É tempo do exercício da responsabilidade na Igreja

Sofia Salgado Pinto, diocese do Porto

Estamos a viver momentos difíceis na Igreja. Abriram-se canais de denúncia que permitem o anonimato e os casos de abusos sexuais apareceram. A Comissão Independente para o Estudo e Abusos Sexuais na Igreja Católica, profissional e competente, fez a audição, a análise e o tratamento da informação. O resultado foi um relatório muito completo e bem estruturado com uma lista de suspeitos.

Ninguém pode ficar indiferente a este relatório que foi apresentado no passado dia 13 de fevereiro. É impossível um católico não ficar profundamente triste, porque uma irmã ou um irmão seu em Cristo, foi enganado, usado e abusado por quem o devia proteger. Entendo que o relatório produzido pela Comissão Independente deve ser de leitura obrigatória para todos os membros do clero. É duro, mas é pedagógico e impele à ação.

Após a reação da Conferência Episcopal Portuguesa de dia 3 de março em Fátima e depois das primeiras atitudes dos bispos à lista de suspeitos que a Comissão Independente entregou a cada diocese, julgo ser minha responsabilidade partilhar a minha opinião.

Do meu ângulo de observação no mundo empresarial, assinalo que nos últimos tempos têm sido mais denunciados casos de assédio moral. E isso tem acontecido não porque existam casos em maior número, mas porque existem os canais adequados à sua denúncia. E que dão a devida confiança.

Isto, porque em todas as empresas com mais de 50 empregados é obrigatório ter canais de denúncia que salvaguardem o anonimato do denunciante e que deem seguimento à adequada investigação dos casos registados. E os casos aparecem.

A Igreja começou agora a lidar com o registo deste tipo de ocorrências e tem de se preparar para a continuidade das denúncias. E será um espaço seguro, se fizer o adequado tratamento das mesmas. Não descredibilizando ou ocultando, pois não estamos a viver uma mera fase. É, isso sim, o início de uma nova forma de tomar conhecimento e de saber o que fazer com a informação revelada. Isto exige uma nova atitude e novos comportamentos.

Procuro saber o que me diz Jesus aqui e agora nestas situações. O Evangelho inspira e o Espírito Santo continua a ecoar no meu coração dizendo-me que olhe para os vulneráveis, que Cristo está com os fragilizados, com as vítimas dos mais diversos abusos, com os que choram, e com os que têm fome e sede de justiça. E a salvaguarda destes tem de se fazer com o assumir da responsabilidade por mais dura que ela seja.

Quem leu o relatório percebe que o tema é delicado. E quem tem acompanhado estes temas no contexto das organizações e empresas também o sabe. É preciso acompanhar as vítimas, mas também é preciso acompanhar os abusadores. Ninguém disse ou pensou que a tarefa é fácil. Mas há especialistas disponíveis para ajudar, apenas é preciso humildade para reconhecer e pedir ajuda. É hora de proteger cada vítima e cada pessoa em perigo de abuso. É hora de deixar de lado o que nos bloqueia e de tomar o “jugo de Jesus”.

Ninguém em nenhuma organização, na sociedade em que vivemos, está acima do direito à dignidade humana. É disso que falamos e é dessa violação que se trata. E os párocos e os bispos, pelo seu ministério, devem exercer a sua responsabilidade salvaguardando o respeito por cada ser humano, através da atenção e do controlo continuados, acompanhando quem sofre sempre que algo de errado tiver acontecido.

Como prevê a Santa Sé, só ações concretas de afastamento de suspeitos e a transparência de ações de controlo e acompanhamento permitirão fazer regressar a confiança. Rezo para que cada membro do clero e da Igreja, faça desta Quaresma um momento de abertura às soluções que o Senhor nos indica.

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Agência ECCLESIA

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