Do latim a temas de fronteira

Nasceu no Porto. Foi Bispo Auxiliar em Braga, Lisboa e Leiria-Fátima. Desde 1993 preside à Diocese que tem um Santuário mundial. Uma honra, que dá trabalho e não faz esquecer a restante diocese. Agência Ecclesia – Com que determinação assumiu a missão episcopal, há 25 anos? D. Serafim Ferreira e Silva – Eu nunca pensei ser Bispo. Fui mandado para Braga, em 79. Estive lá até 81. Depois fui para Lisboa, onde fui Bispo auxiliar na zona do Oeste, e fui secretário na Conferência Episcopal Portuguesa. Em 87 fui nomeado coadjutor de Leira-Fátima e, em 93, sucedi ao Sr. D. Alberto Cosme do Amaral, e aqui estou! As três dioceses são muito diferentes. Apesar de haver uma unidade cultural básica, há diferenças típicas, desde Braga a Lisboa, ao Porto e a Fátima? AE – O perfil do Bispo acompanhou essas diferenças? SFS – O perfil do Bispo, desde o código genético, tem elementos identi-ficantes. O Bispo que fala tem bastante poder de adaptação. Não é que faça o ensaio da lucidez, mas procura ser lúcido, contextualizando-se de acordo com as pessoas e o ambiente. Reconheço que ser Bispo da Igreja universal é uma coisa. Depois, incarnando, tem de se adaptar. Braga, Porto, Lisboa, Leiria, Fátima são porções ou parcelas da mesma Igreja, mas tem características muito típicas: quer clero, quer no laicado; quer no viver o presente, quer na sua própria história. AE – A Diocese onde agora é Bispo vive voltada para Fátima e esquecida de outras estruturas e projectos? SFS – A Diocese chamava-se Leiria desde 1545. Desde 1984 passou a designar-se de Leiria-Fátima. No estrangeiro, mesmo no Vaticano, é mais fácil dizer Fátima (é uma palavra mais sonora, tem fascínio e tem sobretudo a fama de uma mensagem). O Bispo local, tem de ser o ordinário do lugar, tem de fazer equipa com o clero e o laicado. Não pode esquecer o seminário, não pode esquecer os movimentos organizados, não pode esquecer as unidades pastorais chamadas vigararias, não pode esquecer as unidades de base chamadas paróquias… Mas também não pode esquecer Fátima. Fátima não é propriedade administrativa nacional ou supra-nacional. O santuário de Fátima está integrado na Diocese que tem o seu nome. Então o Bispo tem que fazer equipa com o Santuário de Fátima e tem de fazer equipa com o Conselho Pres-biteral Diocesano, como Conselho Pastoral, sem esquecer os seminários, a pastoral das vocações, etc. AE – O dinamismo da Diocese de Leiria-Fátima vive à sombra do Santuário? SFS – Talvez não. Fátima é um encargo que dignifica toda a diocese. Dá trabalho, mas também dá honra. O Bispo local tem que de ter tempo para a actividade diocesana, sem esquecer a actividade do Santuário. AE – A realização do Sínodo Dioce-sano baliza o seu trabalho episcopal? SFS – O espírito sinodal mantém-se. Realizámos um sínodo que, nalgumas etapas, teve 7 anos de percurso. Mas não chegou à meta final. Continua numa mesma caminhada sinodal, de corresponsa-bilidade, de renovação permanente, de crescimento na fé e sobretudo de diálogo com as mudanças e as pessoas que podem ter culturas ou sensibilidades diferentes. Esta “sinodalidade” é típica de uma Igreja particular, que caminha, se renova, dialoga, que procura responder às interrogações de adolescentes e jovens, dos que têm mais tendência conservadora ou fundamentalista… AE – Tem “representantes” de todas essas categorias e sente necessidade de dialogar com elas? SFS – A Dicoese de Leiria-Fátima tem cerca de 300 mil habitantes, na maioria de expressão católica. AE – Tem fundamentalistas? SFS – É provável que haja um ou outro resquício de tendência mais radicalista, não queria dizer fundamentalista. O que é importante é respeitar a liberdade e ajudar numa caminhada dialogal, lúcida, para que o bom senso, a harmonia, a igualdade básica e diferença ocasional ou circunstancial, mas numa convergência para a verdade e a unidade. AE – São exemplos desse radicalismo os que se manifestaram contra projectos ecuménicos para o Santuário de Fátima? SFS – Isso não aconteceu a nível da Diocese. São vozes estranhas e estrangeiras. AE – É um dossier que está esclarecido? SFS – Potencialmente sim, mas ainda hoje recebi 7 mensagens falando do assunto, em diferentes línguas. Tudo isso obriga que o Bispo da terra vá tomando pílulas de paciência, de sensatez, de lucidez para não excomungar ninguém, mas atender essas pessoas e, tanto quanto possível, dialogar (embora se chegue a um ponto que já não vale a pena prolongar o diálogo). AE – No seu trabalho episcopal, surge com inovações, com pronunciamentos originais (foi o caso do desporto, acidentes nas estradas, incêndios). Isso corres-ponde a uma forma específica de olhar a Igreja e o mundo por parte do Bispo de Leiria-Fátima? SFS – O Bispo actual de Leiria-Fátima é um homem normal. Mas esse homem, antes de ser cristão, dias antes, já era cidadão. O cidadão tem problemas que não ficam no adro da Igreja: os do trabalho, da estrada, do futebol… O Bispo actual procura estar incarnado, com os pés na terra e cabeça levantada mais para cima, atendendo ao estômago vazio, ao incêndio porventura criminoso, ao desastre por falta de sinalização… É nesse jeito de ser que um homem normal procura fazer comunhão, no sentido de corresponsabilidade, procurando prevenir, acautelar para que o remédio não venha atrasado. AE – Essa atenção fez com que criasse, por exemplo, um prémio para os desportistas SFS – É verdade! AE – Porque lançou essa iniciativa? SFS – Porque um jogador não o é só com os pés, é também com a cabeça, o coração; é no balneário, é em casa, é com a família, é na rua. Um atleta não é atleta só no campo. O mesmo atleta tem muitos outros mundos onde vai circulando. Um atleta não é só para dar espectáculo. Tem um relacionamento na linha ética. O atleta tem o direito de ser feliz, não pode ser instrumen-talizado. Pode, muitas vezes, ser vítima de uma máquina que diria quase enferrujada ou lucrativa. Essa escravidão foi, felizmente, ultrapassada, mas pode haver em sectores desportivos ou artísticos, resquícios de uma certa escravatura. Eu creio e quero que haja uma libertação total, que haja um espírito aberto e que haja um relacionamento de outras pessoas de amizade e de verdade. AE – É o que espera para a realização do Euro? SFS – Publiquei uma pequena nota de boas vindas e para que o Euro 2004 nos dignifique. Andamos à procura de auto-estima, mas os pequenos sinais é que nos fazem ser um Portugal positivo e de inspiração relacional e cristã. Eu acredito que o Euro 2004, qualquer que seja o resultado da nossa equipa nacional, vai ser um investimento, para além dos estádios. Mesmo que lhe chamem catedral, um estádio é, sem um carrefour, um lugar de encontro de pessoas de muitas diferenças, culturais, partidárias, políticas ou clubísticas. Mas, na pluralidade, deve haver festa. Para isso é necessário haver respeito, uns pelos outros. AE – Ser jornalista, é uma paixão antiga, do Bispo Serafim Ferreira e Silva? SFS – É verdade. O saber escrever é uma arte, é um desafio, é uma exigência: o ter algo para comunicar e saber comunicar. Considero que é uma arte. Não quer dizer que eu tenha esses talentos, mas procuro, na comunicação, fazer entender o que está no meu pensamento, com toda a rectidão e toda a sinceridade. Porque o grande poema de qualquer ser humano, é a sinceridade: a busca do mais além nas coordenadas da verdade e não do fingimento. AE – Essa arte deveria ser aplicada a todos os projectos de comunicação? SFS – Há regras básicas imperecíveis, que não mudam. Há outras que são circunstanciais que têm um índice de tolerância. As regras básicas é que haja um sentido ético e um sentido estético: que haja seriedade no que se diz e beleza ou boa forma na maneira como se diz. AE – Porque gosta sempre de comunicar em Latim? SFS – A língua que melhor falo, depois do português é o latim… Uma vez ou outra recordo-me de expressões quase intraduzíveis, por isso corro o risco de dizer qualquer “palavrita” em latim…

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Agência ECCLESIA

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