Direitos Humanos: «É preciso garanti-los nas situações concretas»

10 de dezembro, aniversário da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos pelas Nações Unidas. Foi em 1948, mas permanece por cumprir, também em Portugal, como lembra Inês Quadros Inês Quadros, vice-presidente da Associação de Juristas Católicos, na entrevista Renascença/Ecclesia, onde aborda também a revisão da Constituição e a legalização da eutanásia

Foto Agência ECCLESIA/PR, Inês Quadros

Entrevista conduzida por Henrique Cunha (Renascença) e Paulo Rocha (Ecclesia)

O Papa Francisco defende recorrentemente que todas as pessoas do mundo têm direito a se desenvolverem plenamente e pede especialmente por aqueles que arriscam as suas vidas lutando pelos direitos fundamentais. No século XXI, este apelo não deveria ser já necessário?

Deveria ser desnecessário, mas não é! E nós, todos os dias, assistimos e entram-nos pela casa e vemos nas nossas ruas tantos atropelos à dignidade das pessoas que, de facto, o apelo do Papa Francisco torna-se cada vez mais relevante e mais urgente.

No início referiu a Declaração Universal dos Direitos do Homem que de forma tão bonita e impressiva afirma a dignidade de todos e a igualdade de todos. E realmente temos muitos exemplos atualmente de como essa dignidade, essa igualdade, não são verdadeiramente cumpridas. Seria bom se, alguma vez, o apelo do Papa passasse a ser desnecessário. Mas não creio que seja assim.

A pandemia e as dificuldades por ela criadas com o aumento de situações de pobreza também fizeram aumentar o risco de desrespeito pelos direitos das pessoas?

É verdade: a pandemia acentuou a desigualdade. Foi um período marcante e muito novo, no horizonte histórico da nossa vida. E tornou-se evidente também a fragilidade da condição humana. De facto, a pretexto – e não é um mau pretexto: a saúde é necessariamente um bom pretexto para a intervenção e para a proteção. Mas, de facto, a pessoa deve ser considerada na sua inteireza, na sua integralidade. Durante a pandemia foi evidente que para muitas pessoas esquecidas, os últimos da sociedade, para além da necessidade de saúde, houve outras necessidades grandes que foram descuradas. Penso em particular nos idosos, que estão mais isolados, mais sozinhos e que foram provavelmente abandonados, em muitos casos, e, noutros casos, confinados e impedidos de se relacionar com os seus familiares, com as suas comunidades. Impedidos também de participar nas celebrações religiosas, que seriam, para muitos deles, um momento de esperança. Creio que houve uma falha em considerar a pessoa na sua inteireza, não só na dimensão da saúde, e mesmo essa noutros aspetos, para além da luta contra a pandemia. Provavelmente a saúde foi descurada em muitas outras dimensões. Mas também outras dimensões da pessoa humana

A saúde evidentemente é necessária, mas aquilo que permanece é dignidade infinita da pessoa, que é muito ampla, que engloba a dimensões de saúde, mas não só a dimensão da saúde. E essa creio que foi descurada.

Referiu os idosos: foi uma população que viu os seus direitos de proteção, nomeadamente durante a pandemia, esquecidos?

Creio que os idosos foram claramente uma população que sentiu particularmente esta pandemia. Também podemos falar das crianças, daquelas em situações mais complicadas e que provavelmente também estiveram numa situação de abandono, mesmo que não abandono físico, mesmo que permanecessem em casa com suas famílias, mas com os seus direitos e a educação afetados.

Mas, no caso dos idosos em particular, eu creio que isso deve-se ter sentido de forma mais urgente, porque, no fundo, o horizonte da sua vida é um horizonte menor e não puderam muitos deles ocupar-se daquilo que lhes dava esperança e preenchia o seu dia. E, portanto, diria que esta população, em particular, sentiu de forma mais intensa a solidão que a pandemia gerou.

Foto Agência ECCLESIA/PR, Inês Quadros

Destas situações chegara-lhe alguns casos, foram reportados alguns casos e identificou algumas situações mais graves desse ponto de vista?

No caso dos idosos, soubemos de duas dimensões que nos tocaram profundamente: por um lado, o isolamento nos lares e a proibição das visitas que me parece que foram casos mais marcantes do ponto de vista da violação dos direitos dos idosos; outra questão que eu me lembro também de ver referida na altura, e fomos sabendo de casos, a circunstância de poderem não ter acesso a cuidados médicos mais urgentes que não aqueles associados à pandemia. Foram duas situações das quais ouvimos falar com grande frequência.

Um dos temas do momento é o Mundial de Futebol do Catar e muito se tem dito sobre a violação dos Direitos Humanos no país e muito se tem escrito também sobre a presença das autoridades nacionais e internacionais no evento, neste Mundial. Na sua opinião, deveria ter havido um boicote político ao Mundial?

Eu julgo que o futebol empenha-nos, empenha muita gente e movimenta muitos milhões, de pessoas e de dinheiro. Mas eu acho que, por vezes, o futebol é instrumentalizado e  próprio discurso dos Direitos Humanos também é, muitas vezes, instrumentalizado. Temos que nos ocupar com o que temos aqui, à nossa porta: nas nossas casas, nas nossas ruas, do nosso bairro, na cidade, no país, há muito por onde fazer. Mais do que fazer dos Direitos Humanos uma bandeira, é preciso garanti-los, no caso concreto, nas situações concretas. E o que está ao nosso alcance é aquilo que existe aqui no nosso país. Não me parece que erguemos bandeiras em relação aos Direitos Humanos no Catar avance muito na proteção efetiva…

E, se calhar, o problema está mais a montante quando a FIFA atribuiu a organização deste Mundial ao Qatar…

Claro que sim. Isto é tudo barulho. E que, no fim, é barulho estéril… Porque na verdade, passaram 15 dias, três semanas, já não tenho bem presente o início do Mundial de futebol, e a questão já passou e só se fala de futebol…

Mas podemos falar daquilo que está mais junto a nós, que esta ao pé da porta, nomeadamente na defesa de Direitos Humanos, e não precisamos de ir tão longe para perceber que nem sempre há esse respeito pelos Direitos Humanos. Recentemente voltámos a ter notícias do alegado tráfico de pessoas no Alentejo, depois de, há cerca de um ano, sermos confrontados com imagens de condições desumanas em que vivem muitos imigrantes que lá trabalham. O que está a faltar para que, de facto, os Direitos Humanos sejam garantidos, nestas situações?

É realmente uma tragédia e são notícias que vão aparecendo recorrentemente: de vez em quando aparecem notícias de desmontadas das redes de tráfico humano. E parece incrível que, em 2022, no século XXI, entre nós…  É uma coisa que impressiona e muito, porque estamos a falar dentro das nossas comunidades …

Aquilo que tanto condenamos estamos a praticar…

Aqui mesmo. Aparentemente temos uma sociedade muito inclusiva, que promove, que afirma a inclusão nas várias dimensões e depois, na verdade, o que nós assistimos, em concreto, é um  aproveitamento, nalguns casos, de uma grande vulnerabilidade e uma dificuldade ou incapacidade. Diria uma ignorância culposa: sabendo que isto existe, permitir que aconteça.  É muito chocante que no século XXI ainda tenhamos que assistir a isso: um aproveitamento de tão grande da fragilidade, da pobreza e da miséria… Um aproveitamento de pessoas que vêm de países onde não conseguem ter a mínima esperança, aqui aliciadas, ludibriadas. Não acredito que não haja nas comunidades alargadas conhecimentos disto. Fechar os olhos a esta realidade é algo que não pode acontecer.

Foto Agência ECCLESIA/PR, Inês Quadros

Mas faltará mais prevenção, mais fiscalização?

Provavelmente as duas coisas. É evidente que num espaço europeu de circulação livre se podem potenciar estas situações. Mas não é realista que numa sociedade em que existem meios – a  Autoridade para as Condições do Trabalho – para verificar a maneira como as pessoas trabalham, nas suas várias dimensões, que isso não seja fiscalizável…

E houve denúncia por parte da Igreja, já há muitos anos… Lembro as intervenções do bispo de Beja sobre esta questão…

Estamos a falar de coisas que são recorrentes e persistentes na sociedade . É, de facto muito,  preocupante…

A Associação dos Juristas Católicos tem acompanhado esta situação? Nomeadamente no caso que ocorreu há mais de um ano, notou alguma evolução no que diz respeito à fiscalização e ao acompanhamento das situações?

A verdade é que esta rede de que se falou agora recentemente era de facto muito extensa e muito grande. Portanto, é difícil conceber que, ao fim deste tempo e com os avisos, não tenha havido uma maior fiscalização, no terreno, concretamente, para além das entidades que tem responsabilidades e contacto com as comunidades (a Igreja é uma delas), que não haja da parte das autoridades oficiais mais precaução. Depois tem de haver também uma dissuasão clara deste tipo de atividades. A prevenção não cumpre o seu papel, mas depois tem que haver uma fiscalização boa desta situação.

E o que dizer daquelas pessoas ou entidades que depois beneficiam destas situações de tráfico?

No fundo, é a dimensão pessoal que nos choca. Falava-se também nas pessoas que colaboram na criação das empresas, que colaboram depois na legalização e que falsificam documentação. O facto de se encarar as pessoas não como tal, mas como números, como objeto de negócio e como possibilidade de serem transacionados… Isto cobre várias dimensões e vários graus de culpa: quem promove, quem alicia, quem se aproveita da situação frágil dos imigrantes, destes trabalhadores nos seus países de origem e depois quem, no local, como contacto local, fomenta ajuda, apoia, do ponto de vista burocrático, estas situações. É uma realidade que é muito transversal em muitas dimensões da sociedade e isso não é aceitável.

Foi anunciado o processo de revisão constitucional. Acha que o momento deveria ser aproveitado, como sugere, por exemplo, o presidente da CNIS, para colocar a proteção social como obrigação do Estado?

A nossa Constituição já é uma Constituição com um forte reconhecida dos direitos sociais. Uma Constituição demasiado extensa, demasiado ampla, acaba por vezes por limitar, por ser demasiado rígida. Todo o reforço dos direitos dos mais frágeis ou daqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade é, de facto, bem-vindo. Se for preciso reforçar essa dimensão da Constituição, parece-me que sim. Mas, a Constituição já fala, logo no primeiro artigo, no facto do Estado português ser um Estado de Direito democrático que assenta nos valores da justiça, da solidariedade. Já refere, no fundo, o direito universal à Segurança Social, o direito à educação, o direito à saúde.

Não sei se há necessidade de afirmar mais. Falta cumprir tudo o que lá está.  Falta cumprir todas as dimensões da proteção social. Não sei se haverá muito mais a afirmar para além daquilo que é uma evidência. De facto, tudo o que lá está não é apenas um programa, é uma clara indicação aos poderes públicos, em particular ao legislador, para a proteção dos Direitos Humanos.

Foto Agência ECCLESIA/PR, Inês Quadros

Acha que, mais do que rever a Constituição, é necessário fazê-la cumprir?

É necessário fazê-la cumprir fundamentalmente, levar a sério os direitos sociais que ali estão inscritos e identificar as áreas de maior carência e estar perto das situações de maior vulnerabilidade, sejam elas a infância, a maternidade e paternidade, seja a doença, seja a velhice. Tudo isso precisa muito de ser cumprido e ainda não é. Todos os dias assistimos a situações que nos chocam, em que claramente não há uma tomada em consideração destas situações.

Do ponto de vista da associação, faz sentido uma revisão constitucional, neste momento?

A revisão constitucional convinha que servisse para congregar a sociedade portuguesa. E aquilo que me parece, à partida, é que poderá fazer sentido, num ou noutro ponto, mas ela não foi realmente assumida pela generalidade dos partidos no momento das eleições. E a história das revisões constitucionais anteriores é de um maior consenso dos partidos, que decorre do reconhecimento de algumas lacunas pela sociedade. E não assisti a isso nas últimas eleições. Portanto, a composição atual do Parlamento não sei se pode propor um projeto dessa envergadura que precisa de um grande consenso. Portanto, não acho que seja essencial neste momento uma revisão constitucional.

Está ferida de legitimidade? tendo em consideração que não foi um tema de campanha….

Não está ferida de legitimidade, mas era bom que essa discussão tivesse sido feita. A Assembleia da República pode fazê-lo, do ponto de vista formal. Mas parece-me que não encontro uma razão séria que tenha surgido na sociedade portuguesa que a justifique. Mais uma vez, acho que o que interessa é cumprir a Constituição tal como ela está. E algumas das propostas vão no sentido de regredir na posição de direitos fundamentais… Por exemplo, quando pensamos na questão relativa ao alargamento das situações em que pode haver limitação de liberdade, em que pode haver acesso a determinados dados ou os chamados meta-dados. São questões que foram já tratadas pelo legislador e consideradas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional. E choca que agora se pretenda introduzir na Constituição como uma limitação de direitos fundamentais, uma limitação maior de direitos fundamentais como forma de constitucionalizar aquilo que era antes inconstitucional.

Não me parece que conste que a revisão constitucional deva servir para este fim.

Para justificar o legislador?

Para justificar o legislador e para permitir arrepios à liberdade onde ela existia.

E a inviolabilidade da vida humana pode ser também um dos direitos que está na Constituição e que caminha para não ser garantido, nomeadamente com a legalização da eutanásia e da morte medicamente assistida. É de facto, um problema de desrespeito pela Constituição?

É evidentemente um problema de desrespeito pela Constituição. A Constituição é muito clara quando afirma o direito à vida e quando afirma depois, noutra dimensão dos direitos sociais, o direito à saúde e à proteção das várias situações de vulnerabilidade, como há pouco referi. Portanto, na Constituição, o que lá está é isto. A Constituição é muito clara na afirmação destes princípios.

Nós podemos procurar formas de justificar, mas por outra via, por uma construção jurídica porventura artificial. Aquilo que lá está, de forma inequívoca, é aquilo com que nós temos que trabalhar. É a afirmação do direito à vida.

A liberdade de cada um em optar não é suficiente para se legislar? 

Em relação à liberdade, há duas questões. A primeira é que, por princípio, a liberdade é uma das dimensões integrantes da dignidade humana, da autonomia pessoal. Mas a liberdade não contraria a dimensão da dignidade e o direito à vida, que é o seu maior pressuposto. Portanto, não se pode pôr em confronto a liberdade com o direito à vida.

Sem vida não há liberdade e essa é uma primeira dimensão que me parece ser de acentuar. A discussão está enviesada quando se afirma a liberdade, descurando-se as dimensões da dignidade, nas suas projeções mais imediatas, como seja o direito à vida. E depois há outra questão que é também uma falácia argumentativa: levando o argumento da liberdade até às últimas consequências, nós não perceberíamos sequer estes projetos, porque o que estamos a assistir com os projetos de legalização da eutanásia não é uma afirmação livre da pessoa que, pede para morrer. Ela no fundo, exprime o pedido, mas depois há um conjunto de pessoas com alguma frieza e distanciamento que verificam se estão preenchidas aquelas condições e que validam ou autorizam esse pedido. Portanto não há, na verdade, uma dimensão de autonomia. Se houvesse, então seria levado às últimas consequências e a pessoa poderia simplesmente, em qualquer circunstância e em qualquer momento da vida, pedir para morrer e teria esse direito.

A liberdade não é verdadeiramente o que está aqui em causa. Aliás, a circunstância dos próprios promotores desta lei rodearem de tamanha burocracia o pedido demonstra como eles próprios sabem que há muito mais a proteger e há outros princípios a proteger. E parece-me que esta lei deixará em situação de vulnerabilidade aqueles que já estavam em situação de vulnerabilidade. A pessoa, num sofrimento grande, o que pede é para deixar de sofrer, não é para morrer. O que ela quer realmente é deixar de sofrer. E num momento em assistimos à degradação diária dos cuidados de saúde nas questões mais elementares, com pessoas que morrem à espera de ser atendidas nas urgências, no momento em que os cuidados de saúde estão assim, em que toda a gente hesita antes de ir ao hospital, como é que se oferece como possibilidade a morte? Isto pode gerar situações em que as pessoas, tendo medo sobre a forma como poderão ser tratadas, agudize o seu sofrimento.

Foto Agência ECCLESIA/PR, Inês Quadros

Na nota da Conferência Episcopal Portuguesa sobre a aprovação da legalização da eutanásia e do suicídio assistido, os bispos apelam à objeção de consciência por parte dos profissionais de saúde, rejeitando assim as possibilidades abertas neste processo legislativo. Este é um recurso que vai ser capaz de ajudar os profissionais de saúde, nomeadamente os médicos, a cumprirem o juramento solene que fizeram?

A objeção de consciência é um direito fundamental, previsto na Constituição. É interessante ver até que há dois únicos artigos que referem de forma incisiva que a vida humana é inviolável e a objeção de consciência é inviolável. São dois artigos cuja própria construção literal é absolutamente inequívoca. A objeção de consciência é uma parte integrante, também da autonomia da dignidade da pessoa. Seria uma violência pedir à pessoa que fizesse algo que fere a sua consciência. É essencial que esteja evidentemente previsto. Nesse sentido, aliás, a Ordem dos Médicos foi sempre muito clara na afirmação de que a eutanásia não corresponde a um ato médico. Não está na essência da atividade médica contribuir ativamente para a morte de uma pessoa. E essa posição da Ordem dos Médicos não se alterou com as várias versões do diploma. Quer dizer, não houve nenhuma indicação recente de que esta última versão do diploma possa ser considerada admissível. E, portanto, creio que a objeção de consciência tem necessariamente de estar prevista. Depois há outra dimensão que é a circunstância do médico objetor de consciência não poder acompanhar este processo e, portanto, isso também demonstra aquilo em que o médico poderia ser realmente útil, não o é. Ou seja, aquilo em que o médico poderia ser realmente útil – na proposta de cuidado, na proposta de acompanhamento do doente – estará arredado desse processo.

É como vê agora o decorrer do seguimento do processo legislativo. A proposta de referendo foi rejeitada. Pedia-lhe também a sua opinião sobre o sobre essa decisão e já agora acha que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa terá ainda espaço para voltar ao veto político?

Creio que o referendo não pode servir para contornar preceitos constitucionais e, portanto, a questão da vida é uma questão central na Constituição portuguesa. No fundo, o preceito do artigo 24 da Constituição, diz claramente que a vida humana é inviolável e parece-me que questões deste tipo, que põem em causa a vida, não devem ser tidas por referendo. Em todo o caso, há diversas associações que o têm vindo a pedir e foi de resto proposto por alguns partidos políticos. E creio que a razão fundamental é que não houve até hoje a demonstração clara de um anseio da sociedade portuguesa relativamente a esta questão. Se nós formos verificar, os partidos que inscreveram a eutanásia nos seus programas eleitorais correspondem a cerca de 7%, tiveram 7% dos votos. Foi apenas o Bloco de Esquerda, o PAN e o Livre. E, portanto, a generalidade dos portugueses não se pronunciou e não foi apurado nenhum sentir da sociedade em relação a esta questão. E creio que é essa a razão que justifica os pedidos de referendo que diversas associações promotoras da vida reclamaram. É essa a razão fundamental, embora por princípio não deveria ser necessário sujeitar a referendo estas questões.

Quanto ao Presidente da República e aos seus próximos passos?

Quanto ao Presidente da República e ao que pode fazer agora. Do ponto de vista constitucional, o projeto seguirá para o Presidente da República, que terá diante de si três hipóteses: uma aprovação imediata, que não creio que venha a ser a sua decisão, o envio para o Tribunal Constitucional ou o veto político.

O envio para o Tribunal Constitucional parece-me que é a hipótese que o Presidente da República deveria seguir. Se já houve uma primeira declaração de inconstitucionalidade de um projeto anterior, compete ao Tribunal Constitucional agora verificar se as suas objeções foram acolhidas. No novo projeto, esta nova versão é uma versão que alarga mais do que restringe as situações de eutanásia e, portanto.

Há mais razão para inconstitucionalidade?

Há razões diferentes para a inconstitucionalidade.  O termo doença fatal, como se sabe foi substituído nos projetos. Agora fala-se de doença grave e incurável, o que permite que se trate de uma situação que poderia até ser compatível com a vida durante muito tempo. Aliás, perante um horizonte tão alargado, não se exclui que possa haver avanço científico suficiente que permitisse a cura e a regeneração da pessoa. É disto que estamos a falar.

Parece-me que o Tribunal Constitucional tem mais do que espaço para se pronunciar e tem todos os elementos que precisa para se pronunciar. Depois haverá ainda a hipótese, havendo o pronunciamento do Tribunal Constitucional pela inconstitucionalidade da questão, regressar à Assembleia da República. E, finalmente, o Presidente da República conserva sempre o direito de veto político, embora subsista a este respeito a possibilidade de reprovação por parte Assembleia da República.

Mas, enfim, todo este todo este processo pode vir a estender-se no tempo e continua a esperança que de facto a lei não venha a entrar em vigor.

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Agência ECCLESIA

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