Padre Diamantino Alvaíde, Diocese de Lamego
No início de mais um ano civil vem à tona a reiterada urgência e renovada necessidade de recomeçar. Fazem-se novos propósitos de mudança. Estabelecem-se diferentes planos de ação. Definem-se metas mais arrojadas. Auguram-se melhores e maiores êxitos. Muitas são as propostas que vão surgindo e que se vão assumindo. Outras tantas as respostas que se vão dando e arranjando para levar por diante as renovadas pretensões.
É assim na vida social. Rasgam-se intentos de passar mais tempo com os amigos, de dar mais espaço ao lazer, de ampliar os momentos com a família, de desdobrar as oportunidades de convívio e de festa.
É assim na vida eclesial. Assume-se sempre que este ano é o que trará mais desafios (ainda para mais, está aí a JMJ23), que este ano tudo vai ser melhor (afinal a pandemia passou), que este ano é que vai ser diferente (até o Papa vai voltar a Portugal).
Importa perguntar: É mesmo necessário que algo termine para que alguém recomece? É mesmo preciso que um fim aconteça para que se dê um outro início? É mesmo imperioso que se pare para se voltar arrancar?
Ao olharmos para alguns relatos do Evangelho percebe-se isso melhor. Nas Bodas de Caná (Jo 2, 1-11) vemos uma situação de quase fim. Esgota-se o vinho. Corre riscos o banquete. Mas não termina a festa. Antes pelo contrário. Renova-se todo o festim e inflama-se a animação, porque agora o vinho até é melhor.
O mesmo se diga da Pesca Milagrosa (Lc 5, 4-11). A noite parecia ter sido perdida. A faina dava-se por encerrada. Mas a pesca, afinal, ainda não tinha acabado. Avoluma-se admiração diante de tanto e tão grande peixe. Eram agora precisos mais barcos. E mais mãos. E, sobretudo, mais coração, porque a partir de agora a pesca é de homens.
O mesmo se conclui do que viveram os dois Discípulos de Emaús (Lc 24, 13-49). Tudo parecia definitivamente acabado. O caminho era de volta a casa. Até a visão estava distorcida. Mas a viagem estava longe, muito longe, de chegar ao seu termo. Agora é que o verdadeiro caminho (re)começa. O destino não é apenas Jerusalém, mas o mundo inteiro. A verdadeira aventura começou quando tudo parecia vergonhosamente terminado.
Por isso Santo Agostinho afirma com aguçada sabedoria que “é quando parece que tudo acaba que tudo verdadeiramente começa” (Confissões). Pode parecer que o fim se impõe, ou que tudo se esgotou, ou que nada mais há a fazer. Mas – como diz o santo – apenas parece. É aí que tudo pode – e deve – ter um novo princípio.
São João Paulo, quando celebrizou o conceito ‘nova evangelização’, dirigindo-se aos bispos da América Latina, em 1983, nunca pediu que a vigente evangelização se interrompesse ou terminasse para dar lugar a outra evangelização. Pediu apenas que se renovasse ‘no ardor, nos métodos e na expressão’.
Não é preciso que tudo acabe, para que tudo reinicie. Não é imprescindível que tudo se desfaça, para que tudo se reconstrua. Não é exigido que tudo se interrompa, para que tudo recomece. É preciso é que em cada entardecer se veja uma centelha de amanhecer. É imprescindível é que em cada derrota se encontre um rasto de esperança. É exigido é que em cada meta se descubra uma partida.