Palavras de D. António Francisco Santos na abertura da Semana Social de 2009
Educar o olhar, a inteligência e o coração , para construir o bem comum
1. A Diocese de Aveiro acolhe com grande alegria a VI Semana Social Nacional, promovida pela Conferência Episcopal Portuguesa e organizada pela Comissão Episcopal da Pastoral Social. Quero dizer a todos os participantes: sejam bem-vindos.
Aveiro, terra com memória escrita de povoamento desde 959 e cidade desde 1759, foi criada Diocese em 1774, posteriormente extinta em 1884 e mais tarde restaurada em 1938.
Abrangendo uma área geográfica destacada das Dioceses do Porto, Coimbra e Viseu, a Diocese estende-se por dez concelhos da zona sul do Distrito de Aveiro, desde as terras da Ria e do Mar até às encostas do Luso e do Caramulo.
Habitada por uma população de 350.000 habitantes, a Diocese está situada numa região com sustentado crescimento demográfico e em progressivo desenvolvimento económico e social.
A Universidade de Aveiro e um diversificado tecido empresarial consistente, solidamente implantado nesta região, criam condições e oferecem oportunidades para que, dia a dia, aqui se radiquem novas famílias e se afirme uma expressiva e crescente presença de milhares de jovens estudantes e trabalhadores.
O espírito de renovação do Concílio Vaticano II e do Sínodo Diocesano veio implementar um contínuo dinamismo à identidade eclesial e ao esforço pastoral das gentes desta Diocese da Ria.
O actual Plano Diocesano de Pastoral, que nos vai guiar como bússola e iluminar como farol nestes anos que preparam a Missão Jubilar Diocesana, na celebração dos setenta e cinco anos da Diocese, em 2012/2013, reflecte este mesmo dinamismo evangelizador e um igual espírito de renovação e de missão.
É no contexto da realidade humana, social e religiosa de Aveiro e na alegria de uma cidade acolhedora e bela que a todos saúdo. Queremos ser uma Igreja diocesana renovada na caridade, sinal de esperança no mundo.
2. Deparei, numa leitura recente, com um belo texto de Thomas Stearns Eliot, poeta anglo-americano e Prémio Nobel da Literatura no já distante ano de 1948, que a dado momento do seu livro A Rocha escreve assim: “Nos lugares abandonados construiremos com tijolos novos. Há mãos, e máquinas, e argila para novos tijolos, e cal para nova argamassa. Ali onde caíram os tijolos, construiremos com pedra nova. Onde as vigas estão podres, construiremos com madeira nova. Onde as palavras não se pronunciam, construiremos com uma nova linguagem. Há um trabalho comum, uma Igreja comum para todos e uma tarefa para cada um. A cada qual o seu trabalho.”1
Nesta Casa Municipal que nos acolhe, o belo Centro Cultural da nossa cidade, outrora fábrica onde da argila das nossas terras nascia a cerâmica sóbria e frágil que a arte e o engenho humanos transformavam em elementos robustos e resistentes das nossas construções, somos hoje chamados a reflectir e convocados a trabalhar na construção do bem comum.
Queremos construir, no dizer do poeta acima referido, com pedra nova, com madeira sã e com linguagem transparente. O bem comum não se pode hipotecar a interesses transitórios de grupos ou a hábeis oportunismos de privilegiados.
É responsabilidade da Pessoa, da Igreja e do Estado transformar a argila humana, vulnerável e quebradiça, em pedras novas, de firme e sólida construção. Ao engenho individual de cada um urge juntar a solidariedade e a relação entre todos. Queremos fazê-lo numa matriz cristã, iluminados pela fé e respaldados pela doutrina social da Igreja, colocando Deus no coração da humanidade e dando direito de cidadania à religião no percurso histórico da sociedade.
São imensas as exigências e múltiplas as dificuldades do mundo que somos chamados a servir. Neste modo cristão de servir o mundo e neste compromisso responsável de construir na sociedade o bem comum, cumpre-se assim também o lema da Diocese de Aveiro, inscrito no listel do seu brasão e impresso no coração de todos os seus membros, sacerdotes, diáconos, consagrados(as) e leigos (as): “Amar a Deus é servir”.
3. Toda a Palavra de Deus mas sobretudo o Evangelho de Jesus e os paradigmas do viver e agir humanos e cristãos que daí brotam, são a sede onde radica a nossa reflexão e a fonte de um necessário manancial criativo e corajoso de propostas cristãs para a nossa vida e acção.
O magistério da Igreja deve levar-nos mais longe neste oceano imenso do nosso tempo onde é necessário reinventar a solidariedade e fazer renascer a esperança.
O medo e a crise não podem cercear rasgos de ousadia da caridade e horizontes de esperança para a humanidade. Só a caridade na verdade é capaz de tornar possível e colocar ao alcance de todos e por igual a liberdade, a justiça, o desenvolvimento e a paz. Somos todos herdeiros da verdade, servidores da caridade e responsáveis pela construção do bem comum.
O Santo Padre Bento XVI na sua última encíclica Caritas in veritate, n.º 53, afirma: “A humanidade aparece, hoje, muito mais activa do que no passado: esta maior proximidade deve transformar-se em verdadeira comunhão. O desenvolvimento dos povos depende sobretudo do reconhecimento que são uma só família”. E mais adiante, no n. 59, afirma Bento XVI: “A cooperação no desenvolvimento (na construção do bem comum) não deve limitar-se apenas à dimensão económica, mas há-de tornar-se uma grande ocasião de encontro cultural e o humano.”2
“ O cristianismo, religião do Deus de rosto humano,” (n.º 55) no dizer de Bento XVI, na mesma encíclica, assume também esta missão.
Por isso aqui estamos, vindos de todas as dioceses de Portugal, desde as mais próximas às mais distantes, nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores.
4. Não seria possível esta Semana Social em Aveiro sem o trabalho de muitos e a dedicação de todos, desde o compromisso inicial assumido em Braga, em Março de 2006, a quando da realização da V Semana Social Nacional, pelo meu antecessor, senhor D. António Marcelino, até ao cuidado atento de todas as pessoas que durante muito tempo serviram esta causa.
Confiei a preparação desta Semana por parte da Diocese, à Cáritas Diocesana sob a responsabilidade do seu Presidente da Direcção e do Vigário Episcopal da Pastoral Social, com a colaboração da Comissão Diocesana Justiça e Paz, Sei que foi muito e exigente o trabalho pedido a todos, sobremaneira ao Padre João Gonçalves, ao Diácono José Alves, ao Dr. Francisco Costa Pinto, à Dr.a Marta e à Dr.a Dora. Bem – hajam.
É devida uma palavra de inteira justiça e de imensa gratidão à Câmara Municipal de Aveiro e ao Governo Civil de Aveiro. Como sempre, tudo fizeram para que Aveiro seja digno no acolhimento e espaço amplo para o trabalho co-responsável com a Igreja, que em todos encontra uma leal e aberta cooperação.
5. Termino esta saudação com uma actual e oportuna afirmação da CEP, na Carta Pastoral de 15 de Setembro de 2003, que tem como sugestivo título: Responsabilidade solidária para o Bem Comum.
“Apontámos, dizem os Bispos portugueses, as grandes linhas de força culturais sempre pertinentes e actuais, como contributo da missão específica da Igreja, enquanto comunidade organizada e fazendo parte da sociedade civil: uma cultura marcada pelo cristianismo, uma cultura da dignidade da pessoa humana, uma cultura de liberdade na responsabilidade, uma cultura da vida, uma cultura da verdade e da coerência, uma cultura da solidariedade e da esperança.
A nossa voz crítica de tantas situações concretas só tem sentido na medida em que assumimos uma atitude comprometida e dedicada ao bem comum, uma vez que o futuro da comunidade portuguesa depende de nós.
Isso exige uma nova responsabilidade moral na sociedade, uma confiança solidária e uma esperança renovada no nosso país.
Este mundo em turbulência e em crise de identidade oferece-nos um tempo de gestação para um mundo justo e fraterno. Pela fé acreditamos que Jesus Cristo é o sentido desta mudança e o Evangelho caminhos de verdade, de justiça, de liberdade e de paz.” (Carta Pastoral, n.º 4).
A Igreja sabe que a sua hora e a sua missão nunca foram de protagonismo e de deslumbramento mas sim de profecia e de serviço. É este olhar lúcido e corajoso dos profetas que a todos se pede e esta voz crítica e calma dos servidores do bem comum em vidas dadas a Deus e ao mundo que de todos se exige.
A nossa presença nesta Semana Social é sinal dessa disponibilidade para a missão e certeza da responsabilidade da Pessoa, da Igreja e do Estado na construção do bem comum.
Aveiro 20 de Novembro de 2009.
D. António Francisco dos Santos
Bispo de Aveiro
1 – Instituto Pontifício João Paulo II, Doutoramento a Kiko Arguëllo, pág. 9;
2 – Bento XVI, Encíclica Caritas in Veritate, n.os 53 e 59;
3 – Bispos de Portugal, Carta Pastora: Responsabilidade solidária pelo bem comum, n.º 4