Discurso de abertura da 189ª Assembleia Plenária da CEP

Fátima, 4 de abril de 2016

1. Senhor Núncio Apostólico, caros irmãos no Episcopado e demais participantes na 189ª Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa: Saúdo cordialmente a todos, na alegria e na luz que a Páscoa de Jesus Cristo nos trouxe e nunca deixa de oferecer.

 

Saúdo muito especialmente o Senhor D. António Braga, Bispo Emérito de Angra, com o agradecimento por todo o trabalho feito na Diocese e na diáspora açoriana, com a grande caridade pastoral que é seu timbre. Saúdo o Senhor D. João Lavrador que lhe sucedeu e com as suas muitas qualidades dá seguimento episcopal à vida da mesma Diocese. E refiro com muita amizade e companhia os Senhores D. Nuno Almeida e D. António Augusto Azevedo, respetivamente Bispos Auxiliares de Braga e do Porto, cuja presença tanto enriquece a nossa Assembleia e a Conferência Episcopal Portuguesa.

 

2. A nossa agenda destes dias contém os pontos habituais e referentes ao trabalho do Conselho Permanente, das Comissões e outros órgãos da CEP. Trabalho que se pode considerar mesmo o mais importante desta instância de mútua e paritária colaboração das dioceses portuguesas, concretizando no dia a dia aquela sinodalidade eclesial que o Papa Francisco tanto requer, na melhor receção do Concílio Vaticano II.

Além dessa partilha de trabalhos setoriais e convergentes, dedicaremos algum tempo a pontos de maior oportunidade eclesial e social, que devemos aprofundar também aqui. É o caso da aplicação do Motu Proprio Mitis Iudex Dominus Iesus, sobre o papel do Bispos diocesanos nas causas matrimoniais; da reflexão sobre a eutanásia, tema que foi entretanto objeto duma Nota Pastoral do Conselho Permanente da CEP (Eutanásia: o que está em jogo? Contributos para um diálogo sereno e humanizador, 8 de março de 2016); ou do Centenário das Aparições de Fátima, facto central e quase estruturante do catolicismo português contemporâneo, que o Papa Francisco certamente corroborará com a sua presença no próximo ano.

 

 

3. O primeiro destes pontos refere-se a um dos vários aspetos da ampla temática familiar, que encontra na atual Exortação Apostólica um importantíssimo patamar teológico e pastoral. O Papa Francisco escreve-a na sequência de duas assembleias do Sínodo dos Bispos que situaram no vínculo conjugal e na família a base mais firme da convivência comunitária e social. Temos aqui, seguramente, uma perspetivação e um critério imprescindíveis para a ação pastoral no seu conjunto, para que cada comunidade se torne “família de famílias” – e estímulo para a sociedade no mesmo sentido. O que implica preparação remota e próxima e depois acompanhamento persistente de cada matrimónio e família.

O segundo ponto incide sobre o debate atual na sociedade portuguesa em torno da eutanásia. Com a referida Nota Pastoral, quisemos dar um «contributo para esse debate, que desejamos seja um diálogo sereno e humanizador» e chamar a atenção para «o que verdadeiramente está em causa». Não nos alheamos do sofrimento de muitos e da falta de resposta que ainda encontra, por carências de várias ordem, que podem e devem ser colmatadas. Mas estamos convictos de que «não se elimina o sofrimento com a morte: com a morte elimina-se a vida da pessoa que sofre. O sofrimento pode ser eliminado ou debelado com os cuidados paliativos, não com a morte». E alertamos para que, com uma hipotética legalização da eutanásia, que de todo rejeitamos, «há o sério risco de que a morte passe a ser encarada como resposta a essas situações, já que a solução não passaria por um esforço solidário de combate à doença e ao sofrimento, mas pela supressão da vida da pessoa doente e sofredora, pretensamente diminuída na sua dignidade».

O Centenário das Aparições de Fátima já é e ainda mais será um importante fator de reencontro e expansão do que o sentimento “católico” de grande parte do nosso povo pode oferecer à sociedade em geral. Na verdade, a Mensagem de Fátima traz-nos um “Céu” preocupado com a “Terra”, e assim mesmo expresso no que a Mãe de Cristo diz aos pastorinhos e nos diz a nós: construir a paz pela conversão das vidas, adorando a Deus e fazendo o bem.

 

 

4. A alegria e a luz que a Páscoa de Jesus Cristo trouxe à humanidade inteira são hoje particularmente oportunas, face a tantos desafios da sociedade e da cultura.

Por “sociedade”, refiro-me ao que somos no país, na Europa e no espaço além desta, tudo direta ou indiretamente afetado por problemas de vária ordem. Não está superada a “crise” financeira do final da década anterior, com as respetivas consequências no setor do trabalho e da subsistência de quem não o tem; não se integraram devidamente na nossa sociedade e valores civilizacionais básicos muitas pessoas provenientes de outras partes do mundo, criando-se com um duvidoso “multiculturalismo” autênticas bolsas de mútua exclusão, propícias a atitudes de grande violência; não se encontrou ainda uma solução capaz para o surto incomum de migrantes e refugiados que procuram no nosso Continente as condições básicas de vida que a guerra e outras causas negativas destruíram nas suas terras de origem; gravíssimos problemas como os fundamentalismos, o terrorismo ou a insegurança interligam-se num fundo comum de desconhecimento e até rejeição dos outros, quando teríamos todas as possibilidades materiais e mediáticas para estarmos realmente próximos e ser muito mais solidários.

O Papa Francisco tem-nos sucessivamente alertado para estes e outros problemas humanitários, como que recentrando a Igreja nas periferias em que ela própria começou (periferia do sistema sociocultural da altura), para reencontrarmos aí mesmo a oportunidade evangelizadora. E o que tem dito e escrito configura-se como “cultura” no sentido próprio, tanto em termos de solidariedade efetiva com quem sofre, como na perspetivação humana e humanizadora que adianta.

Esta perspetiva apresenta-se de modo sistemático e global na encíclica Laudato si’, sobre o cuidado da casa comum, de 24 de maio último, que deve ter na Igreja e na sociedade uma “receção” persistente e profunda. Propõe uma resposta integrada e harmónica para a diversa problemática que nos afeta como humanidade, não deixando o mundo físico entregue à manipulação tecnológica, o mundo sociopolítico ao jogo dos interesses mais ou menos confessados de grupos e países, ou os valores reduzidos ao desejo de cada um.

A proposta cultural do Papa Francisco afirma-se como “ecologia integral” (cf. Laudato si’, nº 137ss), ideia já presente no magistério pontifício mas agora mais especificada. A generalização dos problemas requer ainda mais a integralidade da resposta: «É fundamental buscar soluções integrais que considerem as interações dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais. Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socioambiental. As diretrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza» (Laudato si’, nº 139).

 

 

5. Com estes pontos e referências, além do mais, iniciamos a nossa Assembleia Plenária. Pedindo a Deus a luz inteira que nos esclareça na ideia e na decisão. E à Mãe da Igreja a sua intercessão e companhia.

 

+ Manuel Clemente, cardeal-patriarca de Lisboa e presidente da CEP

Fátima, 4 de abril de 2016

 

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