Discurso do Arcebispo de Braga na abertura das Jornadas da Cultura

Religião, Igreja e Sociedade

São muitas as iniciativas promovidas pela Igreja nos mais variados âmbitos da vida humana. As primeiras Jornadas da Cultura sobre “Religião, Igreja e Sociedade” inserem-se nesse contexto e manifestam a pertinência do cristianismo no contexto do debate público. Estas Jornadas expressam a urgência dum diálogo permanente entre razão e fé. A história europeia é um claro exemplo da tensão permanente entre estes dois pólos antropológicos, de relação ora divergente ora convergente na procura da Verdade mais autêntica do Homem. Diante das grandes questões que alimentam a discussão pública entre ciência e religião, podemos concluir que a cultura sem a referência à fé perde uma parte da sua fundamentação e a fé sem a compreensão da razão fica privada da racionalidade que a acredita. Quanto a esta interacção é célebre o aforisma de Santo Agostinho: Crede ut intelligas, intellige ut credas.

 

O Santo Padre, na recentíssima Exortação Post-Sinodal «Verbum Domini», integra esta mútua relação através duma certeza e duma proposta. Como certeza Bento XVI sublinha “o vínculo indissolúvel que existe entre a Palavra divina e as Palavra humanas” uma vez que “Deus não se revela ao homem abstractamente, mas assumindo linguagens, imagens, expressões ligadas às diversas culturas. Trata-se duma relação fecunda. Hoje tal relação entra também numa nova fase, devido à propagação e enraizamento da evangelização dentro de diversas culturas e nas mais recentes evoluções da cultura ocidental.” Esta certeza traz para a Igreja uma responsabilidade acrescida: “ reconhecer a importância da cultura como tal para a vida de cada homem” uma vez que ela se apresenta “como um dado constitutivo da experiência humana” (conf. V.D. 109).

 

Desta certeza, nem sempre convenientemente interpretada na pastoral, emerge, por parte do Papa, uma proposta que se torna um desafio a concretizar. Se é verdade que ao longo dos séculos, a Palavra de Deus se tornou inspiradora das diversas culturas “gerando valores morais fundamentais, expressões artísticas magníficas e estilos de vida exemplares”, urge potenciar um encontro inédito e sempre renovado da Bíblia e dos grandes princípios do cristianismo com a diversidade das expressões culturais. Necessidade não apenas sociológica mas kerigmática, evangélica e catequética. Por isso, a proposta está em reconhecer a Palavra como estímulo constante para uma verdadeira cultura, na convicção de que “para servir verdadeiramente o homem, cada cultura autêntica deve estar aberta à transcendência e, em última análise, a Deus”. (Conf. V.D. 109)

 

Nesta convergência necessária, que respeita pensamentos e estilos de vida diferentes, situo a perspectiva dos resultados destas Jornadas Culturais. Espero que não sejam mais um conjunto de conferências de garantida qualidade pelo renome dos intervenientes. Ouso esperar que se provoque um encontro verdadeiro que espelhe no presente e projecte no futuro caminhos novos de diálogo entre a fé e razão. O espaço da Arquidiocese está dotado dum conjunto de Instituições Universitárias cujo potencial pode e deve ser aproveitado para desenvolver a inteligência do pensamento, suscitar o encontro e o debate cultural entre as diversas ciências humanas. A Universidade deve estar atenta ao meio cultural que a rodeia para exercer aí a sua missão inteligente de serviço à causa pública. A Igreja, por seu lado, também tem marcado a cultura com a originalidade do seu pensamento nas mais diversificadas manifestações artísticas. Tal como a Universidade, o mundo eclesial precisa sempre de extravasar o âmbito dos espaços sagrados e entrar na vida dos homens, propondo de forma clara e inequívoca a sua concepção acerca do sentido da vida humana.

 

Nesta perspectiva, partilho uma preocupação pastoral que sempre me acompanhou. Necessitamos, como Igreja, de ouvir e escutar as expectativas e as preocupações da humanidade. Daí que estas Jornadas se inserem neste movimento criativo de um espaço aberto à reflexão múltipla, de acolhimento, de debate em torno de assunto sempre oportuno a toda a sociedade. Esta necessidade está expressa e assumida como imprescindível no Programa Pastoral da Arquidiocese: “Criar espaços onde, através do mundo da arte e da cultura, a palavra de Deus possa dialogar segundo as exigências dos tempos modernos”.

 

Esta opção torna-se ainda mais concreta quando, no mesmo local, afirmamos: “Ponderar a criação, tal como sugerido pelo Papa Bento XVI, de um “pátio dos gentios”. Seria um espaço multidisciplinar, aberto a crentes e não crentes, que terá como principal preocupação um diálogo franco e aberto sobre as várias dimensões da vida humana”. “Preparar conferências, tertúlias e exposições sobre as grandes questões que afectam o homem, a sociedade, a ciência e a economia, de modo a renovar-se mentalidades e dar lugar a novas relações entre fé e razão”.

 

Auguro para estas I Jornadas da Cultura um efeito multiplicador de iniciativas deste cariz, que coloquem no espaço cultural o contributo do pensamento cristão no desenvolvimento e na harmonia das relações entre os povos, culturas e religiões de todo o mundo. Agradeço ao trabalho conjunto da Pastoral Universitária e da Vigararia Episcopal da Cultura e Diálogo pela organização destas Jornadas. A todos desejo um bom trabalho.

† Jorge Ortiga, A.P.

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