Vaticanista percorre vários pontos do documento publicado pelo Dicastério para a Doutrina da Fé
Lisboa, 11 abr 2024 (Ecclesia) – O chefe de redação e vaticanista da Agência ECCLESIA considera que a nova declaração doutrinal, publicada na segunda-feira, surge como forma de clarificar a posição da Igreja sobre diversos temas, na sequência de algum “mal-estar” interno.
“Eu penso que há aqui uma necessidade de clareza no sentido de haver muita tensão interna na Igreja Católica”, afirmou Octávio Carmo, ressaltando que ao contrário das exortações apostólicas que são dirigidas “a todo o universo”, uma declaração doutrinal destina-se “ao interior da Igreja Católica”.
“Dignitas infinita” é o nome do documento, fruto de cinco anos de trabalho, que passa em revista o magistério papal das últimas décadas sobre temas que vão da guerra à pobreza, da violência contra os migrantes e mulheres ao aborto e maternidade de substituição, eutanásia, abordando ainda a ideologia de género e o valor da pessoas com deficiência.
O jornalista afirma que “no interior da Igreja Católica, desde sobretudo as célebres dubia dos cardeais, passando pelo Sínodo da Família em 2014-2015, o atual sínodo, o sínodo da Amazónia, e a recente declaração da doutrina da fé sobre a bênção a casais em situação irregular, há um mal-estar”.
“E eu acho que é daqui que partimos. E neste mal-estar, pessoas que acusaram o Papa, acusaram os seus colaboradores de estarem a mudar a doutrina, de alterar a doutrina, de heresia até nalguns casos, e isso foi referido na conferência de imprensa, houve necessidade de dizer: ‘Não, o que nós pensamos é isto’”, referiu.
Em entrevista transmitida esta quinta-feira, no Programa ECCLESIA, na RTP2, Octávio Carmo refere que na apresentação da declaração, o cardeal Víctor Fernández, prefeito do dicastério para a Doutrina da Fé, mostrou que é possível daqui em diante “haver visões diferentes”.
“Ele assumiu, por exemplo, que determinadas expressões da doutrina católica, da forma como foram plasmadas, podem abrir caminho a mal-entendidos. E assumiu isso especificamente a dizer que temos de pensar se no futuro não precisaremos de encontrar as expressões que digam, de forma mais compreensível, a verdade que queremos transmitir”, explicou.
Como exemplo disso, o vaticanista salienta que o prefeito da Doutrina da Fé lamentou que católicos defendam legislações que criminalizam e preveem a morte de homossexuais, tendo sido confrontado na apresentação com o facto de a forma como se explica o pensamento da Igreja sobre o tema parecer querer levar à criminalização.
“Esse é um exemplo, mas foram vários, mas esse é um exemplo em que ele assume concretamente que a linguagem tem de ser transformada para que se perceba, para que se compreenda”, frisou.
O documento alertou também para a dignidade das pessoas com deficiência e, segundo Octávio Carmo, o “maior desafio deixado à Igreja é o da inclusão e valorização” do que têm para oferecer e “não apenas como objeto pastoral, como objeto de cuidado”.
“Não é apenas institucionalizando as pessoas com deficiência, sobretudo as deficiência mais graves, que se lhes dá dignidade. E este é um desafio tremendo que é lançado à sociedade no seu todo. Tremendo”, indicou.
A violência digital foi um dos pontos abordados na declaração doutrinal, que o jornalista considera ser “um dos temas em que há maior inovação, maior preocupação por parte da Santa Sé”.
“O mundo digital, sobretudo as caixas de comentários, as redes sociais, tornou-se um verdadeiro esgoto a céu aberto, dito rapidamente”, afirmou.
Octávio Carmo fala no “cyberbullying” e na forma como a “incapacidade de compreender o ponto vista do outro e partir imediatamente por um tipo de linguagem de violência, de difamação”, é uma preocupação presente que está presente na declaração e que é dita “com todas as letras, que é uma forma de violação da dignidade da outra pessoa”.
PR/LJ/OC
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