A Diocese do Algarve promoveu no passado sábado a segunda parte da formação para leigos (entenda-se não clérigos), propostos pelas paróquias algarvias para presidirem às celebrações fúnebres, na ausência de um ministro ordenado (bispo, padre ou diácono). A iniciativa, que continuou no Centro Pastoral e Social de Ferragudo, centrou-se desta vez na certeza cristã de que a vida não acaba na morte, mas apenas se transforma.
Neste sentido, o padre Mário de Sousa, que abordou o tema ‘A morte e a vida na Sagrada Escritura’, afirmou que “a vida eterna é um dom de Deus que acontece pelo Batismo, por isso a Igreja sempre disse e continua a dizer que o Baptismo é necessário para a salvação”.
Nesta mesma linha, foi também a intervenção do padre José Águas, que reflectiu sobre o tema ‘O sentido redentor do sofrimento e da morte’, afirmando que “se morrermos com Cristo, com Ele ressuscitamos para a vida eterna”.
O padre Mário de Sousa ressalvou no entanto que a “garantia da eternidade” está na “ligação a Jesus”. “Embora, pelo Baptismo, tenha recebido a vida divina, posso perdê-la. Quando corto a minha relação com Aquele que alimenta em mim a vida de Deus, eu auto excluo-me de participar na relação com Deus através d’Aquele que é o único Salvador”, justificou.
Corpo, alma e espírito
O formador, que explicitou ainda a diferença entre corpo, alma e espírito, rejeitou a ideia de “corpo mau e alma boa” e lembrou que “o homem só é homem porque é corpo e alma”.
O padre Mário de Sousa, explicou a propósito que “o homem passa para a eternidade como corpo e alma, embora seja um corpo completamente diferente”. “Este que agora temos está feito para esta fase da nossa vida, mas é preciso que se transforme para entrarmos numa nova dimensão onde não há espaço nem há tempo”, afirmou, referindo-se ao “corpo glorioso caracterizado pelo espírito”. “A morte é a transformação do nosso ser que nos permite entrar na dimensão de Deus. Porque não temos duas vidas mas apenas uma marcada por diversas etapas, é necessário que o corpo acompanhe essas etapas e se vá sempre transformando de acordo com elas”, explicou.
O sacerdote classificou então o momento da morte como o “momento da transformação” porque “nem ela nos pode separar de Cristo”. “Eu que vivia em Cristo passo a viver com Cristo para sempre”, complementou, retomando a ideia já anteriormente abordada de que “a liberdade do homem” é a única coisa que o pode separar de Deus. “Podemos querer-nos separar de Deus e Deus respeita essa nossa opção”, sublinhou o sacerdote.
Misericórdia de Deus
O padre Mário de Sousa reconheceu que São Paulo “não concebe uma ressurreição para os não cristãos”, no entanto, ressalvou que a Igreja acredita “na misericórdia de Deus e noutros meios que Deus tem para salvar o homem”.
Nesta mesma linha, o cónego José Pedro Martins, que interveio sobre “O Ritual das Exéquias” e “Propostas pastorais para a celebração das exéquias”, abordou a celebração de exéquias de crianças não baptizadas, explicando que estas têm direito à celebração mediante a autorização do ordinário do lugar, ou seja do bispo, vigário geral ou vigário episcopal.
O padre José Águas constatou ainda que “hoje a sociedade esconde a morte como se fosse uma vergonha, como se fosse suja”. “Vemos nela apenas o horror, sofrimento inútil e penoso, escândalo insuportável e no entanto é o momento culminante da nossa vida, o seu coroamento, o que lhe confere sentido e valor”, afirmou, advertindo que “a morte não é o fim, não é o término”. “É o momento da passagem para a glória e para o Pai”.
Citando François Mitterrand, o sacerdote afirmou que “talvez nunca a relação com a morte tenha sido tão pobre como nestes tempo de avidez espiritual em que os homens, na pressa de existir, parecem sofismar o mistério”. “Ignoram que deste modo secam uma fonte essencial do gosto de viver”, complementou numa referência ao falecido presidente da França.
Também o cónego José Pedro Martins lamentou que a morte seja “escondida e esquecida” em vez de “acompanhada” e salientou o dever de se “tratar o corpo com reverência e honra” e “não de qualquer maneira”.
Pastoral da vida
O vigário episcopal para a Pastoral da Diocese do Algarve começou por sublinhar na sua intervenção que a pastoral das exéquias insere-se na pastoral da vida. “Para quem é cristão, e vive nesse dinamismo da ressurreição de Jesus, a pastoral da vida é o quadro mais adequado para relacionarmos todos estes aspectos”, justificou, considerando que “o mistério da morte desafia-nos a aprofundar o sentido da vida”. Neste sentido, o sacerdote lembrou que o corpo do falecido é “cadáver para o mundo, mas é corpo ressuscitado para Deus”.
O padre José Pedro Martins, que explicou ainda que o termo exéquias significa “acompanhar na oração aquele que seguiu para o Senhor”, lembrou que “a Igreja sempre previu, porque não se trata de um sacramento, que os fiéis leigos possam assistir à oração litúrgica” das exéquias. “Só não o fazia porque os textos litúrgicos eram todos em latim e era mais complicado pedir a um fiel leigo que pudesse realizar essa função”, justificou.
Cremação
Sobre a cremação, o sacerdote explicou que “a Igreja pretende que se conserve o costume tradicional de sepultar os corpos dos cristãos porque, este gesto, se identifica melhor com a sepultura de Cristo”. “Os fiéis têm contudo a liberdade de preferir a cremação do seu próprio corpo, sem que esta escolha impeça a celebração dos ritos”, disse, desde que essa escolha não seja motivada por alguma questão contrária à fé como acontece com as motivações que levam a querer que os restos mortais sejam jogados fora. “É um indício de que a pessoa não homenageia o seu corpo que, muito embora cinza, foi batizado e templo do Senhor”, frisou, explicando que “só é possível fazer rito antes ou após a cremação de fiéis, cujas cinzas ficam religiosamente guardadas no cemitério ou em casa”.
A formação agora terminada surge na sequência do decreto assinado recentemente pelo Bispo do Algarve que regulamenta as celebrações das exéquias fúnebres orientadas por um leigo.
Os candidatos propostos pelos párocos para ministros das exéquias serão agora avaliados pelos próprios priores, pelo Departamento de Liturgia da Diocese do Algarve e pelo Bispo diocesano. Alguns deles poderão eventualmente não chegar a ser mandatados para exercer a missão, confirmou à “Folha do Domingo” o padre Carlos de Aquino.
Samuel Mendonça