Apesar de não ser ainda claro em que fase da crise estamos, principalmente quando assistimos ao desmoronamento financeiro de diversos Estados, há uma conclusão que já se pode tirar destes últimos três anos: a economia globalizada cria enormes oportunidades para gerar riqueza, mas produz também novos custos, entre os quais uma radical incerteza e fragilidade dos sistemas financeiros, e maiores desequilíbrios sociais. Há que ter consciência que as crises serão parte estrutural do sistema que estamos a criar, ou seja a regra e não a exceção, já que este é o preço que devemos pagar à nova economia global e telemática. A crise – como nova condição ordinária – cria também problemas éticos e no plano da justiça, pois muitas vezes as consequências das crises vão recair em setores sociais diferentes daqueles que as geraram, e normalmente muito mais pobres. É por este motivo que, hoje, o tema da justiça social é também o tema dominante da nova economia. Vemo-lo no Médio Oriente (não devemos esquecer que a revolução destes últimos meses foi desencadeada por questões de justiça económica) e penso que, nos próximos anos, iremos vê-lo ainda mais nos Países árabes, mas também na China e na Índia onde, na altura em que a liberdade individual e a democracia emergirem, deixará de ser tolerada a enorme desigualdade que hoje se constata nestes novos colossos. Tenho a convicção de que está a amadurecer no mundo uma crescente intolerância em relação à desigualdade, tanto dentro dos próprios Países como entre Países. É como se o homem pós-moderno, informado e global, depois da democracia política, esteja a começar agora a reclamar seriamente também a democracia económica, e parece ter-se apercebido, com esforço e com demora, que a democracia económica é parte essencial da democracia política.
O mercado, de facto, sendo um âmbito da vida em comum que se rege pela regra áurea da mútua vantagem, não consegue garantir por si só a justiça distributiva. Pelo contrário, em certo sentido, se não é acompanhado por outros princípios e instituições coessenciais, com o passar do tempo, o mercado tende a aumentar as desigualdades. Por um lado, o mercado é o lugar da liberdade e da criatividade, depende dos talentos individuais e os talentos não são distribuídos de maneira uniforme na população; por outro lado, na competição do mercado não partimos todos da mesma linha, e quem tem mais hoje (bens, instrução, oportunidades…) tende a ter ainda mais no futuro.
Então, o que fazer?
No dia 29 de maio de 2011 celebrou-se o 20º aniversário da Economia de Comunhão (EdC), o projeto económico lançado, no Brasil, por Chiara Lubich, no mesmo mês em que João Paulo II tinha publicado a Centesimus annus, encíclica lida e meditada pela Chiara durante a viagem que a levou de Roma a S. Paulo. Por esta ocasião, 630 representantes do mundo da EdC, de 37 países, encontraram-se em São Paulo, de 25 a 29 de maio, para fazer o balanço dos primeiros vinte anos do projeto, e principalmente para olharem para os próximos vinte, como dizia com eloquência o logótipo escolhido para o evento: “Brasil 1991 2011 2031” (www.edc-online.org). A mensagem lançada por Chiara Lubich naquela viagem brasileira, está hoje bem viva, madura e cresce na história. É uma mensagem que ultrapassa as comunidades dos Focolares na qual a EdC nasceu, como bem percebeu Bento XVI que a indicou na Caritas in Veritate (n. 36) como uma experiência a ser desenvolvida e difundida na economia de hoje.
A mensagem da EdC é simples e clara: a empresa deve ser, antes de tudo, um instrumento e um lugar de inclusão e de comunhão que, enquanto produtora de riqueza, se ocupa também de a distribuir, sendo, portanto, um lugar de justiça. O projeto EdC (que hoje envolve cerca de 800 empresas no mundo inteiro) propõe às empresas, de todas as formas jurídicas e dimensões, que partilhem os lucros de acordo com três objetivos: o crescimento da empresa, a formação cultural (sobretudo de jovens) e a criação de projetos de desenvolvimento para a ajuda direta a pessoas em situação de necessidade. Se queremos que a democracia económica e a justiça distributiva cresçam, não podemos e não devemos confiar unicamente nos Estados e nos Governos. Deve ser a própria empresa, com o estímulo da sociedade civil e dos cidadãos, a evoluir e a ocupar-se de coisas novas. A empresa não se pode limitar a funcionar nos limites da lei, a pagar os impostos (quando os paga), e fazer um pouco de filantropia para fidelizar os clientes e os stakeholders. Nesta nova fase de economia globalizada é pedido mais à empresa, muito mais, se queremos que a sociedade civil considere a empresa e a economia como aliadas do Bem comum. A alba da modernidade (sobretudo os séculos XIX e XX) foi caracterizada por uma clara divisão de trabalho entre Estado e empresa, entre política e economia: a empresa produz riqueza e o Estado redistribui essa riqueza segundo critérios de justiça e de solidariedade. A empresa criava os “bolos” e o Estado definia as dimensões e os destinatários das “fatias”. Tanto as empresas, como o Estado, ou os “pobres”, tinham em comum uma forte ligação com o território nacional. Atualmente já não é assim porque, por um lado as empresas (sobretudo as grandes) pagam os impostos onde querem (já não estão vinculadas a um território), e por outro lado podemos perceber que a pobreza não se resolve dando uma “fatia de bolo” que outros produziram, mas incluindo na produção do “bolo” quem está excluído, caso contrário cria-se só paternalismo e dependência. Há que pensar que um indigente que recebe ajuda permanece sempre um indigente, não uma pessoa livre e independente, até que não se torne protagonista da própria vida e dos próprios projetos.
Seja bem-vindo então o aniversário da EdC, se for uma ocasião para recordar às empresas esta necessidade de evoluírem de uma econo-MIA [econo-minha, em italiano] a uma econo-NOSSA, onde a frágil árvore da democracia e dos direitos não só não seja ameaçada pela economia financeira e globalizada, mas onde a economia se torne ancilla democratiae, aliada da liberdade substancial das pessoas e dos povos e, como tal, uma economia de comunhão.
Luigino Bruni, presidente da Comissão Central de EdC