Ecologia: Padre João Lourenço defende que Cântico das Criaturas e encíclica Laudato si’ deveriam fazer parte da «educação das novas gerações»

Sacerdote franciscano analisa alcance da obra poética, que comemora 800 anos em 2025, e da encíclica ecológica e social, publicada há uma década 

Lisboa, 04 set 2025 (Ecclesia) – O padre franciscano João Lourenço considera que o Cântico das Criaturas, criado por São Francisco de Assis, e a encíclica Laudato si’, escrita pelo Papa Francisco, deveriam integrar a formação dos mais novos.

“Este documento [carta encíclica Laudato si’] podia constituir, em muitas partes do seu conteúdo, elementos fundamentais para a educação das novas gerações, como o Cântico do Irmão Sol”, afirmou o sacerdote, em entrevista ao programa ECCLESIA, transmitido hoje na RTP2.

Segundo o biblista, tal ajudaria “a criar uma espiritualidade, uma vitalidade interior, um dinamismo novo, que não partisse só de não fazer mal à criação, mas de promover o bem da criação”.

O entrevistado assinala a necessidade de “um contexto verdadeiramente de formação, de base, em que as pessoas têm já princípios adquiridos”, “normativos nos seus comportamentos que ajudam a encarar a natureza com a sua beleza”, com a sua dimensão “transcendental”.

Em 2025, os Franciscanos celebram os 800 anos do Cântico das Criaturas (também conhecido como Cântico do Irmão Sol), uma obra poética que exalta os elementos da natureza como dádiva de Deus.

Para o padre João Lourenço, o poema, que é “o espelho da grandeza e da beleza de Deus refletido nas criaturas que São Francisco vai descobrir”, encontra hoje uma “grande atualidade, principalmente no âmbito e no espaço de uma crise ecológica” que o mundo vive.

Ao longo dos tempos, o Cântico das Criaturas tem sido objeto de muitas versões, o que mostra, de acordo com o padre João Lourenço, “que as pessoas têm a necessidade de amar, de contemplar a natureza a partir dela”.

O sacerdote defende a necessidade de uma “dinâmica teológica” que ajude a ler a natureza, lamentando que o que existe neste momento para esse efeito é “o utilitarismo, a ganância, o comodismo, o lucro, o proveito imediato”.

“Isto são critérios avassaladores, destruidores da própria natureza”, salientou.

Questionado sobre que justificação encontra para o alcance do Cântico das Criaturas, o padre João Lourenço responde com a “beleza do texto” e as dimensões “que confere à criação”, nomeando duas delas.

“Uma é a magnificência do Criador, a fonte. É importante que nós na vida tenhamos referências a fontes. Não é apenas a fonte da água, mas é a fonte onde nos inspiramos e que nos inspira na nossa vivência quotidiana. O outro é a dimensão da fraternidade. E aí São Francisco foi genial e foi único”, observa.

Foto: Agência ECCLESIA/PR, padre João Lourenço

O entrevistado destaca o facto de São Francisco de Assis procurar a “fraternidade nos opostos”, entre o céu e a terra, e principalmente algo que até então ninguém tinha cantado: “a fraternidade dos opostos vida e morte”.

Num ano em que o Cântico das Criaturas comemora oito séculos, a encíclica Laudato si’, inspirada nele, celebra 10 anos, sendo este último um documento que, assinala o padre franciscano, “teve ecos na sociedade que já há muito tempo não se viam a partir de documentos eclesiásticos, mesmo pontifícios”.

“Os últimos papas têm publicado muitos textos sobre muitas temáticas, mas muitos deles são quase todos ad intra. São para dentro do organismo da Igreja. Eu diria, são quase umbilicais. Este documento é para fora”, nota.

O padre João Lourenço defende que a encíclica ecológica e social foi um contributo “muito prático” da Igreja à sociedade, uma vez que esta última está a viver momentos “de angústia sobre o sentido da criação”.

“Não é um documento apenas de receitas, é um documento também de constatações. E acima de tudo, o que é muito importante, de interpelações”, realça, acrescentando que se constitui um convite “aos crentes” e “não crentes a sentirem e a harmonizarem o dinamismo que existe na vida deles com aquilo que é a criação que os envolve”.

O sacerdote destaca o facto de o texto, publicado a 24 de maio de 2015, ter tido um “belíssimo acolhimento” particularmente em “organismos internacionais”, como na ONU, ressaltando que trouxe um novo olhar para a Amazónia.

“Se está tudo feito, não está tudo feito, está alguma coisa feita e estão ecos deixados. Mas falta muito, principalmente este esforço novo, que é exatamente de tornar uma formação ativa, não é apenas contemplativa, não é apenas respeitadora do que se encontra, é ativa, é promotora do que encontramos”, sublinhou.

LJ/OC

O Programa ECCLESIA de hoje, que encerra uma série de emissões dedicadas a efemérides, transmitidas ao longo do verão, destaca também uma exposição dedicada ao 8º centenário do Cântico das Criaturas, que esteve disponível no Externato da Luz, em Lisboa, de 20 de junho a 25 de julho.

“Tenho dois filhos que frequentaram o Externato, eu sabia que o Cântico das Criaturas é um dos lemas significativos dos franciscanos”, referiu o autor da exposição, Carlos Albuquerque, que explica que, dada a data que se celebra este ano, contactou o padre João Lourenço, tendo-se concluído “que fazia sentido fazer a mostra”.

As cerca de 80 peças, expostas segundo a ordem dos versos do Cântico do Irmão Sol, foram feitas de restos de madeira que, explica o autor, Carlos Albuquerque, “se não fossem recuperados, teriam ido maioritariamente para a fogueira, para a lenha”.

O entrevistado dedicou-se a esta atividade depois de herdar do pai ferramentas de trabalhar pedra e madeira e de ter frequentado a Escola de Artes e Ofícios em Lisboa, com vista a ter uma “reforma ativa”.

Os alunos do Externato da Luz visitaram a exposição e “envolveram-se” desde cedo com a sua construção, relata a professora Cristina Fernandes.

“Na medida em que visitavam, inspiravam-se em muitas das ideias de um material tão nobre como a madeira para fazer também as suas criações”, indicou.

A docente dá conta que os estudantes estão familiarizados com o Cântico das Criaturas, cuja celebração dos 800 anos foi o tema ao longo do ano, realçando que fazia “sentido” aliar “uma exposição” à temática “que eles trabalharam nas diferentes disciplinas”.

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