Padre António Henrique, diocese de Viseu
Depois de termos percorrido todo o itinerário quaresmal – recordo que partimos do deserto árido na esperança de alcançarmos o jardim (e [claro!] não me refiro apenas ao tempo cronológico; este é um exercício permanente, cheio da graça de Deus – encontramo-nos, agora, no meio do jardim florido da Páscoa.
Esta imagem do jardim traz-nos à memória o maravilhoso e sugestivo relato do túmulo vazio (Jo 20 1-10) mas mais concretamente a aparição de Jesus (Ressuscitado), «fora», «junto ao sepulcro» aberto ((Jo 20 11-18), que vos convido a (re)ler no Evangelho de São João.
A «Apóstola dos Apóstolos», Maria Madalena, assim designada por São Tomás de Aquino, é a figura que nos inspira e desafia, especialmente, tendo em conta a época litúrgica que estamos a viver e o grande acontecimento deste ano: a JMJ Lisboa 2023.
Desde logo, o relato começa por nos oferecer uma informação importante acerca do local, dentro do jardim, onde Maria se encontrava: “junto ao sepulcro, do lado de fora”. Segue-se uma descrição simples e sucinta que, à primeira vista, pode parecer de pouca importância, mas, na verdade, revela o ponto do caminho em que Maria Madalena se encontra: Maria “estava a chorar”; e os movimentos seguintes são feitos neste estado, “sem parar de chorar”.
O pranto e a tristeza de Maria Madalena são-nos muito familiares e muito facilmente nos identificamos com esta mulher e com os seus sentimentos. Tinha acabado de “perder” uma pessoa próxima! Este choro de Maria Madalena recorda-nos o choro de Jesus junto do sepulcro do seu amigo Lázaro (Jo 11, 1-44).
Em contraste com o episódio imediatamente anterior, em que os discípulos homens voltam para sua casa, a mulher discípula permanece junto ao sepulcro de Jesus (v.11). Mas, ao mesmo tempo, encontramos uma semelhança: se os discípulos foram para casa, a discípula encontra-se… já em sua casa, porque para esta mulher o sepulcro (gr. ho mnemeion – literalmente «a memória») do Mestre tornou-se a verdadeira casa.
Maria Madalena não foge da memória do seu amado «Senhor», conservada no sepulcro, onde também ela permanece, fechada na morte. A sua procura está centrada na morte e «no morto», daí que ela não seja capaz de reconhecer Jesus numa pessoa viva. Contudo, ainda assim, o choro de Maria não é um choro de desespero, mas permanece aberto às perguntas de quem a possa ajudar a sair fora do seu próprio sepulcro.
(Também) Maria Madalena precisa de «ressuscitar». O sepulcro de Jesus é, ao mesmo tempo, o sepulcro de Maria, uma vez que ela permanece unida ao seu mestre mesmo na morte. É por isso que o relato de João, de algum modo, nos descreve um processo de uma «ressurreição» da discípula.
Este é um movimento gradual que corresponde a um caminho de fé. Como para ressuscitar, primeiro é necessário morrer, assim Maria, para sair do seu sepulcro e anunciar a ressurreição, tem que, indispensavelmente, passar através da escuridão do sepulcro, para ver em profundidade as vestes brancas dos mensageiros da ressurreição.
Na literatura joanina o termo “escuridão” (escuro, noite) é usado frequentemente para indicar a ausência da luz divina, isto é, o afastamento de Deus e, também, a morte (cf Jo 8,12). Mesmo que em Jo 20,1, o termo exprima em primeiro lugar uma falta de luz física, não se pode excluir, no entanto, uma alusão à dimensão figurativa (poderíamos pensar numa falta de fé ou numa fé débil!). A fé e a compreensão de Maria Madalena (v. 2) encontram-se, ainda, na obscuridade do «não saber» o que realmente aconteceu com Jesus. Está no início do seu caminho de fé no Ressuscitado, mas o seu primeiro passo em direção à luz, foi dado.
Como disse há pouco, importa, contudo, permanecer aberto às perguntas essenciais, como aquelas dos anjos e de Jesus, acerca do motivo da sua procura e da identidade do objeto procurado (v. 15). É importante não apenas olhar para ver, mas também escutar e responder (v.16); ou seja, entrar no diálogo com a própria experiência dolorosa/sombria e deixar-se guiar/conduzir para a luz da verdade.
«Quem procuras?» (v. 15). Esta pergunta de Jesus aparece, sob diversas formas, desde o início até ao final do Evangelho de São João, nos momentos cruciais do caminho de conhecimento, de decisão e de acolhimento ou não do verdadeiro Salvador.
Se, por um lado, o ministério de Jesus se abre com a pergunta «que procurais?», dirigida aos primeiros discípulos em Jo 1,28; por outro, a pergunta «Quem procuras?», dirigida a Maria Madalena, no nosso texto (v.15), marca o fim deste ministério. Ambas as perguntas, juntamente com aquela de Jo 18,4.7, feita por Jesus a quem veio para O entregar e prender no “jardim das oliveiras” (Jo 18,1), convidam a refletir não só acerca do objeto da procura, mas também sobre o motivo da dessa mesma procura. No fundo, convidam a refletir sobre a nossa própria relação, atitude e expectativas relativamente a Jesus.
O momento em que Maria Madalena reconhece Jesus é o culminar da cena, marcado por dois vocativos: «Maria!», na boca de Jesus, que provoca uma mudança no destinatário e «Rabbuni!», na boca de Maria Madalena, que responde a quem se lhe tinha dirigido. A situação evoca o simbolismo da semelhança na atitude do Bom pastor em relação às suas ovelhas (Jo 10,1-18), em particular (v. 2-4) onde podemos ler que «as ovelhas escutam» a voz do pastor que «as chama, cada uma pelo seu nome e as conduz para fora (…) porque conhecem a sua voz». Maria, ouvindo chamar pelo seu nome e graças à familiaridade com o Mestre, reconhece-O, porque conhece a sua voz.
O reconhecimento de Jesus, ainda que central, não constitui a verdadeira meta do caminho (v. 16). Aqui, Maria, chama Jesus usando o seu título terreno: «Rabbuni». Esta palavra deriva da transliteração grega do aramaico rabbî, que significa, literalmente, “meu mestre”. Este título de respeito, atribuído frequentemente no judaísmo do tempo de Jesus aos “professores” e mestres, no NT aparece referido a Jesus (cf Mc 9,5; e paralelos; Jo 1, 38.49; etc) a João Batista (Jo 3,26) ou outros (Mt 23,7).
Embora tenha, finalmente, acreditado que “o morto” tenha voltado à vida, ainda vê nele um Jesus terreno, O de antes, como se tivesse sido reanimado, à semelhança de Lázaro. Maria «volta-se» e «aproxima-se» em direção à vida, mas deve, ainda, subir mais um degrau na sua fé para reconhecer na pessoa do Jesus visível, que conheceu tão bem, «o Senhor» (v.18) glorificado e unido ao Pai.
Podemos, assim, entender melhor aquela proibição de Jesus «não me detenhas»/«não me agarres» (v. 17). Maria quer agarrar-se à presença de Jesus, aquela de antes, ligada à dimensão espácio-temporal. Na verdade, só não (se) agarrando (a) Jesus, fisicamente, e realizando a sua missão de anunciar a ressurreição e a nova relação filial entre o Homem e Deus (v. 17), Maria alcança a plenitude da sua fé, que se exprime e manifesta no anúncio e no testemunho. Isto é, só saindo do jardim florido da Páscoa, levando consigo o perfume da ressurreição, é que Maria Madalena pode dizer aos discípulos e a todos «Vi o Senhor!», tornando-se, ela mesma, a primeira discípula que viu o Ressuscitado e, simultaneamente, o «anjo», que quer dizer mensageiro, da dupla ressurreição: a de Jesus e a sua própria.
Este é um relato que (nos) mostra o caminho de fé de Maria Madalena e que nos pode ajudar, também a nós, a ressuscitar; a sair do (des)conforto do jardim ou do sepulcro e a anunciar com a vida a alegria da presença do Ressuscitado no meio de nós e que connosco caminha e se quer encontrar.
O encontro de Jesus com Maria Madalena, em que, mesmo conversando com Jesus, esta não foi capaz de O reconhecer, provoca uma mudança profunda, que não é só material (sair em direção a Jerusalém) mas também espiritual (crer e testemunhar).
O objetivo desta partilha é o de ajudar o leitor a olhar para este modelo de caminho da e na fé pascal, a fim de que possa confrontar a sua experiência espiritual batismal com o paradigma de Maria Madalena, pois, também o leitor, que vive situações de perda/morte, é chamado pelo seu próprio nome, etc…, é desafiado, como ela, a fazer este caminho progressivo que o leva do encontro que acontece no jardim florido da Páscoa, em cada domingo, à(s) [novas] praça(s) que frequenta diariamente, testemunhando com a vida esta, sempre nova e grande, esperança de que o Senhor está vivo e quer (ch)amar a cada pessoa pelo seu nome!