Dignidade do trabalho

Um dos princípios fundamentais da doutrina social da Igreja recorda que a dignidade do trabalho decorre da dignidade da pessoa que trabalha Pode dizer-se que a dignidade do trabalho decorre de duas fontes: da pessoa que trabalha e das características do próprio trabalho humano. Um dos princípios fundamentais da doutrina social da Igreja recorda que a dignidade do trabalho decorre da dignidade da pessoa que trabalha e não o contrário. João Paulo II insistia muito na prioridade absoluta da pessoa: “Embora seja verdade que o homem está destinado e é chamado ao trabalho, contudo, antes de mais nada o trabalho é ‘para o homem’ e não o homem ‘para o trabalho’… (pelo) que cada trabalho se mede sobretudo pelo padrão da dignidade do sujeito do trabalho, isto é, da pessoa, do homem que o executa”. Até porque “em última análise, a finalidade do trabalho, de todo e qualquer trabalho realizado pelo homem – ainda que seja o trabalho do mais humilde ‘serviço’ ou o mais monótono na escala comum de apreciação ou o mais marginalizador – permanece sempre o próprio homem” (LE 6). Nunca é de mais insistir nisto, até porque a realidade é um contínuo desmentido desta prioridade da pessoa. Olhando à nossa volta o que vemos é a prioridade dada ao trabalho. As próprias sentem-se mais ou menos dignas conforme a “dignidade” do seu trabalho. Como se ser gestor fosse mais digno que varredor de ruas. Daí esta doença que ataca a sociedade portuguesa: a doutorite. O que os grupos de técnicos não têm feito para que os seus cursos sejam equiparados a universitários? O que os pais não fazem para que os filhos seja doutores? E que desonra para a família se eles não o forem! Por outro lado, o trabalho, pelo facto de ser humano, tem características próprias que lhe conferem a dignidade de ser “um prolongamento da obra do Criador, um serviço aos irmãos e uma contribuição pessoal para o cumprimento do plano providencial na história” (GS 34). O trabalho é uma vocação, já que é a resposta mais adequada ao mandamento primeiro de Deus que, ao criar a terra para todos, a todos mandatou para a cultivar e guardar (Gn 2,15). Estes dois verbos têm na Bíblia uma forte ressonância religiosa: “só o cristianismo deu um sentido religioso ao trabalho e reconhece o valor espiritual do progresso técnico. Não há vocação mais religiosa que o trabalho” (João Paulo II aos jovens; Inglaterra; 1982). O trabalho é uma das formas privilegiadas para continuar a obra da criação, pois faz de cada pessoa um colaborador na acção divina, um verdadeiro criador: “Deus, que dotou o homem de inteligência, de imaginação e de sensibilidade, deu-lhe assim o meio para completar, de certo modo, a sua obra: seja artista ou artífice, empreendedor, operário ou camponês, todo o trabalhador é um criador” (PP 27). Esta dimensão criadora de cada ser humano é uma das mais esquecidas. A pessoa não é vista nesta sua dimensão estrutural; caso contrário, não haveria tanto desemprego. O trabalho torna-nos também colaboradores de Deus na obra da redenção ao criar condições para uma melhor qualidade de vida, mais justa, mais fraterna, mais solidária, mais humana: “Tudo o que o homem faz para conseguir mais justiça, mais fraternidade e uma organização mais humana das relações sociais tem mais valor que os progressos técnicos. Porque estes podem fornecer a base material para a promoção humana, mas são impotentes, só por si, para a realizar” (GS 35). O trabalho é ainda o principal instrumento de libertação e, portanto, de desenvolvimento harmonioso da pessoa, de cada pessoa, porque é meio de subsistência mas também de desenvolvimento e progresso sociais: “O homem, ao trabalhar em qualquer tarefa no seu ‘banco’ de trabalho, pode facilmente cair na conta de que, pelo seu trabalho, entra na posse de um duplo património; ou seja, do património daquilo que é dado a todos os homens, sob a forma dos recursos da natureza, e do património daquilo que os outros que o precederam já elaboraram, a partir da base de tais recursos, em primeiro lugar desenvolvendo a técnica, isto é, tornando realidade um conjunto de instrumentos de trabalho, cada vez mais aperfeiçoados” (LE 13). Muitas vezes, porém, o trabalho, em vez de ser um instrumento para reforçar a dignidade da pessoa e estar ao serviço do seu desenvolvimento integral, converte-se, antes, em ocasião de degradação, alienação e desumanização: “A alienação verifica-se também no trabalho, quando é organizado de modo a «maximizar» apenas os seus frutos e rendimentos, não se preocupando de que o trabalhador, por meio de seu trabalho, se realize mais ou menos como homem, conforme cresça a sua participação numa autêntica comunidade humana solidária ou então cresça o seu isolamento num complexo de relações de exacerbada competição e de recíproco alheamento, no qual ele aparece considerado apenas como um meio e não como um fim” (CA 41). Mais, o homem não pode ser deixado de lado quando já não interessa, pois “uma sociedade, onde este direito seja sistematicamente negado, onde as medidas de política económica não consintam aos trabalhadores alcançarem níveis satisfatórios de ocupação, não pode conseguir nem a sua legitimação ética nem a paz social” (CA 43) José Dias da Silva Dossier AE • Trabalho

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