Pe. João Carlos Roma Leite Rodrigues, Diocese de Bragança-Miranda
O decréscimo dos números de novos casos de infeção por covid-19, o alívio da pressão dos internamentos hospitalares e o desenrolamento gradual do processo de vacinação constituem um vislumbre de “uma luz ao fundo do túnel” que nos permite projetar desde já um desconfinamento progressivo, por forma a reativar a nossa vida social. Enquanto entrevemos um horizonte de “novo normal”, vale a pena determinar o que realmente importa “recomeçar e reconstruir” depois do adeus à pandemia. Este desafio impõe-se também à Igreja que durante este tempo de confinamento tem mostrado que sabe adaptar-se e inovar-se com grande criatividade pastoral para marcar a sua presença e ação na sociedade com a firmeza da fé, a alegria da esperança e a generosidade da caridade. Nas vésperas do Verão passado, a Conferência Episcopal Portuguesa elaborou um pequeno contributo para ajudar a refletir sobre a reconstrução da sociedade portuguesa depois da pandemia, advertindo para não cairmos no erro de construir uma nova sociedade destruindo algo que a anterior tinha de bom, mas também salientando que há aspetos positivos a reter numa perspetiva de futuro como uma verdadeira lição da experiência excecional que temos vivido[1]. Tendo em conta esta solicitude pelo que o passado tem de bom e esta ousadia para olhar o futuro na abertura à novidade, os Bispos de Portugal publicaram no início deste ano um novo documento no intuito de “discernir desafios pastorais e lançar alguma luz sobre o que vivemos”[2]. Não podemos menosprezar as inúmeras questões levantadas por esta pandemia que constituem uma autêntica provocação para uma mudança de mentalidade e uma reviravolta cultural concretizada em modos de ver, sentir, pensar e agir imbuídos de comunhão e corresponsabilidade.
Desde o início do seu pontificado, o Papa Francisco tem alertado para a urgência de avançar no caminho de uma conversão pastoral e missionária “capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à autopreservação” (Evangelii gaudium, 27). Já não nos serve uma simples pastoral de conservação que além de ser extremamente cansativa já não regenera a fé e, muitas vezes, até a deteriora e degenera na mesquinhez. Por isso, é preciso arriscar uma nova maneira de ser e de estar na Igreja, para que o serviço pastoral da Igreja seja uma resposta autêntica às alegrias e às esperanças, às tristezas e às angústias das pessoas concretas do mundo de hoje, e ainda capaz de interpelar e incomodar as novas gerações. Talvez tenhamos de “aprender a desaprender”, como bem recomenda o Bispo de Bragança-Miranda, citando um célebre poema de Fernando Pessoa. Temos de “desaprender os labirintos, as teias, os modelos que nos sufocam e apenas servem para nos fazer adiar o encontro tão necessário com Deus, com os outros, com a terra e com a história e connosco próprios”[3].
É certo que passar de uma pastoral de manutenção a uma pastoral missionária exige uma difícil conversão que vai durar o seu tempo: “Não pode haver pressa, mas é necessário planear, definir objetivos e percursos para lá chegar”[4]. A reorganização da Igreja diocesana em Unidades Pastorais é, pois, uma resposta criativa aos desafios que os sinais dos tempos nos sugerem. É uma tentativa corajosa para transformar as dificuldades em oportunidades. Acreditamos que Deus está a querer dizer-nos alguma coisa através das dificuldades pastorais que enfrentamos: Deus quer fazer-nos descobrir novos caminhos de participação ativa e de colaboração pastoral entre bispos, padres, diáconos, religiosos e religiosas, missionários e leigos, homens e mulheres de boa vontade, de todas as idades e de todos os extratos sociais. O desafio de caminhar em estilo de unidade pastoral é uma tentativa de superar a lógica insustentável de “um padre que faz tudo para todos” para abrir uma lógica mais dinâmica e eclesial na comunhão do “nós padres com alguns colaboradores para todos”.
Haverá melhor modo de olhar o futuro, em tempos de crise global, do que apontando para o sonho de construir a fraternidade universal? É o que o Papa Francisco nos propõe neste tempo que nos cabe viver: “precisamos duma comunidade que nos apoie, que nos auxilie e dentro da qual nos ajudemos mutuamente a olhar em frente” (Fratelli tutti, 8). Se realmente desejamos sonhar como uma única humanidade que seja capaz de reconhecer que somos todos irmãos e irmãos de todos, temos de começar por concretizar isso nas nossas comunidades cristãs, aprendendo a caminhar como “irmãos de estrada” que desejam chegar a todos, sem deixar ninguém para trás. Vale mais o menos perfeito em unidade pastoral que o mais perfeito feito por um só ou por poucos.
Pe. João Carlos Roma Leite Rodrigues,
Marianos da Imaculada Conceição
Diocese de Bragança-Miranda
[1] Cf. Recomeçar e reconstruir, nº 2 (16 de junho 2020). http://www.conferenciaepiscopal.pt/v1/recomecar-e-reconstruir
[2] Desafios pastorais da pandemia à Igreja em Portugal, nº 3 (divulgada a 1 de janeiro de 2021). http://www.conferenciaepiscopal.pt/v1/desafios-pastorais-da-pandemia-a-igreja-em-portugal
[3] D. José CORDEIRO, Um povo com chão e com céu, §9 (24 de julho de 2016). https://diocesebm.pt/noticia/um-povo-com-ch%C3%A3o-e-com-c%C3%A9u
[4] Desafios pastorais da pandemia à Igreja em Portugal, nº 47 (divulgada a 1 de janeiro de 2021). http://www.conferenciaepiscopal.pt/v1/desafios-pastorais-da-pandemia-a-igreja-em-portugal