Teólogo italiano diz que texto responde a críticas sobre magistério excessivamente centrado em questões sociais
Octávio Carmo, enviado da Agência ECCLESIA ao Vaticano
Cidade do Vaticano, 24 out 2024 (Ecclesia) – O teólogo italiano D. Bruno Forte disse hoje, no Vaticano, que a nova encíclica do Papa é a “chave de leitura” para o pontificado, iniciado em 2013, e responde a críticas sobre um magistério excessivamente centrado em questões sociais.
“Longe de ser um magistério esmagado pelo social, como por vezes foi desajeitadamente entendido, a mensagem que este Papa deu e dá à Igreja e a toda a família humana brota de uma única fonte, aqui apresentada de forma mais explícita e clara: Cristo Senhor, o seu amor pela humanidade”, disse o arcebispo de Chieti-Vasto (Itália), na conferência de imprensa de apresentação da “Dilexit nos – Carta Encíclica sobre o amor humano e divino do Coração de Jesus Cristo”, publicada hoje por Francisco.
Segundo o responsável católico, a quarta encíclica do atual pontificado mostra “de forma profunda o coração, o motivo inspirador de todo o ministério, o magistério do Papa Francisco”.
A intervenção citou o ponto 217 do documento, para sublinhar a ligação entre as últimas encíclicas de Francisco: “O que está expresso neste documento permite-nos descobrir que o que está escrito nas encíclicas sociais ‘Laudato si e ‘Fratelli tutti’ não é alheio ao nosso encontro com o amor de Jesus Cristo, pois bebendo desse amor tornamo-nos capazes de tecer laços fraternos, de reconhecer a dignidade de cada ser humano e de cuidar juntos da nossa casa comum”.
D. Bruno Forte elogiou o Papa pela “audácia de dizer algo alternativo à lógica que parece dominar o mundo neste momento”.
“Regressemos ao coração. Voltemos ao coração como síntese do Evangelho numa hora histórica tão dramática”, apelou, evocando os cenários de violência e de guerra em várias partes do mundo.
A intervenção destacou ainda o facto de o Papa assumir que se inspirou em textos inéditos do padre Diego Fares (1955-2022), religioso jesuíta, para falar do Coração de Jesus, superando a visão de “devoção intimista “:
“Um dos aspetos mais convincentes desta encíclica, também do ponto de vista teológico, é que o Papa Francisco demonstra exatamente o contrário: a devoção ao Coração de Jesus, longe de ser intimista, chama-nos a uma experiência do amor de Deus revelado em Cristo que se faz carne na história, a tomar posição em favor dos últimos, dos pobres”, acrescentou D. Bruno Forte.
O encontro com os jornalistas contou também com a intervenção da irmã Antonella Fraccaro, responsável geral das Discípulas do Evangelho, e editora das Obras Completas de São Carlos de Foucault, que o Papa cita na ‘Dilexit nos’.
“Esta encíclica dá voz a algumas das questões que se levantam neste momento”, assinalou a religiosa, que sublinhou, igualmente, a continuidade com as encíclicas sociais ‘Laudato si’ e ‘Fratelli tutti’.
“O nosso coração, unido ao de Cristo, é verdadeiramente capaz deste milagre social, isto é, de construir connosco e entre nós, neste mundo, o reino do amor e da justiça”, declarou.
A irmã Antonella Fraccaro assinalou que o novo documento ajuda a recuperar o coração como “centro da existência”, num mundo em que se promove a “fragmentação”, em particular com o advento das novas tecnologias de comunicação.
O título da 300ª encíclica da história da Igreja, ‘Dilexit nos’ (amou-nos), vem de uma passagem da carta de São Paulo aos Romanos (Rm 8, 37), sobre o amor de Cristo.
A encíclica, escrita originalmente em espanhol, tem 220 pontos, divididos em cinco capítulos, uma introdução e uma conclusão.
‘Dilexit nos’ surge depois das encíclicas ‘Lumen fidei’ (2013), que recolhe reflexões sobre a fé iniciadas por Bento XVI; ‘Laudato si’ (2015), documento que propõe uma ecologia integral, abordando questões sociais e ligadas ao meio ambiente; e ‘Fratelli tutti’ (2020), que recolher as reflexões de Francisco sobre a fraternidade e a amizade social.
OC
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