Dívidas da habitação são questão social

Especialista alerta para necessidade de definir casos de «entrega da casa» aos bancos

Lisboa, 16 mai 2012 (Ecclesia) – O sistema jurídico português tem de encontrar uma solução para a “questão social” criada pelo “reiterado incumprimento” de centenas de milhares de famílias dos “contratos de mútuo para aquisição de habitação”, defende o advogado António do Espírito Santo.

Em texto publicado na mais recente edição do Semanário Agência ECCLESIA, o especialista sublinha que a resolução “premente” destes casos “necessariamente terá de ser encontrada no respeito do sistema jurídico”, alertando para os riscos inerentes à ideia de que “uma casa vale a dívida” na generalidade dos casos.

O professor auxiliar do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) sublinha que esta situação se aplica unicamente aos casos “hipoteca para aquisição de habitação própria e permanente”, com “a aceitação do credor expressa em acordo, ou tácita mediante a admissão do valor da venda judicial e, por maioria de razão, quando o credor adquire o imóvel”.

Neste contexto é referida a sentença de um juiz do tribunal de Portalegre, o qual decidiu que em caso de incumprimento, a entrega de casa ao banco liquida todo o empréstimo em dívida.

António do Espírito Santo fala numa decisão “controversa e douta”, que “faz um correto enquadramento jurídico, separando o trigo do joio, pelo que é abusivo fazer-se da sentença extrapolações e interpretações extensivas que o seu texto não consente”.

O autor lembra os efeitos da crise económica e as situações de quebra de rendimentos e desemprego que afetam cada vez mais portugueses, recordando que o artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa diz que “todos têm direito, para si e para sua família a uma habitação condigna”.

“Se os beneficiários do empréstimo virem a sua habitação própria e permanente ser vendida em processo executivo, ficando sem ela e, em função da quebra de valores não tendo outros bens, o sistema jurídico cria uma situação em que, sem culpa dos devedores, estes poderão ver ainda penhorados os seus vencimentos e reformas até um terço pela entidade emprestadora”, observa, afirmando que esta situação “inviabiliza o direito constitucional à habitação e viola, por isso, um princípio de ordem pública” do ordenamento jurídico.

O docente do ISCTE-IUL destaca, por outro lado, que se no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa se contempla a hipótese de “um arrendamento alternativo, depois da venda do imóvel de habitação própria por preço inferior à hipoteca”, situação paralela “terá de suceder nas vendas judiciais em que o credor seja adquirente não podendo deixar o devedor sem hipóteses económicas de arrendar casa alternativa”.

No futuro, acrescenta, “para além do alargamento do prazo dos empréstimos, muitos deles já no prazo máximo, admite-se como justificável dar a preferência de arrendamento dentro dos valores de mercado aos devedores hipotecários em mora ou incumprimento”.

OC

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