Docente de Biologia, na Casa Pia, em Lisboa, olha para os processos naturais como «obra de Deus», indica a necessidade de o mundo «aprender com as plantas» e aponta a «inevitabilidade» de sermos pessoas «lixo z(h)ero»

Lisboa, 16 abr 2025 (Ecclesia) – Margarida Zoccoli, professora na Casa Pia, em Lisboa, disse hoje que os professores têm de ser “cultivadores de espanto”, que os “miúdos estão zangados com a escola” e que o ensino tem de se adequar à diversidade.
“Os miúdos hoje estão zangados com a escola. Sentem que estão lá obrigados, e escola em si não está muito diferente daquela que nós vivemos e onde nos sentamos também. A forma de ultrapassar isto é dar-lhes voz e, sobretudo, eles têm que perceber que essa voz é ouvida e faz diferença. Temos de fazer com que os miúdos se sintam essenciais para qualquer coisa. Eles neste momento não sentem”, lamenta a professora de Biologia, em entrevista à Agência ECCLESIA.
Margarida Zoccoli está na Casa Pia desde 1990 e, apesar de ter saído por duas vezes, requisitada pelo Ministério do Ambiente e depois Ministério da Ciência, regressa à instituição da qual não se vê longe.
“A Casa Pia é um lugar muito especial. Não é uma escola fácil, mas é um sítio onde eu sinto um retorno muito grande, desde sempre. Na Casa Pia nós não somos um número, não somos professores anónimos. Há professores extraordinários, histórias de dádiva total, e depois estes jovens, que são jovens difíceis, mas que depois dão um retorno que é enorme e que nos faz sentir que estamos ali a fazer alguma coisa”, valoriza.
A professora recorda uma frase do irmão Roger, fundador da Comunidade Ecuménica de Taizé – «Se a confiança estivesse no início de tudo, irias longe, muito longe» – e explica ter sido criada nesta confiança que marcou a sua vida.
“A escola tem de ensinar a confiança. Dou aulas há muitos anos e hoje noto que os alunos demoram mais tempo a confiar.
Cedo tinha relutância em ser professora, fuga que mais tarde entendeu porquê: “Eu não queria seguir aquele modelo como professora. Hoje eu dou muito poucas aulas. Eu não sou a favor da anarquia total, como é evidente, mas há formas de fazermos chegar os conhecimentos sem ser por imposição. Às vezes é preciso sintetizar, sistematizar, explicar coisas, e aí sim, mas eu procuro não dar aulas. Procuro que a escola seja um espaço, de espanto, de admiração, de maravilha”.
Margarida Zoccoli explica que antes de dar conteúdos aos alunos, importa que eles próprios “se digam”: “Digam o que são e ao que vem”.
A opção pela Biologia, em detrimento do ser médica – “Desisti da medicina porque percebi que tinha muita dificuldade em não sofrer com quem está a sofrer à minha frente” – confirmou o seu gosto pela natureza, por “não ter nojo de nada” e por se “encantar pelos processos naturais”.
“E quanto mais eu entrava, na forma como a vida está organizada e como a vida evoluiu, mais o espanto aumentava. As coisas são de tal forma perfeitas que é difícil não ficarmos espantados e não sentirmos ou não venerarmos esses fenómenos. E eu encantava-me de tal forma que via Deus em cada processo. Cheguei a questionar-me se deveria estudar Teologia ou não”, regista.
A professora reconhece que o mundo “tem muito a aprender com as plantas” e indica serem elas a “base na vida na Terra”.
Se comer um animal, a proteína que ele tem é uma proteína que veio das plantas. Ou seja, elas são de facto a base da vida na Terra. O nosso corpo, quando morremos, vai ser incorporado por outros seres vivos. Nós incorporamos todos os outros, temos moléculas dos outros no nosso corpo. Nós somos o contágio perpétuo dos outros, por isso dependemos uns dos outros, mesmo sem querer”.
Na conversa com Margarida Zoccoli, regressamos à mercearia da avó onde foi criada, falamos ainda sobre o projeto Lixo z(h)ero, que está a ser desenvolvido na Casa Pia, também a escola que criou em Portugal com a metodologia ‘Vela Verde’, que propõe um estudo social e comprometido no espaço e onde os alunos adquirem uma aprendizagem transversal, e a sua ligação à Rede Cuidar da Casa Comum e a criação do Foco de Conversão Ecológica, a paróquia de Alfragide, em Lisboa.
O programa ECCLESIA, onde será emitida a conversa com a professora da Casa Pia, pode ser acompanhado esta noite na Antena 1, e ficará disponível no podcast ‘Alarga a tua tenda’.
LS