LOC/MTC
Até meados dos anos 90, o trabalho funcionava como elemento unificador e integrador da vida social, tanto no campo como na cidade, entre os mais qualificados, como em relação aos menos qualificados.
Nos últimos anos, esta espécie de “pacto social” a partir do trabalho, deixou de ser o fator de integração e de emancipação pessoal. Deixou de proporcionar estabilidade e semeou incerteza em todas as outras dimensões da vida dos trabalhadores. Além disso as novas tecnologias da era digital, da inteligência artificial, da robótica estão aí, são uma realidade a afetar muitos trabalhadores. Há novos empregos e novas possibilidades, mas as mudanças são tão rápidas e profundas que deixam muitos trabalhadores para trás, desprotegidos, relegados como lixo e sem possibilidades de acesso à cultura, à educação, a uma habitação digna. Estamos numa nova era, numa cultura individualista, mesmo sabendo, como nos diz o relatório de Oxfam, que nunca no mundo se produziu tanta riqueza como agora. Fizeram-nos acreditar que com esta nova revolução tecnológica, íamos ter uma vida melhor, o trabalho ia ser menos penoso, com menos horas de trabalho, teríamos mais tempo livre para a cultura, lazer, família. Sabemos que não está a ser assim. Quantos de nós sentimos que o trabalho nos está a absorver cada vez mais, que estamos a trabalhar mais horas, que não chegamos a desligar do trabalho. A pessoa trabalhadora é vista apenas como geradora de rendimentos. Segundo as estatísticas, Portugal está no pódio da precariedade laboral dado que tem a terceira maior taxa de precariedade do conjunto dos países da União Europeia. É a vida que se está a tornar precária. “O trabalho tornou-se o parente incómodo que gostaríamos de varrer para debaixo do tapete. Contudo, se não o encararmos colectivamente com seriedade, não conseguiremos desenvolver uma economia mais equilibrada, uma sociedade mais inclusiva e uma vida realizada”(Ha-Joon Chang).
“A nova cultura começa quando o trabalhador e o trabalho são tratados com respeito”, diz o escritor russo Máximo Gorky , sec. XIX, pois o trabalho é indispensável para a realização da pessoa e da família.
O que pode e deve ser feito pelas empresas
O trabalho pode e deve ser mais valorizado do que é, em todas as suas dimensões. As empresas precisam de dar lucro, e isto deve ser claro e assumido de forma transparente, mas têm também de ir muito além deste objectivo, ou seja, têm de rever a forma como funcionam: como se organizam e são geridas, como tratam os trabalhadores e os clientes, como se inserem no meio social e ambiental. Hoje as empresas e a sociedade precisam de pessoas criativas, disponíveis para pensar de forma diferente, para ousar, testar soluções novas para os diferentes problemas e desafios que sirvam a todos e que todos temos de enfrentar.
Precisamos de mais e melhor formação dos gestores para que estes acedam às competências indispensáveis a novos modelos de gestão que compatibilizem a necessária autossustentação com relações de trabalho mais participativas, mais justas e dignas para todos. Além disso, para haver compromisso e envolvimento dos trabalhadores as empresas têm de ser mais transparentes.
As empresas que baseiam o seu modelo de negócios em baixos salários e no salário mínimo criam indignidade e pobreza. E a diferença entre o salário mais baixo e o mais elevado dentro da mesma empresa deve situar-se numa escala razoável e não com diferenças escandalosas, como algumas que se conhecem.
É necessário combater a cegueira do lucro a todo o custo, o que leva as próprias empresas a transformarem-se em plataformas de serviços e a considerarem os trabalhadores como meros jornaleiros digitais.
O que podem e devem fazer os trabalhadores
As mudanças exigem uma outra atitude dos patrões e dos gestores, mas também dos trabalhadores no que respeita ao seu envolvimento profissional e à forma como participam na vida da empresa. A sua participação é contributo essencial e insubstituível dado que sem ele a probabilidade de tudo continuar na mesma é muito elevada, e, assim, os trabalhadores continuarão a ser os maiores perdedores. Precisamos de organizações de trabalhadores mais fortes e ativas a partir dos locais de trabalho.
Os trabalhadores precisam ainda de olhar as novas tecnologias, não apenas como ameaça, mas de forma mais positiva e aceitar os desafios de formação necessária para acompanhar a sua implementação.
O progresso tecnológico, e a automação em curso, têm que ser usados para melhor servir a humanidade proporcionando o acesso de todos aos bens e serviços de que necessitam e não para aumentar ainda mais a desigual repartição dos rendimentos entre ricos e pobres.
Esta mudança de paradigma no mundo do trabalho só terá sucesso na cultura do encontro, de que nos fala o papa Francisco. Trabalhadores e empregadores, bem como os poderes políticos, têm de desenvolver dinâmicas de diálogo e compromissos humanizadores, não apenas económico-financeiros.