Dividir para reinar

Octávio Carmo, Agência ECCLESIA

Os media têm de deixar definitivamente de lado a ilusão ou pretensão de apresentar “a” realidade, numa relação unidirecional com o seu público. A ideia de que seria possível, quando não mesmo desejável, uma uniformização da visão global sobre o mundo e a humanidade encontrou no desenvolvimento dos vários meios de comunicação social um aliado, em determinadas alturas, mas também um forte opositor e, neste momento, provavelmente o seu maior obstáculo. O que não é mau, necessariamente. A diferença é um valor fundamental da humanidade, mas o seu endeusamento, esquecendo a dimensão relacional – e o respeito pelo outro, que é o diferente -, é um perigo muito significativo.

O problema está, muitas vezes, no discurso de “ódio”, para o qual alerta o Papa Francisco na sua mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais 2016. Muitos têm a experiência do que significa, por exemplo, participar regularmente num fórum ou num grupo do Facebook em temas que lhes são particularmente caros. Ali só existe um caminho, a defesa daquela “verdade”, muitas vezes em confronto com outros grupos, o “inimigo”.

Essa pretensão de ter “a” verdade sobre os factos tem-se generalizado e agravado pela desconfiança face às mediações tradicionais – a Comunicação Social transmite “uma” realidade e opta por fazê-lo como resposta a condicionantes e interesses das mais variadas origens.

Obviamente, não existe no jornalismo uma comunicação assética, completamente equidistante de todas as visões. A questão, no entanto, é a tentação de se prescindir desta mediação para nos fecharmos em grupos ideológicos, sem ouvir os outros, convencidos de que encontramos a verdade e de que tudo o resto é uma fabricação. Em vez de nos realizarmos mais como seres humanos, em relação, acabamos por definhar, surdos e cegos ao que acontece para lá da “cerca digital” que levantamos à nossa volta.

Não surpreende, por isso, que tantos se preocupem com a solidão ou o isolamento num mundo que as tecnologias permitem ligar como nunca antes. Porque a tecnologia, por si só, não traz mais conhecimento nem capacidade de interpretação, não aumenta a qualidade dos relacionamentos nem define o que é bom e verdadeiro.

O apelo do Papa Francisco para que se abandone o discurso do ódio na comunicação, para que as pessoas saiam das suas trincheiras, num dia que passa cada vez mais pelas redes sociais e o mundo digital, ganha por isso um relevo particular: “Num mundo dividido, fragmentado, polarizado, comunicar com misericórdia significa contribuir para a boa, livre e solidária proximidade entre os filhos de Deus e irmãos em humanidade”. Porque o segredo do mal sempre foi dividir para reinar.

Octávio Carmo

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