Ecumenismo em Portugal, um caminho de transformação

Na Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, a ECCLESIA entrevista o teólogo João Duque, presidente do Centro Regional de Braga da Universidade Católica Portuguesa e um dos responsáveis pelo diálogo ecuménico na estrutura da Conferência Episcopal que há mais anos acompanha esta temática

João Duque, secretário da antiga Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé e Ecumenismo e membro da equipa que acompanha o diálogo ecuménico na atual Comissão Episcopal da Missão e Nova Evangelização, é um dos rostos mais conhecidos deste setor, destacando-se pelo seu compromisso e reflexão sobre a unidade dos cristãos. Em entrevista à ECCLESIA nas instalações da RR em Braga, este responsável destaca que “todas as sociedades têm desafios” que exigem uma “intervenção crítica, transformadora” por parte dos cristãos.

 

Ecclesia – O texto proposto para a semana de oração em 2013 fala em “respeitar o direito, amar a fidelidade”. Esta é uma exigência da unidade dos cristãos?

João Duque (JD) – É uma exigência absolutamente fundamental. A unidade dos cristãos não se construirá a todo o custo e há aqui pelo menos duas perspetivas que podemos considerar: uma, de que a unidade que se constrói é uma unidade por referência a algo exterior – não só por causa de uma vontade interna ou porque fosse romanticamente interessante vivermos todos unidos, mas porque é um imperativo da nossa própria natureza e do próprio Deus. Este desafio à convivência pacífica das diferenças é um desafio interno colocado às comunidades cristãs entre si.

Depois, há o caso mais exterior: todas as sociedades têm os seus desafios, todas possuem elementos problemáticos, que exigem uma intervenção crítica, transformadora dos cristãos e essa intervenção é de todos. Quando num contexto social determinado existem várias confissões, o desafio que é colocado aos cristãos é dar um contributo à transformação dessa sociedade. Acontece que, evidentemente, estando as Igrejas divididas ou pelo menos diferenciadas, é-lhes exigido que consigam trabalhar em conjunto.

E – Há um menor denominador comum entre as Igrejas, a partir do qual se pode trabalhar?

JD – Exato: o movimento ecuménico como tal, enquanto tentativa de trabalho em conjunto, surgiu orientado em contexto de missão para uma tarefa, para o exterior, em que é necessário dar um contributo em conjunto, mesmo que tenhamos as nossas diferenças.

 

E – A estrada foi a metáfora escolhida para unir estes dias de oração do oitavário. Como teólogo, cristão, como vê essa estrada em Portugal?

JD – Eu não iria concentrar-me tanto na tarefa interna da relação entre as diferentes comunidades e tradições cristãs, que não me parece que seja muito problemática. Há relações melhores, outras menos conseguidas, mas em geral podemos dizer que são boas. Estamos dispostos a caminhar na mesma estrada.

Talvez devêssemos mais caminhar: estamos na mesma estrada, mas relativamente calmos, relativamente parados. Aí há uma tarefa, para o exterior da comunidade eclesial.

A questão da justiça, por exemplo, é quente: temos de admitir que estamos a atravessar uma ocasião em Portugal em que a questão é muito premente. Portanto, faz parte da nossa estrada conjunta esta preocupação profunda com a justiça, sobretudo em fases nas quais esta corre riscos mais sérios.

Não é, contudo, uma aplicação de justiça distributiva, simplesmente, mas de modo misericordioso. É uma justiça do acompanhamento do outro, naquilo que lhe deve ser dado, o que é uma caraterística mais especificamente cristã.

Depois, a humildade: não temos pretensões de poder, de dominar a sociedade, nem a Igreja como instituição nem cada cristão. Ser humilde significa, simplesmente, prestar um serviço a todos os nossos contemporâneos, em favor da justiça.

 

E – A imagem da estrada, do caminhar, faz sentido para este ano em que se celebra a fé?

JD – Estes impulsos de atividade podem ser vistos como projetos humanos, pessoais, de grupo eclesial. Penso que o Ano da Fé nos ajuda a perceber que todos estes dinamismos são, antes de tudo e no fim de tudo, ação crente, ação correspondente ao que é ser crente: o nosso caminho ou é sempre um caminho crente ou então pode ser um caminho problemático.

 

E – O Fórum Ecuménico Jovem publicou, recentemente, a «Carta da Esperança». Acha que vale a pena apostar neste tema?

JD – Os jovens são uma esperança para o ecumenismo em Portugal, temos de admitir que o futuro do trabalho ecuménico terá um grande apoio neste Fórum que se tem vindo a desenvolver há anos. É aí que está criada a plataforma da convivência ecuménica a nível português: o ecumenismo tem vindo a trabalhar a um nível de cúpulas e estive envolvido nisso durante muito tempo, mas também de forma muito limitada. O envolvimento das comunidades cristãs é que é importante.

E – O envolvimento dos jovens é fundamental para o projeto de Cristo para a humanidade?

JD – Sem dúvida. Acho que o tópico deste ano [O que exige Deus de nós?], ‘sui generis’ do ponto de vista crente, da ação da fé, é muito importante: há uma tendência natural entre os jovens ocidentais que vivem numa sociedade de lazer, muito sentimentalista, para identificarem a sua experiência cristã de fé com essa experiência sentimental forte, de convivência agradável, entusiasta, animadora. É preciso não esquecer que o Cristianismo tem uma grande componente de intervenção crítico-social na dor, ou seja, naquilo que implica a cruz e a dor no serviço à justiça. Vivendo nós, apesar da crise, num contexto felicíssimo em Portugal, há outros recantos do mundo em que não é tanto assim e até no nosso próprio contexto há um exterior à felicidade que pode ser falsa. É aí que o envolvimento político-social dos jovens cristãos em favor da justiça não pode ser colocado em segundo plano ou abandonado, caso contrário a fé é vivida de uma forma muito rudimentar.

E – Portugal é um país sociologicamente católico, mas há grupos significativos de outras Igrejas cristãs. Como tem sido o caminho ecuménico no pós-Concílio Vaticano II?

JD – Tem sido um caminho bastante simples, se quisermos. Também não temos comunidades não-católicas muito fortes, do ponto de vista quantitativo, ou em que tenha havido uma história de enfrentamento. É certo e temos de admitir que houve episódios menos felizes, no século XIX, e a superação sadia dessa perspetiva [de confronto] foi dos grandes frutos do movimento ecuménico em Portugal.

A relação com as principais tradições cristãs não-católicas, desimpedida e sã, superou todas essas perspetivas, sem grande exibicionismo. Há órgãos próprios para esse trabalho notório como a Comissão Episcopal da Missão e Nova Evangelização, juntamente com o Conselho Português de Igrejas Cristãs.

Com a Aliança Evangélica o trabalho não tem sido tão intenso, por haver aí outra perspetiva de ecumenismo, mas não se pode dizer que haja uma situação de conflito.

Sendo nós um país maioritariamente católico, penso que há uma educação ecuménica interna à própria comunidade. A educação dos crentes para o facto de que para além da Igreja Católica, pode haver modos de viver o Cristianismo que não são necessariamente falsos faz parte da catequese.

 

E – Como é que a Igreja Católica participa nos atos ecuménicos de oração, como se vivem estes momentos?

JD – Ao longo do país, esta é uma realidade variável. É evidente que o Porto é a região mais estável a esse nível, uma vez que tem um grupo ecuménico apadrinhados pela Diocese, com membros de várias confissões cristãs, que trabalham ao longo de todo o ano. Houve uma fase em que procuramos reanimar o trabalho ecuménico em várias dioceses, com a celebração nacional desta semana e o Fórum Ecuménico.

Para as Igrejas não-católicas, minoritárias, este é um momento mais significativo, do que para as comunidades católicas.

PRE/OC

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Agência ECCLESIA

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