Primeira exortação do pontificado lamenta que pobres sejam culpabilizados pela sua condição
Cidade do Vaticano, 09 out 2025 (Ecclesia) – Leão XIV reforça as críticas de Francisco à “economia que mata”, na primeira exortação apostólica do pontificado, ‘Dilexi Te’, publicada hoje pelo Vaticano.
“É necessário, portanto, continuar a denunciar a ‘ditadura de uma economia que mata’ e reconhecer que ‘enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar daquela minoria feliz’”, escreve o Papa, num documento que começou a ser preparado pelo seu antecessor.
O título ‘Dilexi Te’ (Eu amei-te, em português) é retirado de uma passagem do último livro da Bíblia, o Apocalipse (Ap 3, 9).
A exortação apostólica denuncia “estruturas” políticas e económicas que perpetuam a miséria, apelando à transformação social para ultrapassar modelos distributivos que legitimam desigualdades extremas e o descarte de pessoas, “tolerando com indiferença que milhões de pessoas morram à fome ou sobrevivam em condições indignas do ser humano”
“Embora não faltem diversas teorias que tentam justificar o estado atual das coisas ou explicar que a racionalidade económica nos exige esperar que as forças invisíveis do mercado resolvam tudo, a dignidade de cada pessoa humana deve ser respeitada já agora, não só amanhã, e a situação de miséria de tantas pessoas, a quem é negada esta dignidade, deve ser um apelo constante à nossa consciência”, apela Leão XIV.
Torna-se normal ignorar os pobres e viver como se eles não existissem. Apresenta-se como uma escolha razoável organizar a economia exigindo sacrifícios ao povo, para atingir certos objetivos que interessam aos poderosos. Entretanto, para os pobres restam apenas promessas de ‘gotas’ que cairão, até que uma nova crise global os conduza de volta à situação na qual estavam anteriormente.”
O Papa lamenta, em particular, que as populações mais desprotegidas sejam culpabilizadas pela sua situação.
“Os pobres não existem por acaso ou por um cego e amargo destino. Muito menos a pobreza é uma escolha, para a maioria deles. No entanto, ainda há quem ouse afirmá-lo, demonstrando cegueira e crueldade”, critica.
Leão XIV lembra quem trabalha diariamente para “sobreviver” sem “nunca melhorar verdadeiramente” a sua vida.
“Não podemos dizer que a maioria dos pobres estão nessa situação porque não obtiveram ‘méritos’, de acordo com a falsa visão da meritocracia, segundo a qual parece que só têm mérito aqueles que tiveram sucesso na vida”, escreve.
O Papa convida a rejeitar uma visão da vida “centrada na acumulação de riquezas e no sucesso social a todo o custo, a ser alcançado mesmo explorando os outros e aproveitando ideais sociais e sistemas político-económicos injustos, favoráveis aos mais fortes”.
“Num mundo onde os pobres são cada vez mais numerosos, vemos paradoxalmente crescer algumas elites ricas, que vivem numa bolha de condições demasiado confortáveis e luxuosas, quase num mundo à parte em relação às pessoas comuns. Isto significa que persiste – por vezes bem disfarçada – uma cultura que descarta os outros sem sequer se aperceber”, adverte.
Os mais fracos não têm a nossa mesma dignidade? Aqueles que nasceram com menos possibilidades valem menos como seres humanos e devem limitar-se apenas a sobreviver? A resposta que damos a estas perguntas determina o valor das nossas sociedades e dela também depende o nosso futuro: ou reconquistamos a nossa dignidade moral e espiritual ou caímos numa espécie de poço de imundície”.
O texto começa por explicar que Francisco preparava esta exortação apostólica, antes da sua morte, um projeto agora assumido e publicado pelo seu sucessor.
“Para nós, cristãos, a questão dos pobres remete-nos à essência da nossa fé”, escreve Leão XIV, eleito a 8 de maio.
O documento pontifício adverte para a necessidade de continuar o “compromisso em favor dos pobres e pela erradicação das causas sociais e estruturais da pobreza”.
“As sociedades em que vivemos privilegiam, com frequência, linhas políticas e padrões de vida marcados por numerosas desigualdades e, por isso, às antigas formas de pobreza que evidenciámos e se procuram combater, acrescentam-se outras novas, por vezes mais subtis e perigosas”, indica o Papa.
Citando Francisco, Leão XIV alerta para “os efeitos da degradação ambiental, do modelo atual de desenvolvimento e da cultura do descarte” sobre a vida de milhões de pessoas, em especial os “mais frágeis”.
A ‘Dilexi Te’ está dividida em 121 pontos, com quase 60 citações de Francisco, entre as 129 notas do texto.
Uma exortação apostólica é um documento formal do Papa dirigido principalmente aos católicos, sem se limitar a eles, cujo objetivo principal é orientar os destinatários sobre um tema específico – neste caso, “o amor para com os pobres” –, estimulando a reflexão e a ação.
Sem o peso oficial de uma encíclica, o documento papal mais solene, cada exortação apostólica é vista como um texto que expressa diretamente a visão do pontífice sobre o tema em análise.
OC
![]() A exortação é acompanhada por uma breve carta do Papa, dirigida aos bispos de todo o mundo: “É com grande alegria que lhe escrevo, seguindo uma prática iniciada pelo Papa Francisco há mais de dez anos, associando todo o Colégio Episcopal em momentos importantes do Magistério Papal. Que a ‘Dilexi te’ ajude a Igreja a servir os pobres e a conduzi-los a Cristo”, indica Leão XIV. |
«Dilexi Te»: Primeira exortação de Leão XIV assume legado social de Francisco
«Dilexi Te»: «Não devemos baixar a guarda diante da pobreza» – Leão XIV