Direitos Humanos: Rede Europeia de Religiosas debate respostas ao crime «degradante» do tráfico de pessoas

Assembleia Geral, em Fátima, denuncia fenómeno «endémico» e «transnacional»

Foto: Agência ECCLESIA/OC

Fátima, 14 nov 2022 (Ecclesia) – A RENATE – Rede Europeia de Religiosas contra o Tráfico e Exploração – iniciou hoje em Fátima os trabalhos da sua terceiro assembleia geral, alertando para a necessidade de denunciar um crime “degradante” para o ser humano.

A irmã Júlia Bacelar, da Comissão de Apoio às Vítimas do Tráfico de Pessoas, das congregações religiosas em Portugal, sublinhou na sua intervenção que as vítimas “esperam a ajuda necessária para quebrar as suas cadeias, que são múltiplas, complexas e sofisticadas”.

A religiosa da Congregação das Irmãs Adoradoras Escravas do Santíssimo Sacramento falou do tráfico como um “grave atentado aos Direitos Humanos” e um fenómeno “transnacional”.

“Todos temos culpa no cartório”, alertou, antes de pedir que se encontrem “respostas corajosas” a um problema “endémico”, que vai do mundo do desporto aos campos agrícolas, passando, sobretudo, pelo “terreno da exploração sexual”.

A irmã Júlia Bacelar declarou que “a vida religiosa não quer, de forma alguma, ser cúmplice”, relativamente a este crime, uma “escravatura moderna”

A Assembleia Geral decorre até sexta-feira, sob tema ‘Juntos Para 2030: Acabar com o tráfico, em movimento, realizando o sonho de um mundo livre de escravidão’.

O painel inaugural contou com o relator nacional de Tráfico de Seres Humanos, Manuel Albano, o qual denunciou o tráfico como um crime “degradante”, com “grandes custos humanos” para as vítimas, bem como para “a economia e a sociedade de qualquer país”

“É uma violação grosseira dos mais elementares direitos da pessoa”, apontou.

O responsável abordou as quase duas décadas de “trabalho consistente” nesta matéria, em Portugal, falando num “progresso significativo”, relativamente à proteção das vítimas.

Para o relator, são necessários mecanismos “nacionais e transnacionais” para interligar intervenções, numa resposta mais sustentada para este problema.

Manuel Albano assumiu que é urgente passar das “boas intenções a ações reais”, para ajudar as vítimas, atuando nos países de origem, trânsito e destino, com uma visão “holística”, multidisciplinar, que supere a aproximação centrada apenas na perspetiva criminal.

A intervenção destacou a centralidade das “parcerias” e de conquistar a “confiança” das vítimas, dando como exemplo a atuação das equipas multidisciplinares na receção aos refugiados da guerra na Ucrânia.

Em 2021, registou o responsável, Portugal teve 318 casos sinalizados, com seis confirmações e 144 casos em investigação pelas autoridades competentes.

“O crime de tráfico de seres humanos é muito difícil de provar”, alertou, assinalando a importância de ouvir as pessoas para “memória futura”, na presença de advogados e de um juiz.

Teresa Martins, responsável do setor da migrações da Cárita Diocesana de Beja e coordenadora do CLAIM – Centro Local de Apoio à integração de Migrantes, afirmou, por sua vez, que o tráfico de seres humanos no Alentejo está “muito presente”, sobretudo nas explorações agrícolas.

A conferencista elencou uma série de problemas detetados na área laboral, sobretudo junto de homens imigrantes, como a “angariação ilegal de mão-de-obra, falsas promessas salariais”, coação e ameaças de intermediários ou habitações sem condições.

Ana Barrocas, técnica de mediação sociocultural do CLAIM de Beja, abordou a sua experiência ao nível do atendimento da população migrante, com maior incidência de países africanos, bem como da Índia, Paquistão e Nepal, Venezuela e Brasil.

A responsável disse que têm surgido com “bastante frequência” questões ligadas à exploração laboral, face a um contexto “muito propício”, nas explorações agrícolas.

As diferenças culturais, como o desconhecimento dos seus direitos laborais e do Estado social, o impacto da “exclusão social”, que aumenta o desconhecimento de direitos e deveres, e as “barreiras linguísticas” potenciam estas irregularidades.

Ana Barrocas destacou que os imigrantes que “aprendem o sistema” acabam, depois, por explorar quem chega.

O painel foi introduzido por Eugénia Quaresma, diretora da OCPM, que apresentou o trabalho deste organismo da Conferência Episcopal Portuguesa e destacou o interesse dos bispos católicos em “aprender” mais sobre o tema do tráfico de seres humanos, em particular após a publicação das Orientações Pastorais da Santa Sé, em 2019.

Foto: Agência ECCLESIA/OC

A irmã Imelda Poole, presidente da RENATE, deu as boas-vindas aos participantes e apresentou o trabalho da rede, empenhada em “implementar justiça para as vítimas e sobreviventes” do tráfico humano.

As religiosas, acrescentou, são contra qualquer forma de prostituição, considerando que a mesma leva ao tráfico sexual.

A RENATE, indicou a irmã Imelda Poole, procura “abolir qualquer forma de tráfico humano e exploração, que violam a dignidade humana e os direitos das pessoas”.

OC

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Agência ECCLESIA

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