Educar com sentido

«Não se dá incompatibilidade entre objectivos de ordem científica, técnica e tecnológica, desenvolvimento de sensibilidades e valores éticos» Educar deriva do latim ex-ducere, trazer para fora. Indica, por um lado, o desenvolvimento das aprendizagens adquiridas, com base nas potencialidades inatas no contexto da relação com o educador e, por outro, a saída de um para outro lugar, percorrendo uma trajectória comum. Um e outro movimento requerem e envolvem o exercício da liberdade individual sob pena de, no primeiro caso, a extracção se transformar em exploração e de, no segundo, a condução se tornar dirigismo. Colocada esta premissa, interessa sublinhar a exigência de sentido como qualidade inerente a qualquer movimento. O movimento individual é um progresso autêntico, de etapa em etapa, e a deslocação em conjunto é uma peregrinação relativa à meta comum primeiramente dada e sempre redescoberta. As analogias da educação como crescimento, acção de cultura, amplificação do conhecimento, formação (educação ao longo da vida), e outras, indicam significados complementares que ajudam a iluminar a reflexão sobre o tema. Voltando à leitura da educação como movimento para fora de si, sublinhamos que, do ponto de vista individual, se deve renunciar a uma extracção e entrega das energias e capacidades pessoais ao vazio; do ponto de vista interpessoal, deve renunciar-se ao movimento circular fechado sobre si próprios, sem avanço real para novos horizontes do percurso da vida. As questões da procura de sentido para a existência humana e do próprio valor da dignidade da vida humana, comuns a todas as gerações e sistemas de pensamento, adquirem na actualidade novos contornos, os do avanço info-tecnológico, e os da hiperabundância de bens materiais, em contraste com a pobreza e a precariedade da relação interpessoal (perda do conceito de comunidade como povo) e com as assimetrias extremas, provocadas pela injusta distribuição da riqueza comum. Apesar de tudo isto, parece que os programas «educativos» continuam a privilegiar o bem-estar material como ideal máximo da existência humana. Muda-se o rótulo, mantém-se o veneno, cada vez mais mortífero devido à assumida quebra entre conhecimento, tecnologia e ética; à desistência da razão perante a verdade; à absolutização do individualismo em campo ético; ao corte positivista entre moral, direito e lei, entre outros fenómenos. O resultado prático destes ideais é o da replicação do movimento circular fechado nos sistemas de ensino. Parece ter vindo a acentuar-se recentemente a prática da educação como ex-tracção. Ora, a educação como peregrinação intergeracional conjunta permite e favorece dinâmicas distintas. Não propriamente as do construtivismo radical, como se não tivesse havido peregrinação anterior, as do purismo de Rousseau, como se além da limitação ou da correspondente perfectibilidade não existisse o mal, ou as do «securitismo» pró-repressivo, baseado na suspeita preventiva da intencionalidade malévola universal, ou ainda as do pragmatismo utilitarista. Em que mundo vivem as crianças de hoje? Curiosamente, estes são os modelos dominantes do ar intoxicado que respiram. A educação como peregrinação intergeracional em que, ao longo do caminho, os mais novos recebem a memória de vida dos mais idosos e estes recebem a vitalidade, a generosidade e a novidade dos mais novos, favorece o sentido da abertura ao outro. Na categoria do outro, merece preferência o que se encontra em condição mais frágil. A educação com sentido é a que ajuda os actores do processo educativo a aproximarem-se de respostas cabais às perguntas: «quem sou eu como pessoa?», «que pessoa quero ser?», «que sociedade procurarei construir com a entrega de mim próprio?». Ao longo do caminho evoluem as fases da vida. O jovem tornar-se-á idoso. Fortaleza espiritual e robustez física, sabedoria e informação, partilham-se na humildade do avançar conjunto. O tempo e a distância medem o autêntico progresso em relação às questões colocadas. O melhor de cada um deverá entregar-se a cada um dos outros em cada momento. Não se dá incompatibilidade entre objectivos de ordem científica, técnica e tecnológica, desenvolvimento de sensibilidades e valores éticos, estéticos e sociais e reconhecimento da condição filial da criatura humana na relação com Deus. Deixamos para outro espaço a explicação da consistência conceptual desta harmonia. Mas não deixamos de sublinhar que, ao longo da história, as experiências educativas cujos apoios assentaram nestes fundamentos alcançaram resultados consistentes em diversificadas competências e muito benéfica influência social. Da mesma forma os modelos que optam por cancelar algum dos apoios (a ciência, a relação social, a abertura ao transcendente) acabam por ruir na fragmentação científica, na dispersão social ou em tendências fundamentalistas. Os três pontos de apoio são necessários. Não apenas dois. Muito menos um. Outro referencial para uma educação com sentido é o da família. É-o como realidade irrenunciável. As consequências do ponto de vista social são limitadoras da interferência estatal; do ponto de vista escolar são inspiradoras do respectivo ambiente educativo e do clima geral da instituição; do ponto de vista curricular obrigam a um respeito pela verdade do homem que é sempre uma verdade familiar. Os métodos duma educação com sentido são os que aproximam da experiência de aprendizagem o prazer e o prémio do conhecimento e da relação social, com a participação activa dos alunos. A vida (na família, na escola, no meio social, no meio virtual) é o seu lugar, sendo necessário aumentar a responsabilidade crítica. A comunicação educativa global mas próxima entre educador e educando, que atravessa as experiências cognitivas, artísticas, lúdicas, solidárias, favorece a mobilização das energias dos alunos. A educação com sentido consiste na arrojada memória do futuro. Pe. António Figueira, Director das Oficinas de S. José, Lisboa Dossier AE • Educação

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