vestem, do alimento que tomam, das orações que rezam, da maneira como fazem as suas festas. Uma sociedade plural não exclui nenhum grupo de pessoas da “cidadania” simbólica; acolhe todas as tradições culturais e religiosas quando estas não contrastam com a carta dos direitos humanos». Não é preciso guerra de véus nas escolas, nem de Kipa na cabeça, nem crucifixos no pescoço… A pastoral para a nova cidadania 3 – O Conselho Pontifício para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes apresentou uma equilibrada actualização sobre o tema da nova cidadania. Os cristãos lê-se no texto, «devem ser promotores de uma verdadeira e própria cultura do acolhimento que saiba apreciar os valores autenticamente humanos dos outros, para além de todas as dificuldades que comporta a convivência com quem é diverso de nós». Acolhimento com atitudes concretas, reunião de pais e filhos, habitação, trabalho, associativismo, promoções dos direitos civis e várias formas de participação dos imigrantes na sociedade de acolhimento. Não basta a tolerância, é preciso a simpatia, o respeito, e a defesa da identidade cultural dos interlocutores (cfr. Erga migrantes caritas Christi, Nº 30) O fenómeno migratório ao pôr em contacto pessoas de diversas nacionalidades contribui para tornar visível a autentica fisionomia da Igreja, valoriza o ecumenismo e o diálogo missionário. Para a Igreja, o pluralismo étnico e cultural não é uma questão de tolerância mas dimensão estrutural. Como as cores do arco-íris, este pluralismo, amplia e enriquece a «Alma da Cidade». Funchal, 30 de Julho de 2006 † Teodoro de Faria, Bispo do Funchal