Núncio Apostólico em Espanha diz «compreender» a posição dos Bispos portugueses A falta de padres e as exigências do trabalho pastoral das dioceses portuguesas tem adiado o envio de sacerdotes para a Pontifícia Academia Eclesiástica, em Roma, instituição que forma o pessoal do corpo diplomático da Santa Sé e da secretaria de Estado do Vaticano. O Núncio Apostólico em Espanha diz «compreender» a posição dos Bispos portugueses, pois «um bom administrador tem que saber olhar para a sua própria casa». Na entrevista concedida ao Diário do Minho, D. Manuel Monteiro de Castro também explica a dinâmica da diplomacia da Santa Sé e, com algumas cautelas naturais, recorda certos acontecimentos que o marcaram ao longo da sua carreira. Como o prelado vimaranense prefere referir, «estas experiências demonstram que o fundamento da diplomacia vaticana passa pelas palavras de Jesus Cristo “Ide e anunciai”». Diário do Minho (DM) – Em que se diferencia a diplomacia do Vaticano das demais diplomacias? A diferença reside apenas no facto desta ser uma das mais antigas? D. Manuel Monteiro de Castro (MMC) – Talvez seja esta uma das características diferenciadoras da diplomacia do Vaticano, isto é, há muitos séculos que a Igreja concluiu que o melhor modo de caminhar junto com os outros Estados é o diálogo. Esse diálogo faz-se, muitas vezes, através da diplomacia, através do encontro com as pessoas e da partilha e comunicação das suas culturas. DM – É fácil entrar na escola diplomática do Vaticano? MMC – Não é difícil. Requerem-se certas “habilidades” que muitos sacerdotes já possuem, de modo que, hoje, a Santa Sé procura ter no corpo diplomático membros de todo o mundo. Na Academia Eclesiástica encontramos talvez em cada dez alunos apenas dois italianos. Neste momento, temos na escola diplomática um português, da diocese de Lamego. Conheci-o em Espanha. A decana de Direito Canónico da Universidade de Salamanca elogiou o desempenho académico do sacerdote e eu acabei por indicá-lo à Academia, para que se pudesse continuar com a presença portuguesa no corpo diplomático do Vaticano. Então, conversei com o senhor bispo de Lamego, D. Jacinto Botelho, para que o “cedesse”. Este ano o sacerdote defendeu a sua tese de doutoramento, que, por sinal, é muito boa, e encontra- se em Benim (no continente africano) a realizar um estágio. No próximo ano, concluirá o segundo ano da Academia Eclesiástica e terminará a sua formação. Depois, iniciará a carreira diplomática, primeiro como agregado, e, de seguida, secretário de segunda e primeira classes, conselheiro de segunda e primeira. As promoções acontecem, geralmente, de quatro em quatro anos. DM – Pensa que os bispos portugueses estão abertos à possibilidade de enviar padres jovens para a Pontifícia Academia Eclesiástica? MMC – No âmbito das dificuldades que o trabalho pastoral impõe, temos que compreender a posição do episcopado português face à possibilidade de ceder sacerdotes para os serviços centrais da Igreja. Os prelados lusos são sensíveis ao serviço da Igreja no mundo, mas, por outro lado, “um bom administrador tem que saber olhar para a sua própria casa”. Repare-se que os Bispos enviam os sacerdotes para as universidades com uma finalidade concreta e não deverão mudar um esquema pré-definido. DM – Quais são os critérios exigidos na admissão de um sacerdote e que qualidades pessoais deve ter um candidato à Academia Eclesiástica? MMC – O senso comum é importantíssimo. Porém, penso que os sacerdotes que terminam os cursos seminarísticos estão bem preparados. Acho que depois de cinco anos de humanidades, três de filosofia e quatro de teologia, um padre está bem preparado. DM – Como define o termo “diplomata”? MMC – Deve ser uma pessoa aberta ao mundo, preocupada com os problemas internacionais e deve procurar dar um contributo pessoal ao bem-estar da humanidade. A acção do corpo diplomático da Santa Sé passa pelo serviço à Igreja e aos bispos e, de seguida, aos sectores da política internacional. O nosso primeiro objectivo passa por cultivar, manter e incrementar as boas relações entre a Igreja local e a central, entre o Governo local e a Santa Sé. DM – Muitas pessoas pensam que a vida de um diplomata é fácil… MMC – Muitos pensam que o diplomata tem apenas bons carros… trata-se de um mero instrumento de trabalho. Procuramos ter uma vida simples. Estou a referir- me ao pessoal diplomático que é verdadeiramente profissional, os diplomatas “de gema”. Somos executivos e a nossa autoridade encontra limites impostos pelos próprios Estados. No caso do corpo diplomático da Santa Sé, se numa determinada situação está em causa, surge qualquer problema de consciência, temos o dever de advertir as partes envolvidas que enveredaram por um caminho errado. DM – Pode dizer-se que a vida de um Núncio Apostólico daria para escrever um livro, mas que essa obra tem que ir obrigatoriamente para a cova com o seu actor principal… MMC – Para que todos se sintam bem, creio que há certas coisas que não devem ser comentadas publicamente ou em privado. Os assuntos estão devidamente documentados, mas o que interessa é que o mundo viva melhor. Não é importante que o nome de um ou outro diplomata da Santa Sé apareça na comunicação social. Diplomatas da Santa Sé formados desde 1701 A Pontifícia Academia Eclesiástica é a instituição na qual são formados os sacerdotes que se preparam para fazer parte do corpo diplomático da Santa Sé, que se encontra nas Nunciaturas Apostólicas (ou embaixadas) e na Secretaria de Estado do Vaticano. Fundada em Roma, em 1701, pelo abade Pietro Garagni, denominava- se inicialmente por Academia dos Nobres Eclesiásticos. Na intenção do seu fundador, deveria expandir-se por todas as dioceses. A Academia teve o apoio e aprovação iniciais do Papa Clemente XI e 20 anos mais tarde já contava com cerca de 150 alunos. Em 1703, o pontífice decidiu governar directamente a Academia e transferiu a sede da instituição para o antigo Palácio Severoli, na Praça de Minerva, em Roma, onde se mantém até hoje. A Academia adquiriu, em 1850, uma nova estrutura orgânica e definiu a sua finalidade específica: de acordo com o regulamento emanado por Pio IX, a instituição passou a ter o objectivo de formar os jovens presbíteros ou para o serviço diplomático da Santa Sé, ou para o serviço administrativo da Cúria no Estado Pontifício. O Papa também passou a exigir como critério de selecção o doutoramento em Teologia ou em Direito Canónico. No conclave de 1914 foi eleito Papa, com o nome de Bento XV, o cardeal Giacomo Della Chiesa, que tinha sido professor da Academia. Este deu-lhe um novo impulso ao incutir-lhe uma filosofia de actuação moderna. Os Papas João XXIII, Paulo VI e João Paulo II procederam a alguns reajustes, para que a instituição tricentenária pudesse exercer de forma mais eficaz o seu papel no mundo.